Após ameaçar intervenção no Níger, líderes africanos marcam reunião para pressionar junta militar

Bloco da região anunciou encontro após prazo para restituir presidente detido há duas semanas chegar à data-limite

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São Paulo

Líderes da África Ocidental vão se reunir em uma cúpula extraordinária na próxima quinta-feira (10) para discutir o golpe de Estado no Níger depois de a junta militar que tomou o poder no país há quase duas semanas ignorar o prazo para restituir o presidente Mohamed Bazoum.

O anúncio do encontro na capital da Nigéria, Abuja, foi feito nesta segunda (7), após um fim de semana de tensão. No domingo (6), data-limite estabelecida pela Cedeao (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental) para a restituição, os militares limitaram-se a fechar o espaço aéreo nigerino.

Crianças passam por carros queimados do lado de fora da sede do Partido Nigerino para Democracia e Socialismo do presidente deposto Mohamed Bazoum, em Niamey
Crianças passam por carros queimados do lado de fora da sede do Partido Nigerino para Democracia e Socialismo do presidente deposto Mohamed Bazoum, em Niamey - 7.ago.23/AFP

O bloco, que defendeu anteriormente uma intervenção no país caso o prazo fosse ignorado, ainda não respondeu diretamente ao movimento da junta. Nesta segunda-feira, porém, o grupo afirmou que vai discutir o impasse na quinta —decisão que, de acordo com União Europeia e Estados Unidos, abre espaço para mediação. "A janela de oportunidade definitivamente ainda está aberta. Acreditamos que a junta deveria se afastar", disse o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Matthew Miller.

Bazoum está preso desde o dia 26 de julho, quando a junta, autointitulada Conselho Nacional de Salvaguarda, assumiu o país sob a liderança do general Abdourahamane Tiani. Ao tomar o poder, o grupo afirmou que colocaria um "ponto final no regime que deteriorou a segurança nacional devido à má gestão".

Havia temores de que a afronta da junta militar pudesse escalar o embate. Dois dias antes, os chefes de Defesa do bloco haviam concordado com um possível plano militar se o presidente não fosse libertado e restituído, embora tenham dito que as decisões seriam determinadas pelos chefes de Estado.

O bloqueio do espaço aéreo teve impactos internacionais. Sem litoral, o Níger tem mais do que o dobro do tamanho da França, e muitas rotas de voo pela África normalmente passam pelo país. A Air France, por exemplo, suspendeu até a próxima sexta-feira (11) os voos para as capitais de Burkina Fasso e Mali, países que fazem fronteira com o Níger, e alertou que a duração de algumas viagens aumentaria.

No final do domingo, um representante da junta foi à televisão e afirmou que as Forças Armadas estavam a postos, "apoiadas pelo apoio inabalável" do povo e "prontas para defender a integridade do território".

Os militares também pediram aos jovens nigerinos que estejam preparados para servir ao país em caso de necessidade —uma convocação que vários estudantes que estavam na Universidade Abdou Moumouni nesta segunda disseram que atenderiam.

"Nenhum sacrifício é demais. Pelo nosso país, estamos prontos para dar as nossas vidas", disse Soumaila Hamadou, estudante de mestrado em economia, no campus de Niamey. No domingo, quase 30 mil simpatizantes do grupo se reuniram em um estádio na capital para expressar apoio e ouvir os discursos da junta. Eles também comemoraram a decisão de não ceder à pressão externa.

Na TV, grupos de apoiadores do novo regime fizeram discussões pedindo a solidariedade da população. Eles afirmam que as sanções da Cedeao levaram a cortes de energia e altas nos preços dos alimentos.

A atitude do bloco é uma resposta a uma onda de golpes na região. A credibilidade do grupo, formado por 15 países, está em jogo —a Cedeao disse que não toleraria novas derrubadas de governos após golpes nos membros suspensos Mali e Burkina Fasso, que prometeram atuar em defesa da junta do Níger.

Ambos os países enviaram delegações a Niamey para manifestar solidariedade, disse o Exército do Mali nas redes sociais nesta segunda-feira. O site de rastreamento de voos FlightRadar24 mostrou um avião militar de Burkina Fasso chegando à cidade por volta das 12h20, no horário local.

Uma fratura na Cedeao e a escalada do impasse nigerino desestabilizariam ainda mais uma das regiões mais pobres do mundo, que já enfrenta múltiplas crises, responsáveis por deslocar milhões de pessoas.

As reservas de urânio e petróleo do Níger e seu papel central na guerra com jihadistas no Sahel dão ao país importância econômica e estratégica para EUA, Europa, China e Rússia. Nesta segunda, Matthew Miller, porta-voz do Departamento de Estado americano, afirmou que a ajuda interrompida na sexta (4) soma US$ 100 milhões ao país e impacta o auxílio ao desenvolvimento, à segurança e à aplicação da lei.

Além disso, a subsecretária de Estado Victoria Nuland disse que teve uma reunião em Niamey com os membros da junta militar. Segundo ela, os militares não aceitaram as sugestões americanas para tentar restaurar a ordem democrática e negaram um pedido para um encontro da americana com Bazoum.

Assim como os EUA, a União Europeia e a França também cortaram apoio financeiro ao Níger, e a Cedeao impôs um bloqueio econômico ao país. A Nigéria, que fornece 70% da energia consumida no Níger, cortou a exportação de eletricidade ao vizinho. Já a Alemanha disse nesta segunda que sanções não estavam descartadas e descreveu a proibição de voos da junta como um revés.

O chanceler da Itália, Antonio Tajani, afirmou em entrevista ao jornal La Stampa nesta segunda que a Cedeao deveria estender seu prazo para a restituição de Bazoum. "A única via é a diplomática. Espero que o ultimato da Cedeao que expirou ontem [domingo] à meia-noite seja prorrogado hoje [segunda]", disse.

A junta parece ter o apoio de pelo menos uma parte da população. Em comícios pró-golpe em Niamey, nos quais é comum ver bandeiras da Rússia, alguns participantes descrevem a situação como uma batalha patriótica da ex-colônia francesa para manter sua independência diante da interferência imperialista.

Com AFP e Reuters

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