Papa Francisco é hospitalizado e passa por cirurgia na região abdominal

Segundo comunicado, procedimento ocorreu 'sem complicações'; pontífice ficará internado por vários dias

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São Paulo

O papa Francisco, 86, foi submetido nesta quarta-feira (7) a uma cirurgia com anestesia geral no hospital Gemelli, em Roma, em razão de risco de obstrução intestinal. O procedimento durou três horas e ocorreu "sem complicações", segundo o Vaticano, mas levantou novas preocupações sobre a saúde do pontífice.

O Vaticano anunciou em um primeiro momento que o papa deveria ficar internado por "vários dias" para se recuperar do pós-operatório. Depois da cirurgia, o centro médico divulgou que o período de recuperação levará de 5 a 7 dias. Os procedimentos incluíram uma laparotomia, que consiste na abertura cirúrgica da cavidade abdominal, e uma operação plástica para reconstruir com prótese a parede abdominal.

O papa Francisco acena a fiéis após audiência semanal na praça São Pedro, no Vaticano - Andreas Solaro - 7.jun.23/AFP

Sergio Alfieri, responsável pelo procedimento, disse que o papa respondeu bem tanto à cirurgia quanto à anestesia geral e já estava fazendo piadas com a equipe médica. O hospital negou que a operação tenha sido uma emergência, apesar de ter sido divulgada de última hora.

A agenda do papa foi cancelada até 18 de junho, e o Vaticano enfatizou que os eventos nos dias seguintes estão mantidos. Ainda que não confirmada oficialmente, uma das visitas previstas ainda para este mês seria a do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Nos próximos meses, Francisco também pretende viajar a Portugal, de 2 a 6 de agosto, para participar da Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa. Em 31 de agosto, o argentino tem viagem marcada à Mongólia.

Trata-se da segunda cirurgia que o papa realiza na região abdominal em dois anos. Francisco sofre de diverticulite, doença que pode infectar ou inflamar o cólon, e foi operado em julho de 2021 para remover parte do intestino. Na ocasião, 33 centímetros do órgão foram retirados. Meses atrás, o pontífice disse que a condição havia retornado e estava gerando ganho de peso, mas que não era fonte de preocupação.

A nova cirurgia gera preocupações sobre as condições de saúde do papa, que tem tido problemas frequentes. O anúncio do Vaticano acontece um dia após o pontífice ir a um hospital, também em Roma —ele ficou no local por 40 minutos para uma bateria de exames, cujos detalhes não foram revelados.

De acordo com o comunicado da Igreja Católica, a cirurgia já estava nos planos da equipe médica e se mostrou necessária devido ao agravamento dos sintomas apresentados pelo argentino. Francisco ficará internado "para permitir o normal decurso pós-operatório e a plena retomada funcional".

"A operação, preparada nos últimos dias pela equipe médica que atende o Santo Padre, tornou-se necessária devido a uma hérnia incisional que provoca síndromes de obstrução recorrentes, dolorosas e em vias de agravamento", afirma trecho do comunicado.

O papa chegou ao centro médico por volta das 11h30 (6h30 em Brasília). Ele deverá ficar internado no 10º andar do hospital Gemelli, no mesmo quarto usado por João Paulo 2º, operado várias vezes na unidade.

Mais cedo, pela manhã, o argentino participou da audiência semanal na praça São Pedro, no Vaticano. Ele aparentou bom humor e não fez nenhuma menção ao procedimento cirúrgico.

A cirurgia foi feita para reparar uma laparocele, um tipo de hérnia que se forma pela falha da cicatrização de uma operação anterior. No caso de Francisco, o procedimento para tratar de diverticulite, feito em 2021, é apontado como o provável fator que levou ao quadro atual.

Sérgio Henrique Bastos Damous, cirurgião e diretor da emergência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, afirma que a cirurgia à qual o papa foi submetido é complexa, mas as complicações, incomuns.

"De qualquer forma, a cirurgia é delicada e de grande porte, com manipulação de vísceras e reconstrução de parede abdominal", diz o médico, acrescentando que operações do tipo costumam levar de 2 a 4 horas.

Ele explica que o surgimento da chamada hérnia incisional acontece quando há rompimento de tecidos. Já o procedimento cirúrgico é feito para "empurrar" a hérnia para dentro do abdômen. Em alguns casos, é preciso colocar uma prótese para fechar e reforçar o local.

O procedimento é semelhante ao que foi feito no ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em 2019, para também corrigir uma hérnia incisional que, no caso do brasileiro, surgiu no local das operações a que foi submetido após levar uma facada.

Segundo Damous, um paciente submetido a laparotomia consegue retomar toda a rotina, em média, duas semanas após o procedimento. Mas pessoas com idade avançada, como é o caso do papa, por óbvio precisam de cuidados redobrados e mais tempo de recuperação, que pode chegar a um mês.

Idosos e pessoas com sobrepeso ou obesidade têm cicatrização mais lenta e, assim, chance maior de desenvolver o quadro. Sedentarismo, uso prolongado de corticoides e de tabaco, além de predisposição genética, que pode causar fraqueza dos músculos, também podem favorecer o aparecimento da hérnia.

Cólicas, febre, inchaço no abdômen, náuseas, vômitos, perda do apetite e prisão de ventre ou diarreia são sintomas de quem tem a doença. Os pacientes podem ainda ter dificuldades de locomoção e para respirar.

Os principais riscos do pós-operatório são respiratórios, diz Ricardo Abdalla, cirurgião de aparelho digestivo do Hospital Sírio-Libanês. "O diafragma fica no limite para trabalhar, e os pulmões sentem isso. O maior risco é aumentar a pressão pulmonar, que exige respirar com mais esforço", afirma. "Isso causa diminuição das defesas e, às vezes, o pulmão não expande o suficiente, o que pode causar infecção."

Nos dias seguintes à cirurgia, os pacientes precisam fazer jejum e é comum que usem uma sonda no nariz para ajudar na respiração. Segundo Abdalla, as hérnias costumam voltar em 10% dos casos.

Francisco, que celebrou dez anos de seu pontificado em março, tem sofrido com uma série de doenças nos últimos anos e costuma usar uma cadeira de rodas ou uma bengala em suas aparições públicas devido a dores persistentes no joelho.

Em março, o papa recebeu o diagnóstico de bronquite e ficou cinco dias internado —o pontífice está mais suscetível a doenças respiratórias por ter retirado parte de um dos pulmões quando tinha por volta de 20 anos. Já no mês passado, ele precisou cancelar audiências após apresentar febre.

Em entrevista à rede Telemundo, exibida há duas semanas, o líder católico disse que a doença respiratória foi "tratada a tempo" e que, se ele tivesse esperado, o cenário poderia ter sido mais grave. Ao falar sobre as dores no joelho, Francisco disse que estava "muito melhor". "Já consigo caminhar, o joelho está melhorando. Alguns dias são mais dolorosos, mas isso faz parte do desenvolvimento."

As hospitalizações trazem à tona outra vez especulações sobre uma possível renúncia do argentino por razões de saúde após o precedente histórico estabelecido por seu antecessor, Bento 16 —papa emérito por quase uma década e morto no final do ano passado aos 95 anos.

Em dezembro, Francisco revelou ter assinado ainda no início de seu papado uma carta de renúncia na eventualidade de que seus problemas de saúde o impedissem de desempenhar suas funções. Ele reiterou em várias ocasiões que não descarta deixar o cargo caso os problemas se agravem —embora tenha declarado em viagem à República Democrática do Congo que renúncias do tipo não devem "virar moda".

Mesmo internado, o papa manterá suas funções e deve despachar do hospital em Roma. Na Igreja Católica, o chamado cardeal camerlengo pode gerenciar o Vaticano como uma espécie de papa interino, mas só em casos excepcionais, como perda de sanidade mental, renúncia ou morte do atual pontífice, diz o professor de Ciência da Religião da PUC-SP Fernando Altemeyer. O posto de camerlengo atualmente é ocupado pelo arcebispo irlandês, Kevin Joseph Farrell.

Com AFP e Reuters

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