América Latina é onde desejo de emigrar mais cresceu em 10 anos

Três em cada dez moradores da região querem deixar seus países; no mundo todo, 1,2 bilhão pensa da mesma forma

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Toulouse (França)

Em 2022, cerca de 1,2 bilhão de pessoas gostariam de deixar de maneira definitiva o país onde moram se pudessem, de acordo com amplo estudo do Instituto Gallup. O número corresponde a 15% da população mundial —hoje mais de 8 bilhões de pessoas.

O percentual aumentou 3 pontos em comparação a pesquisa anterior, feita em 2011. A vontade de emigrar é maior entre os que moram na África Subsaariana (36%), na América Latina e no Caribe (31%) e no Oriente Médio e no Norte da África (29%) —as três regiões onde esse desejo mais aumentou nos últimos 12 anos, com destaque para América Latina e Caribe, onde a diferença é de 13 pontos percentuais.

Imigrantes da Venezuela cobrem seus rostos durante tempestade de areia em campo de migrantes em El Paso, no estado americano do Texas
Imigrantes da Venezuela cobrem seus rostos durante tempestade de areia em campo de migrantes em El Paso, no estado americano do Texas - John Moore - 10.mai.23/Getty Images via AFP

No outro extremo, a Ásia concentra as regiões onde as pessoas menos têm vontade de emigrar. No Leste Asiático, apenas 4% da população deseja migrar, percentual mais baixo do planeta. Em 2011, eram 7%.

O Gallup ouviu cerca de 127 mil pessoas, de 15 anos ou mais, em 122 países. A margem de erro do estudo é de 1 ponto percentual.

Segundo a pesquisa, outras duas regiões do planeta tiveram redução no desejo de migrar ao longo desses anos. Na União Europeia, o desejo diminuiu 4 pontos percentuais e, em 2022, chegou a 16%, enquanto na chamada Comunidade dos Estados Independentes, formada pelos países da ex-União Soviética, a redução na comparação com 2011 foi de 3 pontos, chegando a 12% em 2022.

Se comparada a 2021, porém, a redução foi de 9 pontos percentuais. Pouco antes de tropas russas invadirem o território ucraniano e darem início ao conflito que é a maior crise de segurança da Europa desde a Segunda Guerra, 21% da população da Comunidade dos Estados Independentes desejava emigrar.

A Guerra da Ucrânia forçou milhões de pessoas a mudarem de país, gerando mais de 8 milhões de refugiados na Europa, e a se deslocarem internamente, situação em que hoje estão mais de 5 milhões de pessoas dentro na Ucrânia, segundo a ONU.

A reversão radical do desejo de mudar nesta região pode ter sido esvaziada por esses números, mas também por outros fatores.

"Minha hipótese é que a guerra gerou um sentimento nacionalista na população russa e belarussa, aumentando o compromisso com a permanência na região", avalia Gilberto Rodrigues, professor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC. "Muitas famílias tiveram seus filhos convocados para a guerra e, por essa razão, podem ter querido permanecer."

Para o pesquisador, é essencial, porém, que se faça a distinção entre as variáveis que atuam na migração voluntária e na migração forçada. No primeiro caso, atuam principalmente fatores como desemprego e desencanto, diz, enquanto sobre a migração forçada atuam conflitos políticos, a ascensão de regimes autocráticos e a violência do Estado.

A observação desses indicadores ajudaria a explicar, por exemplo, por que a América Latina e o Caribe são as regiões que viram o maior crescimento no desejo de migrar em definitivo nos últimos 12 anos.

"Os indicadores de desemprego mostram uma curva ascendente na região durante este período, agravada durante a pandemia. E pesquisas apontam que é crescente o desencanto da população com o regime democrático e suas instituições", explica Rodrigues.

O grande destaque da região é a Venezuela, que se tornou origem de quase 7 milhões de migrantes nos últimos anos, entre forçados e voluntários, devido às crises política e econômica convertidas em crise humanitária, sem perspectiva de resolução.

A maior presença de jovens nas populações dos países da América Latina e Caribe, aponta Rodrigues, é outro dado importante, uma vez que este é o grupo com maior propensão à migração. "Enquanto esse fator pode explicar a redução do desejo de migrar em definitivo da União Europeia, onde há menos jovens e eles, em geral, têm acesso a educação, renda e serviços públicos, na América Latina, em efeito contrário, há muitos jovens sem educação e sem perspectiva."

No Brasil, 36% dos jovens de 18 a 24 anos não trabalham nem estudam, segundo dados da OCDE. Esse dado coloca o país na vice-liderança da falta de perspectiva da sua juventude, atrás da África do Sul.

A combinação desemprego-desencanto também marca as outras duas regiões em que o desejo de migrar mais cresceu no período. A África Subsaariana e a área que engloba Oriente Médio e Norte da África são onde as taxas de desemprego batem recordes no planeta e, no caso da região do Magreb, onde as promessas da Primavera Árabe acabaram em boa parte convertidas em instabilidade política e autoritarismo.

O Gallup fez também um levantamento de quais são os destinos mais desejados entre aqueles que querem emigrar, e os Estados Unidos são os mais citados, com 17% das menções das pessoas que desejam mudar de país. Em seguida, estão Canadá (9%), Alemanha (5%) e França (4%), empatada no quarto lugar com Espanha e Austrália.

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