Descrição de chapéu refugiados imigrantes

Imigração vira tema quente da eleição na Turquia em busca de voto nacionalista

Erdogan promete deportar refugiados sírios, e Kilicdaroglu priva imigrantes de discurso conciliatório

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Milão

Apesar de a Turquia ter recebido milhões de imigrantes e refugiados ao longo de duas décadas —primeiro em razão de sua própria prosperidade econômica, depois devido à guerra civil na vizinha Síria—, esta é a primeira vez que a presença de estrangeiros no país ocupa lugar central no debate que envolve a disputa pela Presidência.

No próximo domingo (28), o presidente Recep Tayyip Erdogan, há 20 anos no poder, buscará a reeleição no segundo turno contra Kemal Kilicdaroglu, líder da aliança de oposição que reúne seis partidos. Erdogan é considerado favorito, após ter saído na frente na primeira fase, por 49,5% a 44,9%, e sua coligação ter conquistado a maioria das vagas no Parlamento.

O canditado à Presidência da Turquia, Kemal Kilicdaroglu, discursa em Bursa diante de cartazes do atual presidente Recep Tayyip Erdogan - Murad Sezer - 11.mai.23/Reuters

O tema da imigração, antes restrito ao discurso xenófobo de políticos com menos relevância —como o terceiro colocado, Sinan Ogan— virou um dos mais quentes na reta final da campanha. Ciente do sentimento anti-imigração crescente no país, alimentado pela crise econômica, e de olho nos quase 3 milhões de votos recebidos por Ogan, Kilicdaroglu anunciou que, se vencer, trabalhará para enviar os refugiados de volta a seus países.

Mesmo Erdogan, que adotou uma política de portas abertas no início do conflito na Síria, em 2011, apostando que fosse ser breve, prometeu reassentar 1 milhão de refugiados no país vizinho após a eleição. Nesta segunda (22), Ogan declarou voto em Erdogan, sob o argumento de que a oposição falhou em convencer os turcos sobre o futuro. Por outro lado, Umit Ozdag, líder do Partido da Vitória, outra sigla anti-imigração, anunciou nesta quarta-feira (24) o apoio a Kilicdaroglu —a legenda conquistou 2,2% dos votos na disputa parlamentar de 14 de maio.

O presidente, que, desde 2016, mantém acordo com a União Europeia para reter refugiados no país em troca de recursos financeiros e justifica o acolhimento também pela solidariedade religiosa e cultural entre islâmicos, explorou a guinada anti-imigração da oposição. "A máscara que usavam antes da eleição caiu. A retórica do abraço, da paz e da liberdade deu lugar ao mais desprezível fascismo em apenas um dia", escreveu nas redes sociais, em ataque pouco velado ao adversário apelidado de Gandhi —pela aparência física e pela personalidade considerada conciliatória.

A Turquia é o país com mais refugiados no mundo, com cerca de 4 milhões, sendo 3,5 milhões vindos da Síria, segundo números da ONU. Além disso, o país é uma importante rota de imigração ilegal, usada especialmente por afegãos que tentam entrar na Europa. São situações duradouras, mas que chegaram só agora à eleição presidencial.

"A presença de sírios não estava no debate político até recentemente na Turquia, diferentemente do que tem sido visto em campanhas da Europa e dos EUA nos últimos dez anos", diz Didem Danis, professora de sociologia da Universidade Galatasaray e fundadora da Associação de Pesquisa em Imigração.

Ela cita como motivos os problemas econômicos, intensificados desde 2018, que resultaram em desvalorização da moeda e hiperinflação e difundiram a percepção de que a presença estrangeira compromete o acesso a vagas de emprego e serviços públicos. "Para muitos turcos, foi fácil condenar os refugiados como responsáveis pela crise, o que não é verdade."

Para Danis, o fato de a imigração ter virado assunto de campanha reflete o sentimento de rejeição da população. "De acordo com pesquisas, 85% dos turcos, independentemente da preferência partidária, querem os refugiados de volta para a Síria. Para a oposição, é uma maneira fácil de pedir votos."

A mudança de humor da população turca, da hospitalidade para a tolerância com toques de hostilidade, começou a se tornar mais visível politicamente nas eleições municipais de 2019. Naquele ano, a oposição derrotou aliados de Erdogan nas duas maiores cidades, Istambul e Ancara. "Foi a primeira vez que o governo se deu conta de que havia ressentimentos contra refugiados", conta a professora.

Desde então, Erdogan e seu partido tentam ajustes. Segundo o jornal Daily Sabah, alinhado ao governo, a Turquia deportou, em 2022, mais de 120 mil imigrantes em situação irregular —aumento de 160% em relação a 2021— e facilitou a ida de quase 60 mil sírios para áreas da Síria ocupadas pelas Forças Armadas turcas.

Ultimamente, e durante a campanha, a opção do presidente vinha sendo ignorar o tema. "Eles tentam empurrar o assunto para a invisibilidade. Porque a economia da Turquia precisa da força de trabalho dos imigrantes. O governo quer que eles fiquem, mas invisíveis aos olhos da população", analisa Danis.

Já Kilicdaroglu, que se posicionou no primeiro turno como uma figura de conciliação entre um eleitorado dividido e de realinhamento democrático do país, após anos de movimentos autoritários promovidos por Erdogan, deu destaque para uma posição contrária aos estrangeiros, velada nas disputas anteriores.

"É uma contradição, na tentativa de atrair os votos nacionalistas de Ogan. Mas acredito que os eleitores não estejam convencidos de que seja um discurso autêntico", pondera a especialista, acrescentando que, na prática, as posições sobre o tema podem ter pouco resultado nas urnas. "O eleitorado está tão polarizado que mal liga para esse tema da imigração. Claro que há uma visão negativa dos refugiados hoje na Turquia, mas os eleitores não decidem seus votos por causa disso."

Mesmo a influência do apoio de Ogan a Erdogan é avaliada por Danis como incerta. O partido do candidato não teria força suficiente para controlar o eleitorado, bastante descontente com Erdogan e o governo. "Acho que haverá uma divisão, alguns vão para Erdogan, outros para a oposição e uma parte vai se abster do voto."

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