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Junta golpista do Níger acusa França de violar espaço aéreo

Paris nega acusações e diz que voo militar foi acordado previamente e autorizado por escrito

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São Paulo

A junta militar que tomou o poder no Níger acusou a França nesta quarta (9) de violar o bloqueio do espaço aéreo e libertar militantes jihadistas armados. As acusações, negadas por Paris, reforçam o componente anti-França do movimento na antiga colônia do país europeu.

As acusações ocorrem na mesma data em que o golpe militar completa duas semanas —e na véspera de uma reunião extraordinária da Cedeao (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental) na capital da Nigéria, Abuja, que pretende se debruçar sobre a mais recente crise política na região.

Em declaração na TV, coronel Amadou Abdramane acusa França de violar bloqueio do espaço aéreo do Níger - ORTN - Télé Sahel/via AFP

O coronel da Força Aérea Amadou Abdramane, um dos principais articuladores do golpe, foi à televisão afirmar que um avião militar francês decolou durante a manhã e "cortou deliberadamente todo o contato com o controle aéreo" ao entrar no espaço nigerino. "O que estamos vendo é um plano para desestabilizar nosso país", disse.

A cúpula golpista, por sua vez, alegou que "terroristas" libertados pela França teriam se reunido para planejar um ataque contra posições de suas forças na zona fronteiriça entre Níger, Burkina Fasso e Mali. Os militares faziam referência aos jihadistas armados que o Exército francês busca justamente combater. Cerca de 1.500 tropas francesas estão alocadas na nação africana, parte dos esforços internacionais para confrontar militantes islâmicos por trás de uma série de ataques na região do Sahel nos últimos anos.

As pastas das Relações Exteriores e das Forças Armadas da França negaram ambas as acusações da junta. Em comunicado, afirmaram que a atividade aérea desta quarta "foi acordada previamente e coordenada com as forças nigerinas, com autorização confirmada por escrito". Acrescentaram que "nenhum terrorista foi libertado pelas forças francesas, que lutam contra esse flagelo há muitos anos no Sahel, arriscando a vida de seus soldados".

As declarações dos militares desta quarta têm potencial para avivar ainda mais o sentimento antifrancês entre os apoiadores da junta. Participantes de comícios em defesa do golpe na capital, Niamey, descrevem a derrubada do presidente eleito, Mohamed Bazoum, como uma batalha patriótica para manter a independência diante da interferência imperialista, e é comum ver bandeiras da Rússia nos eventos.

Os últimos acontecimentos aumentam a pressão sobre a região, que enfrentou diversas rupturas institucionais nos últimos anos. Quatro dos 15 países-membros da Cedeao tiveram sua participação no grupo suspenso após sofrerem golpes militares —Guiné, Burkina Fasso, Mali e, mais recentemente, Níger.

O bloco afirmou que não toleraria novas derrubadas de governos democraticamente eleitos na região e deu um ultimato aos militares nigerinos para que devolvessem o poder a Bazoum, em prisão domiciliar desde 26 de julho.

O partido do ex-líder disse, aliás, que Bazoum e sua família estão sendo mantidos em condições "cruéis" e "desumanas" em sua residência, sem água corrente, eletricidade, acesso a alimentos frescos ou atendimento médico.

Na madrugada desta quarta, a Cedeao divulgou um comunicado se colocando à disposição "para garantir o retorno à ordem constitucional no Níger", sem, contudo, descartar uma intervenção militar. O uso da força é mencionado pelo bloco desde os primeiros dias após o golpe. Na ocasião, foi estabelecido que o último domingo (6) seria a data-limite para retomar a normalidade —o prazo foi ignorado pela junta.

Também nesta quarta surgiu um elemento que pode interferir no desenrolar da crise. O político Rhissa Ag Boula, um ex-líder rebelde, lançou um movimento de oposição à cúpula militar, afirmando em comunicado que seu recém-inaugurado Conselho de Resistência para a República (CRR) pretende restabelecer o presidente Bazoum. Trata-se do primeiro sinal de resistência interna ao Exército desde que apoiadores do líder eleito foram dispersados com tiros de advertência em uma manifestação no dia do golpe.

"O Níger é vítima de uma tragédia orquestrada pelas pessoas encarregadas de protegê-lo", diz a nota de Ag Boula, acrescentando que o CRR usará "todos os meios necessários" para deter os militares. A declaração afirma ainda que o conselho apoia a Cedeao e quaisquer outros atores internacionais que busquem derrubar os golpistas.

O novo opositor desempenhou um papel de liderança nas revoltas dos tuaregues, um grupo étnico nômade que vive no norte do país, nas décadas de 1990 e 2000. Como muitos ex-rebeldes, ele foi integrado ao governo na gestão do ex-presidente Mahamadou Issoufou (2011-2021).

Embora a extensão do apoio ao CRR não seja clara, a declaração de Ag Boula deve preocupar os líderes do golpe, dada a sua influência entre os tuaregues, que dominam comércio e política em grande parte do norte do país. O apoio da etnia seria fundamental para garantir o controle da junta além da capital.

A possibilidade de ações mais duras da comunidade internacional contra a junta militar também pode gerar alerta entre os líderes que assumiram o poder. Nesta quarta, os países da União Europeia começaram a se programar para impor as primeiras sanções contra membros da cúpula do regime, segundo disseram fontes do bloco à agência de notícias Reuters.

Desde o golpe, o Níger sofreu sanções da Cedeao que levaram a cortes em seu fornecimento de energia e viu minguarem as ajudas financeiras da Europa e dos EUA, essenciais a um dos países mais pobres do mundo. O empenho internacional na normalização democrática do Níger reflete a importância geopolítica do país africano, que tem importantes reservas de urânio e petróleo e era um aliado crucial do Ocidente no combate aos movimentos islâmicos extremistas que vinham se proliferando no Sahel africano.

Com AFP e Reuters

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