Descrição de chapéu Financial Times China

Região com maior população de idosos da China expõe desafios da crise demográfica

Com poucos jovens, Rudong corre risco de virar 'cidade-fantasma'; incentivos de Pequim buscam atrair novas gerações

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Joe Leahy Sun Yu Andy Lin
Rudong e Hong Kong | Financial Times

"Dormir bem, comer bem, é só isso que importa para quem é velho", diz Xiao, 75, moradora de Rudong, localizada na província de Jiangsu, na China. Alegre, a senhora divide um quarto com um casal na faixa dos 80 anos numa antiga escola primária hoje convertida em casa de idosos –o que ilustra perfeitamente a crise demográfica chinesa.

Um cartaz na parede do edifício Rudong Binshan avisa aos visitantes que bolinhos de arroz representam um risco de asfixia para seus parentes mais velhos. Para Xiao, a melhor coisa neste lugar é que "a gente não precisa cozinhar".

Homem idoso circula por área residencial de Rudong, região que tem população mais idosa da China - Jade Gao - 27.abr.23/AFP

No final da década de 1960 a população de Rudong era tão grande que o condado foi o primeiro onde foi implantada a política do filho único. Hoje, quase 60 anos depois, trata-se da região mais velha do país: quase 39% de sua população tem 60 anos ou mais —mais do que o dobro da média nacional de 18,7%.

Diante disso, escolas foram fechadas, e as fazendas têm dificuldade em encontrar mão de obra, enquanto a população idosa sobrevive com aposentadorias —com valores considerados pífios em muitos casos.

A situação difícil de Rudong oferece um vislumbre do desafio demográfico que vem por aí na China que, em larga escala e velocidade, promete ultrapassar de longe as crises semelhantes em outros países como Japão e Itália.

No mês passado, a Índia passou à frente da China como país mais populoso do mundo, segundo um estudo da ONU. Isso se deu depois de a população chinesa ter encolhido no ano passado, pela primeira vez desde a década de 1960.

Para Pequim, a crise demográfica vai exigir reformas dolorosas a um modelo de crescimento que fez da China a segunda maior economia do mundo, incluindo o desvio de gastos com infraestrutura e com o setor imobiliário para aposentadorias, saúde e um esforço para encontrar trabalhadores mais jovens para as fábricas. O país também terá que amenizar a desigualdade aguda no sistema de aposentadorias, que faz com que muitos residentes urbanos recebam abonos muito maiores que a maioria dos trabalhadores migrantes e moradores da zona rural.

"O desenvolvimento da população é uma questão vital", disse o dirigente Xi Jinping neste mês a funcionários do alto escalão. Ele ainda destacou o novo slogan do partido, "desenvolvimento de alta qualidade da população", que enfatiza a necessidade de creches e ensino melhores e a redução do ônus da criação de famílias.

"O que se vê em Rudong é apenas o começo", afirma Huang Wenzheng, membro sênior do think tank Center for China and Globalization, em Pequim. "Rudong pode acabar se tornando uma cidade-fantasma."

Quando foi instaurada a política do filho único, as pessoas esperavam que a medida ajudasse a reduzir a pobreza nas casas dos vilarejos povoados de Rudong, reduzindo o número de bocas a serem alimentadas.

"Ninguém tinha o que comer nos anos 1960", comentou Wu Aiping, empreendedora que dirige outro lar para idosos em Rudong, o Lar Huayuantouju para a Terceira Idade.

Com o tempo, a política do filho único criou raízes, e as famílias encolheram, de forma progressiva. Nos anos 1980, enquanto a economia chinesa crescia, os jovens começaram a deixar Rudong em busca de trabalho mais rentável em Xangai e outras cidades do leste.

Em 2016, com os índices de fecundidade em queda, a China finalmente abandonou a política do filho único. Mas já era tarde demais para Rudong. Na década que se encerrou em 2020, a população do condado diminuiu quase 12%, caindo para 880 mil pessoas. Em 2022, sua renda de 43.645 yuans per capita (R$ 30.476), embora seja alta em comparação com o restante do país, perdeu em mais de 12% para o restante da próspera província de Jiangsu.

Escola abandonada em Rudong expõe esvaziamento da população na região; autoridades temem que cidade se torne 'fantasma' - Jade Gao - 27.abr.23/AFP

Os idosos são ainda mais pobres. Muitas pessoas de terceira idade em Rudong dizem que sua aposentadoria mensal é de 300 yuans (R$ 211) ou menos. Embora digam que o montante é insuficiente, ainda supera o valor que, segundo o FMI, representou a média paga na zona rural chinesa: 170 yuans (R$ 120). Essa quantia está abaixo da linha de pobreza absoluta na zona rural definida pelo regime: 192 yuans por mês (R$ 135).

Devido à alta do custo de vida no país, a maioria dos idosos da zona rural reluta em pedir dinheiro a seus descendentes. Em decorrência da política do filho único, alguns casais jovens precisam cuidar de avós e pais, além de seus próprios filhos.

Diante disso, muitos idosos fazem qualquer coisa possível para garantir sua subsistência. Com uma aposentadoria minúscula do Estado, uma mulher de 77 anos vende incenso nos arredores do Templo Guoqing, construído há 1.200 anos. Ela diz que trabalha porque não quer ser um fardo para seu filho.

Um condutor de triciclo de 64 anos disse que está velho demais para exercer seu ofício anterior, carpinteiro. "Ninguém mais me quer", explica.

Ainda se veem lavradores idosos trabalhando nos campos. "Trabalhar é bom para estes velhos", diz o supervisor de um grupo de trabalhadores na casa dos 70 anos que estavam carpindo um campo semeado com cebolas, recebendo 8 yuans (R$ 5,50) por hora. "Se eles ficam em casa, adoecem rapidamente."

Muitos empregadores, além das autoridades municipais, esperam atrair trabalhadores mais jovens para o que o regime chama de "década dinâmica" de Rudong. No entanto, jovens estão em falta. Diante disso, são oferecidos incentivos para aquecer a economia, desde salários mais altos até habitação subsidiada.

Um cartaz no centro de empregos traz anúncios de vagas de trabalho em uma das fábricas de Rudong, operada pelo grupo irlandês Kerry, de alimentos, bebidas e produtos farmacêuticos. O anúncio diz que trabalhadores jovens do sexo masculino podem candidatar-se a vagas como operador de máquinas com salário mensal de 6.500 yuans ou mais. Enquanto isso, aos trabalhadores não qualificados na faixa dos 40 a 55 anos, a remuneração oferecida é de 5.800 yuans.

Em um conjunto habitacional novo na cidade, corretores disseram que a administração local oferece descontos para compradores que tenham doutorado, mestrado ou que sejam famílias com dois filhos. Esses incentivos locais são reproduzidos ao nível nacional.

Uma agência governamental lançou projetos em 20 cidades para construir "uma nova era de cultura conjugal" que visa a incentivar os casais a ter filhos. Num esforço para reduzir o custo do casamento, Pequim anunciou iniciativas para reprimir a exigência de pagamento de dote e casamentos extravagantes.

Algumas cidades estão oferecendo valores em dinheiro a casais que tenham um terceiro filho; outras estão ampliando as licenças maternidade e paternidade. Muitas estão subsidiando tratamentos de assistência à fertilidade, como a fertilização in vitro.

Mas analistas questionam se essas iniciativas fragmentadas serão o bastante para proteger a economia chinesa do declínio demográfico, que segundo algumas previsões pode reduzir o crescimento do PIB em um ponto percentual por ano até 2035.

Se as coisas continuarem como estão, afirma Bert Hofman, diretor do Instituto Asiático Oriental da Universidade Nacional de Singapura, até o final do século a China terá apenas um trabalhador ativo para cada aposentado, sendo que hoje tem quatro.

Segundo Hofman, para combater essa tendência, Pequim precisa gradualmente incentivar as pessoas a trabalhar além da idade mínima atual da aposentadoria —50 anos para mulheres e 60 para homens— e incentivar a migração adicional da população rural, ainda grande, para empregos urbanos mais produtivos.

Os responsáveis por políticas públicas também precisam ampliar as aposentadorias privadas e melhorar o setor de saúde. "É necessário um pacote abrangente de reformas que inclua tudo isso", opina Hofman.

Autoridades buscam incentivos para atrair população mais jovem para Rudong, cidade com maior população idosa da China - Jade Gao - 27.abr.23/AFP

Enquanto essas reformas não foram empreendidas, condados semirrurais como Rudong vão continuar a ter dificuldade em cuidar de seus idosos.

A empreendedora Wu disse que seu Lar Huayuantouju para a Terceira Idade continua a operar porque atrai moradores de cidades próximas, como Xangai e Nanjing, que recebem aposentadorias mais altas.

Levando visitantes para conhecer o lar, cujos quartos modestos são decorados com retratos de Xi Jinping e da primeira-dama, Peng Liyuan, Wu disse que quer construir uma extensão num terreno vizinho. "Demanda é o que não falta", comenta. Mas mesmo seu negócio enfrenta dificuldades para operar devido à falta de assistentes, uma decorrência do declínio demográfico. "Hoje em dia, ajudar idosos a tomar banho é um trabalho baixo demais para jovens."

Tradução de Clara Allain

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