Descrição de chapéu The New York Times LGBTQIA+

Pop star surpreende ao se assumir gay em público no conservador Japão

Anúncio do tipo é incomum no país asiático, único do G7 que não permite casamento homoafetivo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Motoko Rich Hikari Hida
Tóquio | The New York Times

Num primeiro momento, houve silêncio. Em seguida, aplausos loucos, choros e gritos de "eu te amo!".

Fãs de Shinjiro Atae, um ídolo do pop japonês que estava em um hiato de shows de quase dois anos, foram ouvi-lo falar sobre "o desafio da sua vida". No palco de um auditório escuro em Tóquio, Atae revelou diante de 2.000 pessoas algo que havia mantido em segredo durante boa parte da vida: ele é gay.

"Respeito vocês e acho que merecem ouvir isso diretamente de mim", disse ele, lendo uma carta que havia preparado. "Durante anos eu tive dificuldade em aceitar uma parte de mim. Mas agora, depois de tudo que passei, criei coragem de me abrir com vocês sobre uma coisa. Sou um homem gay."

Shinjiro Atae, ídolo do J-pop que se assumiu gay, em Tóquio
Shinjiro Atae, ídolo do J-pop que se assumiu gay, em Tóquio - Noriko Hayashi - 25.jul.23/The New York Times

Um anúncio desse tipo é incomum no conservador Japão, o único país do G7, grupo com algumas das principais economias do mundo, que não legalizou o casamento homossexual. Recentemente, o Parlamento japonês aprovou uma lei em favor de direitos LGBTQIA+, embora o texto tenha sido diluído pela direita. A legislação prevê que "não deve haver discriminação" contra gays e pessoas trans.

Ao fazer sua declaração, Atae, 34, que passou duas décadas se apresentando com o grupo pop AAA antes de se lançar em carreira solo, disse querer que seus fãs conheçam quem ele é de verdade. E ele espera reconfortar outras pessoas que possam estar sofrendo com dúvidas e receios sobre sua sexualidade.

"Não quero que as pessoas sofram como eu", disse.

Ativistas disseram que não conseguiram recordar nenhum outro caso em que um pop star da estatura de Atae tenha se assumido publicamente gay, em grande parte devido ao medo de perder fãs ou patrocinadores. "Ele resolveu sair do armário para transformar o Japão", afirmou Gon Matsunaka, diretor e assessor do Pride House Tokyo, um centro de apoio para a comunidade gay e trans.

Atae, que começou a dançar com o AAA com apenas 14 anos, disse que temeu e preparou essa saída pública do armário por anos. "Antes, pensava que, se me descobrissem, seria o fim da minha carreira. Por isso eu não podia falar para ninguém", disse o artista em entrevista de uma hora e meia feita na casa de sua irmã mais velha em Tóquio, um dia antes do anúncio.

Atae revelou que a decisão de assumir a sexualidade publicamente evoluiu ao longo dos sete anos que passou em Los Angeles, onde viu como os casais gays podiam manifestar afeto livremente em público e construir uma rede extensa de apoios. "Todo o mundo era tão aberto", disse. "As pessoas falavam de suas vulnerabilidades. No Japão as pessoas pensam que é melhor não falar sobre essas coisas."

Artistas gays e transgêneros que aparecem na televisão com frequência não costumam falar sobre sua sexualidade de forma aberta. "A sociedade japonesa não é um lugar onde as pessoas declaram sua sexualidade diretamente", disse Satoshi Matsuda, pesquisador da Osaka City University e especialista em música popular japonesa. "Mas ela acaba chegando ao conhecimento público de modo natural."

Atae é o mais jovem de três filhos. Passou a infância em uma cidade entre Kyoto e Osaka. Sua mãe fez questão de que ele jogasse beisebol até terminar o ensino primário. Disse a ele que persistir nisso lhe ensinaria "gaman" –a palavra japonesa para resistência.

Quando ele descobriu um estúdio local de hip-hop, a dança virou sua paixão instantânea. Seus instrutores o incentivaram a fazer testes para ingressar em um novo grupo pop. Apesar de ainda estar cursando o ensino médio, Atae enviou um currículo e fez um teste por vídeo.

Depois de passar duas semanas em Tóquio fazendo treinamento de dança, canto e atuação, ele foi selecionado para ser um dos oito membros iniciais da banda. A AAA estreou em 2005.

Atae, o integrante mais jovem, abandonou o colégio para ser artista. Ele se apresentava principalmente como dançarino. Começou a aparecer também em filmes e seriados de TV. Sua sexualidade o deixava confuso. "Era uma época em que humoristas na TV diziam que homens se beijarem era nojento", disse. Se alguém lhe perguntava se tinha namorada, ele dizia que o trabalho não lhe deixava tempo para isso.

O AAA não demorou a fazer sucesso e colecionar fãs. O grupo acabou gravando oito canções que figuraram entre os dez primeiros lugares da parada Top 100 da Billboard Japan.

Mas, como Atae escreveu em uma autobiografia publicada no ano passado, "Every Life Is Correct, But Incorrect" (cada vida é correta, mas incorreta), ele disse ter passado um período com a AAA "afundado em pensamento negativo" e frustrado por não ser tão conhecido quanto os outros membros do grupo.

O que ele deixou de fora de seu relato foi o fato de viver apavorado com a possibilidade de os fãs ou revistas de fofocas descobrissem que ele é gay.

Em 2017, alguns membros da AAA se lançaram em carreiras solo, e Atae se mudou para Los Angeles, onde fez aulas de administração de negócios do entretenimento e estudou inglês por conta própria. Pouco a pouco ele fez amigos a quem podia confiar seu segredo. E começou a planejar sua saída do armário.

Shinjiro Atae, ídolo do J-pop que se assumiu gay, com estilista e maquiador
Shinjiro Atae, ídolo do J-pop que se assumiu gay, com estilista e maquiador - Noriko Hayashi - 25.jul.23/The New York Times

Ele teria que contar primeiro à sua família, à sua mãe. "Foi o momento de maior nervosismo que senti em me assumir", contou. "Fiquei super surpresa. Eu nunca havia imaginado isso", comentou a mãe, Suzuko, 66, que pediu para que seu sobrenome fosse omitido, para evitar assédio.

Apesar de ter apoiado o filho, ela hesitou quando ele disse que queria se assumir publicamente. A mãe temia que ele pudesse enfrentar discriminação ou ataques online. Agora ela diz que dá "200% de apoio".

Na noite do anúncio, a mãe estava sentada na última fileira do auditório, perto de seus dois outros filhos e as famílias deles. Ela ficou em lágrimas quando Atae começou a chorar, contando à plateia que, em certa época, ele pensava que seus sentimentos estavam errados. Ao mesmo tempo que Atae começou a gravar canções solo com letras como "menina bonita, ainda te adoro", ele começou a revelar sua sexualidade para mais pessoas. Sua carreira solo tem sido modesta, sem sucessos líderes da parada.

Para muitos de seus amigos, a notícia foi uma surpresa. Mas muitos outros, incluindo colegas da AAA, compareceram ao auditório para incentivar Atae. "A palavra ‘diversidade’ está começando a ficar mais comum, mas como interpretá-la ainda é uma questão muito difícil no Japão", disse Misako Uno, 37, da AAA, em entrevista nos bastidores. "Quero funcionar como amortecedor para ele."

Atae sabia que sair do armário provavelmente lhe atrairia críticas. "Seja o que for que você fizer, sempre haverá gente cheia de ódio", disse. "Eu só posso pensar nas pessoas a quem eu talvez esteja ajudando."

Após o anúncio, Miku Tada, estudante de arte de 23 anos que vive em Tóquio, disse que ficou com o coração partido ao pensar que Atae "se debateu sozinho". Mas agora, disse ela, "acho que ele pode ter muita influência sobre outros jovens que talvez estejam sentindo a mesma coisa."

Tradução de Clara Allain

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.