George Santos usou contatos políticos para esquema de enriquecimento próprio

Deputado dos EUA e filho de brasileiros diz por meio de advogados que desconhecia o que se passava em sua empresa

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Grace Ashford
The New York Times

Cerca de um ano antes de George Santos ser eleito para o Congresso americano, ele e outros três homens abordaram um doador leal do Partido Republicano para falar de uma oportunidade potencialmente lucrativa. Disseram que um cidadão polonês rico queria comprar criptomoedas, mas sua fortuna estava congelada em uma conta bancária por um motivo desconhecido.

Os integrantes do grupo pediram ajuda ao doador, um investidor rico. Ele reagiu com ceticismo, já que não lhe disseram o nome do polonês. O plano era fazê-lo criar uma companhia de responsabilidade limitada para ganhar acesso aos fundos. Não fazia sentido, a seu ver.

.
O deputado George Santos antes de uma reunião no Capitólio, em Washington - Kenny Holston - 24.abr.23/The New York Times

Embora eles ainda não tivessem lhe pedido dinheiro, o investidor observou que a proposta se assemelhava ao golpe clássico do email de um suposto príncipe nigeriano, em que um estrangeiro rico pede a alguém de fora para ajudá-lo a acessar seus bens congelados.

Santos se tornou hábil em encontrar maneiras de extrair dinheiro da política desde que se candidatou a deputado em 2020. Ele fundou um grupo de consultoria que promoveu junto a outros republicanos. Tentou tirar proveito da crise da Covid. E pediu investimentos para doadores, levantando questões éticas.

Ele foi acusado de 13 crimes por falsificar o valor de seus ganhos, receber US$ 24 mil (R$ 113 mil) de benefícios por desemprego enquanto estava empregado e por embolsar US$ 50 mil (R$ 236 mil) de apoiadores por meio do que afirmou ser um comitê de ação política.

Ele se declarou inocente das acusações e não foi acusado de uso de recursos de campanha para fins próprios. Mas uma revisão de sua carreira política identificou vários exemplos antes não informados de como ele procurou utilizar os contatos para enriquecimento próprio.

A proposta envolvendo um cidadão polonês rico é um exemplo. Santos atuou em parceria com o ex-deputado estadual republicano Michael LiPetri e com a Bryant Park Associates, empresa comandada por um doador republicano, Dominick Sartorio, segundo o investidor, que exigiu anonimato para falar porque disse que seus interesses seriam prejudicados se seu nome fosse ligado ao de George Santos.

A interação foi tão estranha que o doador disse ter desconfiado que o próprio Santos e seus parceiros estivessem sendo enganados. Ele pediu mais informações, mas foi instruído a assinar um termo de sigilo. Os nomes dos três apareceram no acordo. Quando o investidor pediu que o acordo fosse modificado, as discussões foram encerradas.

LiPetri, hoje lobista na firma Park Strategies, procurou minimizar o papel que desempenhou na empreitada. Ele disse que, embora tivesse conhecimento dos esforços de George Santos, não se envolveu "nos detalhes". O advogado do deputado, Joseph Murray, disse que LiPetri colocou Santos em contato com a Bryant Park Associates, que representou o cidadão polonês. "Santos só fez as apresentações", disse Murray, acrescentando que não tinha informações quanto à identidade do polonês. Dominick Sartorio, empresário cujos empreendimentos o levaram à falência diversas vezes, não respondeu à reportagem.

.
O deputado George Santos intermediou a venda de iate entre dois de seus doadores políticos - Scott McIntyre -07.mar.23/New York Times

As ações de George Santos vêm sendo examinadas de perto desde que o NYT revelou, no ano passado, que a carreira financeira e a riqueza das quais ele se gabou em sua campanha eram fictícias.

Mas, em algum ponto entre sua primeira tentativa fracassada de se eleger deputado e o presente, as histórias de Santos começaram a virar realidade. Ele começou a andar de Mercedes e usar relógio Cartier e a fazer grandes empréstimos à sua campanha. Santos afirmou que sua empresa, a Devolder Organization, pagou-lhe US$ 750 mil (R$ 3,5 milhões) por ano, mais dividendos de mais de US$ 1 milhão (R$ 4,7 milhões). Promotores dizem que os valores são inflados.

Santos continua a rejeitar as acusações de impropriedade da qual é alvo. "Tive os relacionamentos e comecei a ganhar muito dinheiro. Basicamente, comecei a acumular riqueza", disse ele à City and State em dezembro. "E decidi investir em minha candidatura ao Congresso. Não há nada de errado nisso."

Um dos primeiros casos de Santos ter confundido a separação entre seus interesses políticos e de negócios se deu em julho de 2020, com o pano de fundo da falta de equipamentos de proteção pessoal contra a Covid, e apenas seis meses após sua primeira tentativa de se eleger.

Uma pessoa da campanha pôs Santos em contato com a Blue Flame Medical, companhia dirigida por Michael Gula, levantador de fundos republicano de Washington, e um consultor político da Califórnia, John Thomas. Os dois haviam desviado sua atenção da política para a área de compras para o governo, cientes do mercado enorme que havia para kits de testes, máscaras e ventiladores hospitalares.

A Blue Flame dizia ter acesso a estoques de uma empresa parceira pertencente ao regime chinês, mas não demorou a ter problemas depois de vários clientes reclamarem não ter recebido os materiais prometidos. A empresa foi investigada por autoridades federais, mas não recebeu uma acusação criminal.

Quase um ano depois, Santos estava novamente à procura de oportunidades de negócios depois de a empresa para a qual trabalhava, Harbor City Capital, firma de investimentos da Flórida, ter sido fechada, acusada de estar operando como um esquema de pirâmide.

Santos então abriu uma firma de consultoria política com sua tesoureira de campanha, Nancy Marks, e alguns colegas da Harbor City. Chamada Red Strategies USA, a empresa pretendia dar assessoria de todo tipo a candidatos republicanos e dizia que cuidaria de tudo, desde a contabilidade até a produção de anúncios de campanha.

Um de seus primeiros clientes foi Tina Forte, figura de ultradireita que desenvolveu uma base de seguidores online depois de criticar as medidas impostas para combater o coronavírus. Santos a incentivou a concorrer contra a deputada democrata Alexandria Ocasio-Cortez, de Nova York, segundo a ex-diretora de campanha de Forte, Jen Remauro.

Santos disse a Forte que sabia de uma ótima firma de consultoria e a encaminhou à Red Strategies, sem informá-la que ele era um dos donos, conforme o The Daily Beast. Em uma chamada de vídeo entre a Red Strategies e Forte, agiu como se fosse um intermediário que não conhecia seus sócios. "Ele se apresentou para eles e disse ‘prazer em conhecê-los, blablablá’; sendo que todos haviam trabalhado naquela empresa que faliu!", diz Remauro, referindo-se à Harbor City.

Jen Remauro começou a ficar desconfiada nos meses seguintes de algumas das práticas da Red Strategies.

Apesar de ter feito vários pedidos a Marks, Forte não conseguiu obter cópias de extratos bancários ou de conta mensais, enquanto seus próprios pagamentos chegavam com atraso de vários meses. Ainda mais preocupante era o modo incomum em que a Red Strategies parecia estar se pagando.

Sob os termos do acordo, a Red Strategies podia ficar com 80% de quaisquer valores que angariasse em nome de Forte, segundo documentos de campanha. Mas a Red Strategies obscureceu seus ganhos, inflando seus gastos com outros fornecedores.

Em seu relatório trimestral de julho de 2021, a campanha de Forte informou ter levantado US$ 42 mil (R$ 198 mil). O valor foi quase anulado devido a um pagamento único de US$ 35 mil (R$ 165 mil) à WinRed, plataforma de levantamento de fundos que tem a preferência de conservadores, supostamente por "taxas de cartão de crédito".

Para Remauro, que sabia que a WinRed geralmente cobra algo como 4% do que seus clientes arrecadam em fundos de campanha, isso não fazia sentido. Forte teria tido que arrecadar 20 vezes mais do que fez para que lhe fosse cobrada uma taxa de processamento de US$ 35 mil.

O relatório seguinte revelou o mesmo padrão: US$ 51 mil (R$ 241 mil) em "taxas de cartão de crédito" para a WinRed, apesar de Forte ter angariado apenas US$ 86 mil (R$ 406 mil).

Depois de Remauro reclamar à Red Strategies, em emails enviados em outubro de 2021, os relatórios da empresa foram emendados: em seis meses a WinRed havia recolhido US$ 6.200 (R$ 29 mil) em taxas, e a Red Strategies havia arrecadado mais de US$ 100 mil (R$ 473 mil).

Não seria a única vez que George Santos foi ligado a discrepâncias em taxas da WinRed. Sua própria campanha relatou ter levantado US$ 796 mil (R$ 3,7 milhões) usando a plataforma WinRed, o que, segundo análise do NYT, deveria ter resultado em taxas de aproximadamente US$ 33 mil (R$ 156 mil).

Mas os relatórios de Santos indicam que ele pagou mais de US$ 200 mil (R$ 946 mil) —pagamento excessivo de US$ 173 mil (R$ 818 mil).

O advogado Joseph Murray argumenta que Nancy Mark é culpada por irregularidades nas campanhas. Ele acrescenta ainda que Santos "não sabia da negligência, lamenta ter trabalhado e formado uma parceria com ela em qualquer função". Nem Marks nem representantes da WinRed responderam à reportagem.

Tradução de Clara Allain

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.