Israel mata ao menos 8 palestinos na maior incursão à Cisjordânia em 20 anos

Ofensiva mobiliza centenas de soldados e inclui ataques aéreos com drones, algo raro na região repleta de refugiados

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São Paulo

Ao menos oito palestinos morreram e 50 ficaram feridos nesta segunda-feira (3), no campo de refugiados de Jenin, na que já é considerada a maior incursão de Israel contra o território da Cisjordânia ocupada em quase duas décadas. A ofensiva mobilizou centenas de soldados e incluiu ataques aéreos com drones.

A ação ordenada pelo prêmie Binyamin Netanyahu, cujo governo é o mais à direita na história de Israel, ocorre após pressão de setores radicais da base aliada e não tem data para acabar. O episódio agrava a delicada situação de segurança na região e desperta preocupação.

Palestinos correm durante ação militar israelense em Jenin, na Cisjordânia
Palestinos correm durante ação militar israelense em Jenin, na Cisjordânia - Jaafar Ashtiyeh/AFP

À agência AFP uma autoridade local disse que ao menos 3.000 palestinos abandonaram o campo de refugiados com medo dos ataques e foram para outros pontos da cidade, onde seriam abrigados em escolas e outros locais públicos.

Uma operação dessa magnitude não era registrada desde a Segunda Intifada, na primeira metade da década de 2000, marcada pelo levante palestino contra autoridades de Israel e por episódios de violência que provocaram mortes dos dois lados. Na manhã desta segunda, pelo menos seis drones israelenses sobrevoavam a região, que abriga 17 mil pessoas em uma área de menos de meio quilômetro quadrado.

O governo de Israel disse que a operação começou pouco depois da 1h no horário local (19h de domingo em Brasília), com ataques de drones contra supostas infraestruturas terroristas em Jenin. Em seguida, centenas de soldados avançaram por terra com veículos blindados.

Segundo Tel Aviv, as tropas israelenses atacaram um prédio que servia como centro de comando para a Brigada de Jenin, organização formada por combatentes de grupos militantes, sob a justificativa de interromper atividades de grupos extremistas no campo de refugiados. Retroescavadeiras blindadas foram usadas para abrir caminhos bloqueados, e tiroteios intensos foram ouvidos por horas.

Israel Katz, ministro da Energia e membro do gabinete de segurança de Israel, limitou-se a dizer que a operação duraria o "tempo que fosse necessário" e sugeriu que as forças israelenses podem permanecer no local por dias. "Uma operação não termina em um dia."

Horas depois, o premiê Binyamin Netanyahu afirmou que a operação "muda a equação" da luta do Estado contra o terrorismo. "Jenin se tornou um refúgio para o terrorismo. Estamos colocando um fim nisso", afirmou, acrescentando que as ações se concentram em uma área densamente povoada, mas que todo o cuidado estaria sendo tomado para não afetar civis.

O Ministério da Saúde da Palestina confirmou a morte de pelo menos oito pessoas em Jenin —outras 50 ficaram feridas, incluindo dez em estado grave. Outro homem foi morto na cidade de Ramallah, durante a noite, após ser baleado na cabeça próximo a um posto de controle, em condições ainda não esclarecidas.

Autoridades palestinas e organizações internacionais acusam Israel de atingir civis. "Há bombardeios e invasão de terras", disse à AFP Mahmud al-Saadi, diretor do Crescente Vermelho (equivalente à Cruz Vermelha em países muçulmanos) palestino. "Várias casas e estabelecimentos foram bombardeados [...]. Há fumaça saindo por todos os lados", acrescentou.

"O que está acontecendo é uma guerra real", disse o motorista de ambulância palestino Khaled Alahmad à Reuters. "Houve ataques do céu visando ao acampamento [de refugiados]. Toda vez que entramos [em Jenin], vemos de cinco a sete ambulâncias cheias de feridos."

Forças israelenses não usavam drones para realizar ataques na Cisjordânia desde ao menos 2006, mas voltaram a usar o equipamento em áreas perto de Jenin em 21 de junho e nesta segunda. E a escala crescente de violência que pressiona as forças terrestres deve fazer essa tática continuar, disseram militares à Reuters.

"As pessoas sabiam que provavelmente iríamos entrar [em Jenin], mas o método do ataque aéreo os pegou de surpresa", disse o tenente-coronel Richard Hecht, porta-voz do Exército israelense.

O secretário-geral da ONU, o português António Guterres, divulgou comunicado em que manifesta preocupação com o desenrolar das ações. Um de seus porta-vozes, quando questionado sobre o uso de drones, disse que é inaceitável que haja ataques armados em áreas com grande densidade populacional. "Todas as partes precisam cumprir o direito humanitário internacional."

A operação iniciada nesta segunda-feira mobiliza de 1.000 a 2.000 soldados e pretende "quebrar a mentalidade que os extremistas têm do campo como um porto seguro", de acordo com o Exército de Israel, que diz que o local se tornou "um ninho de vespas".

o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, afirmou que a operação é um "crime de guerra contra um povo indefeso". Centenas de combatentes de grupos extremistas, incluindo Hamas, Jihad Islâmico e Fatah, estão baseados no campo, criado há 70 anos para abrigar refugiados após a Guerra da Palestina de 1948. Os combatentes na região têm armas variadas e dispositivos explosivos.

Abbas, como já é de praxe após operações de Israel na Cisjordânia, também disse que suspendeu o diálogo sobre segurança que a Autoridade Palestina mantém com Tel Aviv.

"A resistência enfrentará o inimigo e defenderá o povo palestino. Todas as opções estão abertas para atacar o inimigo e responder à sua agressão a Jenin", disse em comunicado o Jihad Islâmico.

As forças israelenses afirmaram ter apreendido um lançador de foguetes improvisado. Também disseram ter destruído um local usado para produção de armas e armazenamento de explosivos.

Paralelamente à tensão na Cisjordânia, o governo de Bibi, como Netanyahu é conhecido, foi alvo nesta segunda-feira de um protesto com milhares de pessoas no Aeroporto Internacional Ben Gurion, o principal do país. A maioria dos presentes levava cartazes que pediam democracia e versavam contra a reforma judicial pautada pelo governo. Ao menos 37 pessoas foram presas.

Manifestante é detido pela polícia durante protesto no Aeroporto Internacional Ben Gurion, em Israel
Manifestante é detido pela polícia durante protesto no Aeroporto Internacional Ben Gurion, em Israel - Ammar Awad/Reuters

No último dia 19, uma operação do Exército israelense com o apoio de um helicóptero, outra tática rara na região, deixou ao menos cinco mortos, incluindo um adolescente, além de 91 feridos. Após a ofensiva, quatro israelenses foram mortos perto de um assentamento judaico na Cisjordânia, em ações que motivaram ataques de colonos contra aldeias e cidades palestinas. Com a espiral de violência, membros do governo radicalizaram discursos e exigiram medidas firmes.

As tensões na região já haviam aumentado após a morte, em maio, de Khader Adnan, líder do Jihad Islâmico, por greve de fome. Ele estava preso sob a custódia de Israel e era acusado de incentivar verbalmente a violência. Autoridades israelenses afirmam que o militante havia recusado consultas médicas e tratamento, mas organizações de direitos humanos dizem que a morte poderia ter sido evitada.

Em nota, o grupo extremista informou que a morte de Adnan havia sido honrosa e que Tel Aviv pagaria o "preço pelo crime". Desde o início do ano, ao menos 185 palestinos, 25 israelenses, uma ucraniana e um italiano morreram no conflito entre Israel e palestinos, segundo levantamento da agência AFP.

Com AFP e Reuters

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