Descrição de chapéu The New York Times

Republicanos sabiam de mentiras de George Santos, mas fizeram vista grossa

Sistema de controle da política dos EUA permitiu que deputado eleito se safasse com suas falsidades

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Nicholas Fandos
The New York Times

No final de 2021, enquanto se preparava para sua segunda candidatura a um assento na Câmara dos Deputados por um subúrbio de Nova York, George Santos autorizou sua campanha a encomendar um estudo de rotina sobre seu passado.

As campanhas frequentemente usam esse tipo de pesquisa, conhecido como estudos de vulnerabilidade, para identificar qualquer coisa problemática que um candidato adversário possa aproveitar. Mas quando o relatório sobre Santos voltou as descobertas de uma empresa de pesquisa de Washington foram muito mais surpreendentes, sugerindo um padrão de desonestidade que atingia o cerne da imagem que ele havia cultivado como um rico financista.

George Santos ao sair do Congresso dos EUA, em Washington - Win McNamee - 12.jan.23/Getty Images via AFP

Alguns dos próprios cabos eleitorais de Santos ficaram tão alarmados depois de ver o estudo, no final de novembro de 2021, que lhe disseram para desistir da disputa e alertaram que se continuasse poderia sofrer humilhação pública. Quando Santos contestou as principais conclusões e decidiu continuar concorrendo, membros da equipe de campanha desistiram, de acordo com três das quatro pessoas com conhecimento do estudo com as quais o The New York Times conversou.

O episódio, que não havia sido relatado antes, é a evidência mais explícita até este momento de que um pequeno círculo de profissionais bem relacionados da campanha republicana teve indicações muito antes do público de que Santos estava tecendo uma elaborada trama de falsidades e que o próprio candidato tinha sido avisado de que essas mentiras eram vulneráveis, podendo ser facilmente reveladas.

Diplomas acadêmicos fraudulentos. Envolvimento em uma empresa acusada de esquema de pirâmide. Vários despejos de imóveis e uma carteira de motorista suspensa. Tudo isso estava no relatório, que também dizia que Santos, que é assumidamente gay, tinha se casado com uma mulher. O relatório não apresenta detalhes conclusivos, mas algumas pessoas informadas sobre as conclusões se perguntam se o casamento foi para fins de imigração.

Ainda não está claro quem mais, se alguém, soube do conteúdo do estudo na época, ou se a informação chegou aos líderes do partido em Nova York ou Washington. Santos, 34, conseguiu manter quase tudo escondido do público até depois de ser eleito, quando uma investigação do Times escavou de forma independente as alegações problemáticas documentadas pelos pesquisadores e outras que eles não tinham descoberto.

Depois que o Times enviou uma lista detalhada de perguntas para fazer esta reportagem, um advogado de Santos, Joe Murray, disse: "Seria inadequado responder devido às investigações em andamento". Um porta-voz do gabinete de Santos no Congresso não respondeu a um pedido semelhante de comentários.

O próprio Santos admitiu algumas invenções, mas insiste que estava apenas exagerando suas qualificações. Ele prometeu cumprir um mandato de dois anos no Congresso. Promotores estaduais, locais e federais estão investigando sua atividade.

A existência do estudo de vulnerabilidade ressalta uma das questões mais inquietantes que ainda cercam a estranha saga de Santos: como o sistema de controle da política americana —líderes republicanos, adversários democratas e a mídia bisbilhoteira— permitiu que um fabulista que se gabava de mansões fantasmas e um currículo falso se safasse com seu embuste por tanto tempo?

Entrevistas com mais de duas dezenas de associados, adversários e doadores, bem como comunicações contemporâneas e outros documentos examinados pelo Times, mostram que Santos inspirou muitas suspeitas durante sua campanha em 2022.

Apoiadores bem relacionados desconfiaram de que ele estivesse mentindo e exigiram ver seu currículo. Outro ex-auxiliar de campanha alertou um funcionário estadual do partido sobre o que ele acreditava serem práticas comerciais questionáveis. E o chefe do supercomitê republicano de ação política da Câmara disse a alguns legisladores e doadores que para ele a história de Santos não convencia.

Mas em todos os casos, em vez de denunciar Santos publicamente, os republicanos fizeram vista grossa. Eles negligenciaram chamar a atenção de líderes mais poderosos e permitiram que ele concorresse sem oposição nas primárias de 2022. Alguns acreditaram que as falsidades de Santos eram exageros políticos comuns; outros acharam que os democratas fariam o trabalho sujo por eles e Santos seria denunciado no calor da campanha eleitoral.

Mas os democratas tiveram dificuldades para fazer isso. Em 2020, o titular do partido, Tom Suozzi, descartou Santos como uma ameaça inviável e não realizou nenhuma pesquisa de oposição enquanto rumava para a vitória. Quando os democratas o examinaram, dois anos depois, não encontraram algumas das invenções mais flagrantes.

Os democratas então trabalharam sem sucesso para convencer a mídia noticiosa, que havia sido enfraquecida por anos de cortes de pessoal e consumida por disputas de alto nível, a ir mais fundo nas pistas preocupantes que descobriram. Além do The North Shore Leader —um pequeno jornal semanal de Long Island, que rotulou Santos de "uma farsa"— e alguns artigos de opinião no Newsday, a máquina da mídia de Nova York deu pouca atenção a ele.

Santos era um neófito político quando demonstrou pela primeira vez interesse por concorrer a uma cadeira na Câmara composta por partes do Queens e do condado de Nassau em 2020. Sua única experiência eleitoral real terminou rapidamente: um ano antes, ele foi forçado a abandonar sua campanha insurgente por um cargo partidário de baixo escalão no Queens porque não teve assinaturas suficientes para entrar na lista. Entre os sólidos círculos republicanos de Long Island, ele era praticamente desconhecido.

Em circunstâncias normais, Santos teria sido enxotado. Os republicanos do condado de Nassau, que compreende a maior parte do 3º distrito congressional de Nova York, há muito são famosos por exercerem rígido controle dos candidatos.

Mas com o país em confinamento nos primeiros dias da pandemia de coronavírus e o distrito devendo permanecer sob controle democrata, ninguém mais levantou a mão para concorrer. Santos enviou um currículo e respondeu a um questionário de avaliação repleto de mentiras, inclusive que ele teve uma média de 3,9 pontos numa faculdade em que nunca se formou e credenciais de trabalho que não possuía. Uma equipe de verificação do Partido Republicano do condado aceitou suas respostas sem questionar.

Quando Santos decidiu concorrer novamente, dois anos depois, os republicanos locais mais uma vez o apoiaram. Eles acreditavam que virar o distrito seria mais uma vez impossível.

Naquela época, já havia perguntas entre doadores e figuras políticas sobre onde exatamente Santos morava e a fonte do dinheiro que sustentava o estilo de vida luxuoso de que ele se gabava.

No verão de 2021, um dos ex-assessores de Santos, que insistiu no anonimato, descobriu suas conexões com a Harbor City Capital, empresa da Flórida acusada de um esquema de pirâmide financeira, e com outras práticas comerciais suspeitas que Santos havia ocultado. O assessor disse que levou as descobertas a um funcionário estadual do partido naquele outono e tentou apresentar a história a um jornal, mas não prosseguiu.

Naquela época, Santos começou a atrair suspeitas de alguns amigos e potenciais doadores ativos nos círculos republicanos de Nova York. Santos afirmou a um deles, Kristin Bianco, ter garantido o endosso do ex-presidente Donald Trump quando não tinha. Isso a levou a expressar suas preocupações sobre Santos a republicanos mais engajados, inclusive amigos da deputada Elise Stefanik, de Nova York, uma das primeiras apoiadoras de Santos, cujo principal assessor político estava auxiliando na campanha dele.

Na primavera de 2022, a candidatura de Santos tornou-se repentinamente competitiva, depois que um tribunal estadual desfez um esquema de zonas eleitorais democrata e adotou novos limites distritais mais favoráveis aos republicanos.

E a suposição de que qualquer informação prejudicial a Santos teria sido encontrada na campanha de 2020 acabou se revelando equivocada. Suozzi, o popular candidato democrata, pediu cotação a uma empresa externa para fazer pesquisas de oposição sobre Santos. Mas decidiu não gastar o dinheiro –poupando-o de um escrutínio significativo em sua primeira disputa.

Com uma corrida mais competitiva esperada para 2022, os pesquisadores do Comitê de Campanha Democrata do Congresso (DCCC, na sigla em inglês) fizeram a primeira pesquisa significativa da oposição sobre Santos naquele verão, reunindo um livro de pesquisas de 87 páginas. Ele documenta extensamente as declarações anteriores de Santos, incluindo suas opiniões radicais sobre o direito ao aborto e o motim de 6 de Janeiro no Capitólio.

Usando registros públicos, os pesquisadores do comitê também levantaram alguns sinais de alerta na biografia de Santos: diversos despejos; nenhum registro do IR para uma instituição beneficente para animais que ele afirmou ter criado; detalhes sobre seu envolvimento com Harbor City (o próprio Santos não era mencionado nas alegações do esquema de pirâmide) e negócios suspeitos mais recentes; bem como aparentes discrepâncias em suas declarações de renda que levantaram questões sobre a origem de centenas de milhares de dólares que ele havia emprestado à sua campanha.

Mas, com ordens para produzir livros de pesquisa semelhantes sobre dezenas de outros candidatos em todo o país, a tensa equipe do comitê deixou coisas por verificar. Em vários pontos, os pesquisadores sinalizaram explicitamente a necessidade de investigações de acompanhamento, como para "determinar se Santos tem antecedentes criminais". E o estudo falhou em revelar os principais problemas que levaram os próprios apoiadores de Santos a desistir meses antes: seu histórico educacional forjado, seu casamento com uma mulher e dúvidas sobre sua residência.

Um porta-voz do DCCC se recusou a comentar.

O adversário de Santos em 2022, Robert Zimmerman, conseguiu o livro de pesquisa no final de agosto, logo após vencer uma competitiva e cara primária democrata. Sem tempo e dinheiro, Zimmerman concluiu que seria melhor gastar em operações de propaganda e prospecção. E ele acreditava que o relatório do comitê de campanha, bem como as opiniões de extrema-direita de Santos sobre o aborto e o 6 de Janeiro, lhe davam um material de campanha poderoso.

Zimmerman disse que sua campanha tentou instigar repórteres de agências de notícias locais e nacionais com pistas sobre Santos, mas teve pouca sorte. "A resposta que recebemos de forma bastante geral foi que eles simplesmente não tinham pessoal, tempo ou dinheiro para isso", disse Zimmerman.

Um veículo se destacou: The North Shore Leader, em Long Island, dirigido por um advogado republicano e ex-candidato à Câmara, Grant Lally. O jornal publicou alguns artigos lançando dúvidas sobre as afirmações de Santos de que possuía carros e casas extravagantes e rotulando-o de "fabulista —uma farsa", embora não tivesse os detalhes que surgiriam mais tarde sobre seu currículo falsificado ou seu passado.

O que os líderes republicanos ouviram sobre os problemas de Santos é difícil de mapear. Santos exigiu que os funcionários de sua campanha assinassem acordos de confidencialidade, limitando a disseminação do relatório de vulnerabilidade.

Na primavera de 2022, Santos precisava de uma nova equipe de consultores. Com a ajuda do principal assessor político de Stefanik, ele escolheu uma empresa de consultoria e compartilhou o estudo de vulnerabilidade.

A nova safra de assessores, liderada pela Big Dog Strategies, nunca falou com seus antecessores e não sabia por que haviam deixado a campanha. Depois que Santos insistiu novamente que havia se formado na faculdade e abordou outras denúncias do relatório, a nova equipe aceitou suas explicações e começou a traçar uma campanha. Eles usariam temas políticos —e não a biografia do candidato— para vencer a eleição.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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