Descrição de chapéu União Europeia

Depredação em atos na França simboliza raiva de jovens contra Estado, diz pesquisador

Geoffrey Ditta afirma que ataques a locais públicos como escolas em protestos recentes são mensagens antissistema

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Madri

Para o francês Geoffrey Ditta, 35, especialista em geopolítica e professor da Universidade de Nebrija, em Madri, os protestos que mobilizam seu país natal desde que um oficial matou um adolescente depois que este desobedeceu ordens ao ser abordado no trânsito, na terça-feira (27), têm potencial para se estender por semanas.

"A violência que vi nas imagens supera a de 2005", afirma ele à Folha em referência à onda de manifestações que, considerada uma das maiores da França contemporânea, teve como estopim um episódio semelhante, quando dois jovens morreram eletrocutados ao se esconderem da polícia em uma estação de energia elétrica.

Manifestantes enfrentam a polícia em Marselha, no sul da França, em protestos contra a morte de Nahel, 17, por um agente durante abordagem de trânsito - Christophe Simon - 30.jun.23/AFP

Mas se "2005 foi um acidente", a descrição não se aplica à tragédia ocorrida esta semana, prossegue o pesquisador. Nahel, 17, tinha origem argelina, o que fez muitos acusarem os policiais que o abordaram de racismo. O agente que disparou contra ele alegou que buscava com isso evitar uma perseguição que pusesse outras pessoas em risco —o jovem, que dirigia um carro de luxo, teria cometido várias infrações de trânsito antes de ser parado.

Ditta afirma ainda que o governo do presidente Emmanuel Macron não pode ser responsabilizado pela tragédia, mas "é ele que precisa dar uma resposta" a ela. E lembra que toda essa turbulência se dá às vésperas de um evento internacional de primeira grandeza. "Estamos a um ano das Olimpíadas de Paris e não somos capazes de manter a segurança interna do país?", questiona.

O que está acontecendo na França hoje?
Uma tragédia. Nos últimos anos, Emmanuel Macron enfrentou várias manifestações. Hoje é a morte de um menino de 17 anos, mas também podemos falar da revolta dos coletes amarelos e, depois, da reforma previdenciária. Todo ano tem alguma coisa. O país está muito tenso. Estamos a um ano dos Jogos Olímpicos de Paris e passando essa imagem negativa internacionalmente. A um ano das Olimpíadas, não somos capazes de manter a segurança interna do país? Não, não somos.

Macron pediu, na manhã da sexta-feira (30), que os pais mantivessem seus filhos longe das ruas em razão do protagonismo da juventude nos protestos.
De fato, Macron apelou à responsabilidade coletiva. Quem está nas ruas são jovens de 11 a 18 anos que deveriam estar em casa com os pais. O problema é que os pais não têm mais controle sobre os filhos, nenhum tipo de autoridade, e isso é dramático.

Ele também culpou as redes sociais por contribuírem para espalhar a revolta.
Sim, há muitos grupos onde as pessoas são convocadas para manifestações a cada dia. As crianças são muito dependentes dessas redes sociais. Nos vídeos, é possível vê-los usando fogos de artifício, coquetéis molotov, ou seja, eles vão preparados.

Macron é o culpado?
É que a França tem, culturalmente, a tendência de sempre culpar uma pessoa. Ao longo dos últimos 40 anos, o problema da migração sempre emerge porque deixamos os imigrantes nos subúrbios, fora das grandes cidades. As pessoas vivem ali sem ter muita ajuda do governo. Isso causou uma fratura social entre os ricos e os pobres, os imigrantes, o que obviamente gera conflitos e uma desigualdade tremenda. A culpa, obviamente, não é 100% deste governo, mas é ele que precisa dar uma resposta para isso agora.

Além de incendiar carros, saquear e destruir lojas, as escolas são um dos alvos dos manifestantes. Por quê?
É por isso que o presidente diz, e eu concordo, que essa violência não pode ser justificada. Constrói-se uma biblioteca, ela tem menos de cinco anos, e eles [os manifestantes] destroem essa biblioteca. Aí, é preciso pôr dinheiro de novo no que foi queimado. Há uma raiva contra as instituições estatais. Na noite de quinta (29), mais de 500 edifícios públicos oficiais foram atacados, ou seja, quartéis, escolas, escritórios, delegacias. Concentraram os ataques em edifícios da República e isso é uma mensagem clara. Muita gente está lá só para quebrar, incendiar, atear fogo, enfrentar a polícia. São prédios públicos, escolas onde suas famílias estudarão. Estamos diante de jovens que não querem mais esse sistema, que não querem estudar, que não querem trabalhar. E isso é um grande problema.

O que as pessoas pensam lá?
As pessoas não querem viver nessa situação. Quando você vê, pensa que toda a França é assim, mas não é verdade. Adultos —não os adolescentes— estão em casa, com medo. Li algumas entrevistas com idosos que moram nos subúrbios e eles não sabem o que fazer, eles se trancam. Eles têm uma loja e dizem: 'nada aconteceu com minha loja hoje, mas amanhã algo deve acontecer'. As pessoas temem por seus negócios, por sua integridade física. Mais uma vez, estamos inseguros na França.

Como parar a violência?
Existem medidas pontuais como retirar os ônibus [de circulação], interromper o transporte público, retirar algumas veiculações publicitárias de plataformas e redes sociais para desacelerar um pouco o movimento. Eventos públicos foram cancelados. Dois shows de Mylène Farmer, que é uma cantora muito famosa na França, levariam 80 mil pessoas ao Stade de France no fim de semana, e foram cancelados. Todos os tipos de eventos culturais. As pessoas devem ficar em casa.

Em 2005, houve três semanas consecutivas de protestos. Acha que pode acontecer algo assim agora?
Espero que não, mas talvez estejamos começando [algo semelhante] de novo. A violência que vi nas imagens [dos protestos desta semana] supera a de 2005. Em 2005, foi um acidente, e isso agora não foi um acidente. Existe um procedimento que em francês se chama código de ética policial. Uma criança que estava dirigindo sem carteira ou que cometeu infrações pode ser retirada do carro, levar uma multa. Mas eu nunca tinha visto um policial com a arma carregada e apontada para uma pessoa que não quer sair do carro. Nenhum policial francês tem autorização para sacar sua pistola carregada contra uma pessoa que cometeu infrações no trânsito. Achei que estávamos nos Estados Unidos.

O professor e pesquisador francês Geoffrey Ditta exibe seu livro 'Internationalisation et Interculturalité', ou internacionalização e interculturalidade - Divulgação

Você tinha 17 anos quando aconteceram os protestos de 2005. Onde estava?
Em minha casa, em Dijon, estudando para o vestibular. Nunca fui marchar contra nada, mas as crianças que participam dos protestos não o fazem para se manifestar, mas para quebrar. Mas meu irmão sim. Tenho um irmão mais velho que participa desses atos. E outro irmão mais novo que é um guarda que defende a República. Certa vez eles se encontraram. O meu irmãozinho estava atrás dos portões do Senado, defendendo o prédio, e o mais velho, do outro lado, lançando...

Lançando o quê?
Não vou dedurar meu irmão, certo? Mas vamos dizer que ele se manifestava de forma pacífica. Ambos sabiam que estavam ali, mas não se encontraram fisicamente.

Muitos dos manifestantes acusam a polícia de racismo. Na sua opinião, a polícia francesa é racista?
A verdade? Acho que sim. Acho que existe um racismo na França mais profundo do que se pensa. Muitas pessoas dizem, "não, a França é um país laico onde não existe racismo". A verdade é que a porcentagem de pessoas que votam na direita ou na ultradireita é maior do que nos últimos anos: 40% das pessoas votaram na extrema-direita. Acho que há uma divisão tremenda e a pessoa que diz que não há racismo está mentindo. O que aconteceu com aquela criança também tem a ver com racismo. Sim.

O senhor já viveu algum episódio em que notou racismo?
Sim, claro. Eu nasci na França, mas meu pai é tunisiano. Eu cresci em um bairro de Dijon bem perto de regiões mais carentes. De fato, havia racismo. Sempre vi a polícia ir atrás dos garotos de lá. Nunca atrás de mim. A polícia nunca me disse nada.

Por quê?
Minha mãe é francesa e eu pareço mais com ela do que com meu pai.


Geoffrey Ditta, 35

Filho de um imigrante tunisiano e uma francesa, nasceu e cresceu em Dijon, na região da Borgonha, no centro-leste da França. Foi professor de geopolítica na Universidade de Sorbonne, em Paris, e atualmente leciona na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Nebrija, em Madri. Lançou recentemente o livro "Internationalisation et Interculturalité" (internacionalização e interculturalidade).

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