Descrição de chapéu The New York Times

Igrejas evangélicas dos EUA avançam com projeto para proibir mulheres pastoras

Convenção Batista do Sul já expulsou 5 congregações com lideranças femininas, e nova regra pode aprofundar restrição

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Ruth Graham Elizabeth Dias
Dallas e Nova Orleans | The New York Times

Após votar de forma esmagadora para expulsar duas igrejas com mulheres pastoras, a Convenção Batista do Sul, denominação cristã evangélica do sul dos Estados Unidos (SBC, na sigla em inglês), decidiu na quarta-feira (14) expandir ainda mais as restrições às mulheres nos espaços internos de liderança.

Os delegados da convenção anual, em Nova Orleans, aprovaram uma emenda à sua constituição, segundo a qual as igrejas devem ter "apenas homens como pastor ou presbítero, conforme as Escrituras".

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Membros da Convenção Batista do Sul votam resolução em reunião anual - Christiana Botic - 13.jun.23/The New York Times

Até agora, a luta era limitada à liderança pastoral e incluída em declarações teológicas, não nos documentos oficiais do grupo. A emenda deve ser aprovada novamente no ano que vem para entrar em vigor. "Agora não é hora de meias medidas", disse Mike Law, o jovem pastor que propôs a emenda. Ele enquadrou o voto contra a proposta como medo da Bíblia.

A votação foi realizada por contraste visual, sem contagem oficial, e os resultados pareceram um tanto limitados. Os oficiais, porém, rejeitaram a contagem manual e depois pararam para o almoço.

A emenda ameaça desencadear uma crise antes da votação final do ano que vem. Bart Barber, que foi reeleito presidente da SBC na terça (13), reconheceu que a facção que pressiona pela mudança estava pronta para registrar queixas contra quem violasse o padrão —cerca de 1.900 igrejas têm pastoras.

As mudanças, porém, devem ser aplicadas "igreja por igreja", segundo Barber. "Os batistas do sul têm um histórico de serem criteriosamente cuidadosos quando analisam circunstâncias específicas."

A decisão acontece após a expulsão de cinco igrejas com mulheres pastoras neste ano. Na terça, a convenção votou contra a readmissão de duas delas, que recorreram da decisão, rejeitando apelos apaixonados dos líderes da Igreja Saddleback, do sul da Califórnia, uma das maiores da denominação, e da Igreja Batista Fern Creek, em Louisville, no Kentucky.

Os argumentos dos líderes foram retumbantemente rejeitados pelos mais de 10 mil delegados. Os resultados, anunciados na quarta, não foram apertados. Mais de 90% votaram a favor da expulsão de Fern Creek, e quase a mesma proporção votou para confirmar a remoção da Saddleback, que foi fundada pelo proeminente pregador e escritor Rick Warren. Os delegados também confirmaram a expulsão de uma igreja da Flórida que, segundo a denominação, não teria cooperado numa investigação de abuso sexual.

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Da esquerda para a direita, Jayla Grigsby, Deborah Lawrence, Linda Barnes Popham e Renee Bryant reagem ao anúncio de expulsão de sua igreja - Christiana Botic - 14.jun.23/The New York Times

Uma chuva forte danificou o telhado metálico do salão na terça, fazendo um pouco de água pingar sobre os delegados enquanto os líderes das duas igrejas expulsas usavam seus aprimorados poderes de oratória no púlpito. Cada um teve três minutos para argumentar por que deveriam continuar na denominação à qual pertenceram durante décadas.

Linda Barnes Popham, pastora de Fern Creek, e o pequeno grupo de apoiadores que viajou com ela –incluindo seu marido, um estagiário da igreja e um membro da congregação de 89 anos usando um andador– oraram antes que ela começasse a falar. No microfone, ela contou como dedicou sua vida a Jesus quando tinha 8 anos. Falou sobre ter sido ensinada a "seguir até os confins da terra" tudo o que Jesus a chamou para fazer e como sua igreja compartilha o evangelho.

Quando chegou a vez de Warren, ele observou que Billy Graham certa vez disse que sua filha, Anne, era "a melhor pregadora" da família. "Ninguém está pedindo a nenhum batista do sul que mude sua teologia", disse. "Não estou pedindo que você concorde com a nossa igreja. Estou pedindo que você aja como os batistas do sul, que historicamente 'concordaram em discordar' sobre dezenas de doutrinas para compartilhar uma missão comum." Ele observou que a declaração teológica da denominação tem 4.032 palavras. "Saddleback discorda de uma palavra", disse ele. "Isso é 99,9999% de acordo! Não é suficiente?"

A multidão gritou de volta: "Não!"

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Os batistas do sul finalizaram a expulsão de duas igrejas com pastoras na última quarta (14) - Christiana Botic - 13.jun.23/The New York Times

Ele encontrou Barnes Popham saindo do corredor e a abraçou.

A votação foi outra rejeição a Warren, uma das figuras evangélicas mais destacadas dos EUA, que transformou Saddleback na maior igreja da denominação. Warren orou na primeira posse de Barack Obama e escreveu livros best-sellers, incluindo "The Purpose Driven Life" (a vida guiada por propósitos).

Depois de anunciar sua aposentadoria, em 2021, ele nomeou um casal como seu sucessor. A igreja ordenou três mulheres ministras no mesmo ano, e, em maio, anunciou que uma delas, Katie Edwards, seria a pastora do campus principal da igreja em Lake Forest, na Califórnia.

Alguns conservadores viram isso como uma provocação, em claro desafio à declaração de crenças da Convenção Batista do Sul, que diz: "Embora homens e mulheres sejam dotados para o serviço na igreja, o cargo de pastor se limita aos homens, como qualificado nas Escrituras".

A maioria dos batistas do sul acredita nesse princípio, mas eles se contentaram durante muitos anos em permitir que as igrejas tomassem suas próprias decisões. Nos últimos anos, porém, uma facção mais conservadora que cresceu na denominação pressionou para impor um padrão. Eles veem a aceitação de pastoras como o primeiro deslize em direção ao progressismo em questões como teologia e sexualidade.

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Linda Barnes Popham, à esquerda, conforta uma jovem de sua igreja - Christiana Botic - 12.jun.23/The New York Times

Os conservadores viram uma oportunidade de pressionar pela pureza ideológica numa denominação que há muito tem sido o indicador de tendências do evangelicalismo americano.

A ideia de que o ofício de pastor deve ser reservado a homens foi consagrada em várias declarações dos batistas do sul desde a década de 1980 e não é um tema polêmico na maioria de suas igrejas. Mas eles também reverenciam historicamente o princípio da autonomia e veem sua denominação como uma associação unida pela cooperação, não por hierarquias e credos.

As igrejas expulsas continuarão a funcionar, mas perderão sua associação com a denominação e a possibilidade de participar de seus programas, incluindo seus robustos projetos missionários e de socorro a desastres. Assim como muitas igrejas da denominação, Saddleback não inclui a palavra "batista" em seu nome e, na maior parte de sua história, não enfatizou a conexão.

Quando as apelações terminaram, na terça, uma mulher do Texas atravessou a multidão para encontrar Barnes Popham, levando a filha de 14 anos, que chorava. A menina pensava em ser pastora um dia, disse a mãe, e queria conhecer Barnes Popham, que, segundo ela, lhe deu esperança para o futuro.

"Não é pecado ser mulher", disse a menina, Lottie Baird. "Por que não podemos ser pastoras para liderar o rebanho do povo de Deus?"

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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