Descobertas arqueológicas reabrem debate sobre cidade viking na Polônia

Buscas no município de Wolin indicam restos de uma fortaleza do século 10 relacionada com Jomsburgo

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Andrew Higgins
Wolin (Polônia) | The New York Times

Quando o governo da Polônia decidiu construir uma torre de observação no alto de um morro arenoso no município de Wolin, o arqueólogo Wojciech Filipowiak foi chamado para verificar a região. O objetivo era procurar artefatos enterrados na ilha localizada no mar Báltico, próxima à divisa com a Alemanha.

Mas quem sabia que descobertas sobre Jomsburgo, uma lendária aldeia viking, poderiam surgir no local?

Um assentamento viking eslavo recriado, com demonstrações de artesanato medieval, encenações e visitas em Wolin, na Polônia - Serguei Ponomarev - 28.mar.23/The New York Times

Parque público, o local chamado de Morro dos Enforcados já havia sido um espaço de execução, um cemitério e um lugar para sacrifícios humanos. O que Filipowiak encontrou quando começou a escavar, no entanto, causou entusiasmo: madeira carbonizada indicava os restos de uma fortaleza do século 10 que poderia ajudar a resolver um dos grandes enigmas da era viking: a temível fortaleza dos textos antigos era uma fantasia literária ou uma realidade histórica?

Há muito se sabe que guerreiros nórdicos estabeleceram postos avançados há mais de um milênio na costa báltica da Polônia. Na região, eles escravizavam povos eslavos indígenas, bem como comercializavam sal, âmbar e outros produtos.

Mas a localização de Jomsburgo, o maior assentamento dos vikings na região, não era conhecida. Tratava-se de uma fortaleza lendária citada em textos do início do século 12, também conhecida como Jomsvikings. Alguns estudiosos modernos afirmam acreditar que Jomsburgo nunca foi um lugar real, mas uma lenda transmitida e amplificada ao longo do tempo. As descobertas no Morro dos Enforcados na ilha Wolin podem modificar essa opinião.

"Isso poderia resolver um mistério que remonta a mais de 500 anos: onde está Jomsburgo?", disse Filipowiak, estudioso em Wolin da seção de arqueologia e etnologia da Academia de Ciências da Polônia.

O interesse pela cultura nórdica aumentou nos últimos anos à medida que séries de televisão como "Game of Thrones", filmes, histórias em quadrinhos e videogames adotaram temas, vestimentas e símbolos. A era viking, ou uma aproximação grosseira dela, tornou-se elemento da cultura popular.

Essa foi uma boa notícia para o turismo em Wolin. "Os vikings são ‘sexy’ e atraem muito interesse", diz Ewa Grzybowska, prefeita local.

O arqueólogo Wojciech Filipowiak em floresta de Wolin, na Polônia - Serguei Ponomarev - 28.mar.23/The New York Times

Mas ela lamentou que muito menos visitantes vão à sua região do que a um balneário próximo. Segundo ela, seria necessário mais verbas para escavar e desenvolver Wolin como um destino turístico para pesquisadores e entusiastas amadores dos vikings.

"Onde quer que você vá aqui, há um pedaço da história", acrescenta a prefeita, enquanto apontava de sua janela para uma praça onde, acredita-se, há um tesouro de artefatos medievais soterrados.

Essa história, entretanto, tem sido uma fonte frequente de discórdia. Como Wolin fez parte da Alemanha até 1945, a ilha foi vasculhada atrás de evidências da presença de vikings –e de provas do que os nazistas acreditavam ser a superioridade da raça nórdica e seu domínio no início do período medieval sobre os povos eslavos. Eles encontraram alguns artefatos, mas nenhuma evidência da fortaleza.

Quando a Polônia assumiu o controle de Wolin após a Segunda Guerra, arqueólogos caçaram artefatos que aumentariam o domínio de seu país sobre as antigas terras alemãs e ajudariam a reforçar o senso de identidade nacional. Virou tradição: escolas de Wolin organizaram encenações das invasões vikings na costa báltica. "Mais crianças queriam ser eslavas defendendo a ilha", diz Karolina Kokora, diretora do museu histórico de Wolin.

Isso mudou depois que a Polônia abandonou o comunismo e começou a se voltar para o Ocidente, afastando-se da Rússia e da ênfase no orgulho eslavo. "Depois de 1989, todas quiseram ser vikings."

Karolina Kokora, diretora do museu de história de Wolin, examina ossos de animais que foram descobertos durante a escavação na cidade - Serguei Ponomarev - 28.mar.23/The New York Times

O fascínio pelos vikings também levou a um aumento da pesquisa histórica. Marek Kryda, historiador polonês-americano, por exemplo, é autor de um livro polêmico de 2019 que denunciou a arqueologia polonesa como um pântano de chauvinismo étnico quase cego para o papel que os vikings desempenharam na formação do país.

O historiador desencadeou uma onda de controvérsias na Polônia depois que ele anunciou no Daily Mail que havia localizado o provável túmulo de Harald Dente-Azul, o histórico rei viking dinamarquês que governou a região em tempos antigos. A visão de consenso entre os historiadores é que Harald morreu na região no final do século 10, mas foi enterrado na Dinamarca.

Uma pedra rúnica dedicada ao rei Harald em um parque em Wolin - Serguei Ponomarev - 28.mar.23/The New York Times

Segundo Marek Kryda, o provável túmulo de Harald fica em Wiejkowo, um vilarejo no interior de Wolin. Por outro lado, Filipowiak descartou essa informação e a chamou de "pseudociência". O furor sobre o local onde ele está enterrado transformou o rei viking num ruidoso polarizador. Celebrado como um unificador de feudos nórdicos rivais, Harald Dente-Azul serviu de inspiração para o nome da tecnologia sem fio Bluetooth.

O arqueólogo Wojciech Filipowiak diz que sua descoberta do que ele acha que poderiam ser as muralhas de Jomsburgo ainda precisa de análises. Mas acredita que já há "80% de certeza" de que é o local afirmado. O debate sobre a localização de Jomsburgo –ou se realmente existiu– tem sido "uma discussão muito longa", diz. "Espero que eu possa ajudar a acabar com isso."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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