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Sergio Duarte

Repasse de bombas cluster à Ucrânia causa grande preocupação de escalada na guerra

Artefatos transportam até centenas de submunições, que se dispersam por uma área vasta e oferecem perigo a civis

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Sergio Duarte

Embaixador, foi alto representante das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento. É presidente das Conferências Pugwash sobre Ciência e Assuntos Mundiais

Cristian Wittmann

Professor da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), no Rio Grande do Sul, é membro da Campanha Internacional para a Abolição de Armas Nucleares (ICAN, na sigla em inglês)

Na última sexta-feira (7), o presidente dos EUA, Joe Biden, anunciou a "difícil decisão" de fornecer à Ucrânia bombas de fragmentação ("cluster munitions"). O governo americano justificou sua postura alegando a necessidade de repor o estoque de munição de que dispõe Kiev para sua contraofensiva.

Pessoa vestida de preto segura com uma das mãos uma bomba de fragmentação desativada
Soldado ucraniano exibe bomba de fragmentação desativada durante a guerra, em Kharkiv - Clodagh Kilcoyne - 21.out.22/Reuters

Relatos da imprensa afirmam que a Rússia e a própria Ucrânia já vêm fazendo uso dessas armas no atual conflito, embora sejam condenadas por grande parte da comunidade internacional e órgãos governamentais, como o Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos e organizações da sociedade civil, como a Cruz Vermelha e a CMC (Coalizão contra Munições Cluster).

Lançadas por via terrestre ou aérea, essas bombas transportam até centenas de submunições individuais, que se dispersam em uma vasta área e atingem vários quilômetros quadrados. Seu objetivo militar específico é dificultar o avanço de tropas e de infantaria e até mesmo de veículos blindados, porém não possuem capacidade de direcionar seus efeitos somente a alvos militares.

Muitas falham ao não detonar no primeiro impacto e permanecem ativas por décadas. Trazem consequência similar às minas terrestres antipessoal ao contaminar o terreno e impedir durante muito tempo seu uso para agricultura e outras atividades pacíficas, forçando demoradas e dispendiosas operações de desminagem após o conflito. Quando disseminadas em áreas habitadas, constituem grave e constante perigo para a população civil.

O fato causa grande preocupação por representar uma escalada no emprego dessas armas altamente controversas na guerra entre a Rússia e a Ucrânia.

Uma convenção multilateral em vigor desde 2010, da qual fazem parte 123 países —inclusive diversos membros da Otan, a aliança militar ocidental—, proibiu a fabricação, o armazenamento, a transferência e o uso desse tipo de munições de fragmentação por contrariar o Direito Internacional Humanitário ao não respeitar a distinção entre civis e combatentes e por seus efeitos desproporcionais a longo prazo.

O Brasil, produtor e exportador desse armamento, não aderiu à convenção, assim como 16 outros países, entre os quais os EUA, a Rússia, a Turquia e a Ucrânia, além de China, Coreia do Norte, Egito, Israel, Índia, Paquistão, Índia e alguns outros.

Embora tenha assumido posição neutra no conflito, há informações de que a Turquia tem fornecido munições de fragmentação à Ucrânia. Submunições brasileiras foram encontradas recentemente no Iêmen.

A mencionada Convenção de Proibição de Munições de Fragmentação resultou do esforço por parte dos signatários da Convenção sobre Armas de Efeitos Cruéis e Indiscriminados (CCW na sigla em inglês), adotada em 1984, para incluir essas armas na lista de projéteis remanescentes de guerras anteriores e que ainda oferecem perigo à população civil, com vistas à sua proibição.

Sem obter consenso, os promotores da iniciativa se uniram ao governo norueguês e a entidades humanitárias da sociedade civil para impulsionar uma negociação independente com o objetivo de lograr a proibição completa dessas armas, finalmente concluída em Oslo em 2008.

As negociações para ampliação do escopo da CCW no que se refere às "cluster munitions" prosseguem em Genebra no âmbito das conferências periódicas de exame desse instrumento, por meio de um grupo de peritos governamentais, porém até o momento sem êxito.

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