Lula traz Guerra da Ucrânia para o Brics, mas tema é ignorado por demais países

Líderes de China e Índia não abordam assunto; Putin faz defesa enfática de invasão russa

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Joanesburgo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tentou trazer para a cúpula do Brics o tema da Guerra da Ucrânia, mas viu o assunto ser ignorado pelos líderes de China, Índia e África do Sul. A exceção foi o líder da Rússia, Vladimir Putin, que usou seu pronunciamento, realizado de maneira virtual, já que o chefe do Kremlin não foi a Joanesburgo, para fazer uma defesa enfática da ação militar russa no leste da Europa.

Em seu discurso, Lula focou as consequências do conflito para o mundo, principalmente para os países em desenvolvimento. "A Guerra da Ucrânia evidencia as limitações do Conselho de Segurança da ONU. O Brics se consolidou como um fórum para discussão dos principais temas que afetam a paz e a segurança mundial. Não podemos nos furtar de tratar do principal conflito da atualidade que ocorre na Ucrânia e que tem consequências globais", disse o líder brasileiro na sessão de abertura da cúpula, nesta quarta (23).

O presidente Lula lê discurso durante reunião do Brics
O presidente Lula lê discurso durante reunião do Brics - Gianluigi Guercia/Pool via Reuters

Lula destacou ainda a necessidade de buscar uma solução para a guerra. "Achamos positivo que um número crescente de países, entre os quais os países do Brics, também esteja engajado em contatos diretos com Moscou ou com Kiev. Não subestimamos as dificuldades para alcançar a paz. Tampouco podemos ficar indiferentes à morte e à destruição", afirmou. "Estamos prontos a nos juntar a um esforço que possa efetivamente contribuir para um pronto cessar-fogo e uma paz justa e duradoura."

O petista destacou ainda as propostas de paz lançadas por China e África do Sul como tentativas em consonância com as iniciativas brasileiras. Lula tem defendido a proposta da criação de uma espécie de "clube da paz" para o fim da guerra. De acordo com o presidente, as conversas também deveriam envolver países não diretamente envolvidos nas hostilidades, como é o caso do Brasil.

Também falaram nesta quarta os líderes Xi Jinping (China), Cyril Ramaphosa (África do Sul) e Narendra Modi (Índia). Putin participou virtualmente devido ao mandado de prisão emitido pelo TPI (Tribunal Penal Internacional) por supostos crimes de guerra na Ucrânia. Como Pretória é signatária do acordo que criou a corte, se o líder russo desembarcasse no país, em tese ele teria de ser preso pelas autoridades locais.

Com exceção de Putin, os demais governantes ignoraram a Guerra da Ucrânia. Logo no começo de seu discurso, o presidente russo justificou as ações de Moscou no país vizinho e, depois, voltou a responsabilizar o Ocidente pelo conflito. "Nossas ações na Ucrânia são apenas uma coisa: colocar um fim na guerra lançada pelo Ocidente contra as pessoas no Donbass [o leste russófono do país]", disse ele.

"Agradecemos os nossos colegas no Brics que tomaram medidas ativas na tentativa de colocar um fim a essa situação, para alcançar uma solução justa por meios pacíficos", afirmou o líder russo.

Já Xi e Modi não fizeram nenhuma menção à crise na Ucrânia em seus pronunciamentos. O primeiro-ministro da Índia disse que apoia a expansão do bloco e citou medidas concretas que os integrantes do clube poderiam atuar de forma mais próxima, como é o caso da cooperação espacial.

O dirigente chinês, que lidera uma potência que se consolidou como a principal antagonista dos Estados Unidos, condenou o que chamou de "mentalidade da Guerra Fria" e também criticou a formação de "grupos fechados", numa referência a fóruns controlados pelo Ocidente, como o G7.

O que mais chegou perto de tratar da Guerra da Ucrânia em seu pronunciamento foi Ramaphosa —mas ainda sim sem fazer qualquer menção direta ao país do Leste Europeu ou à Rússia. O presidente sul-africano disse estar preocupado com conflitos ao redor do globo que causam "grande sofrimento e dificuldades". "Nossa posição permanece a de que a diplomacia, o diálogo, as negociações e a aderência aos princípios da Carta das Nações Unidas são necessários para a resolução pacífica de conflitos."

Ele também fez breves comentários após a fala de cada um dos líderes. Depois do discurso de Lula, limitou-se a dizer que o esforço do brasileiro para "contribuir para um mundo pacífico é algo estimado".

Depois da declaração de Putin, Ramaphosa agradeceu ao russo por reconhecer os esforços de países do Brics na busca por uma solução para a guerra. "Concordamos que para encerrar esse tipo de conflito a negociação seria a melhor forma, como o senhor [Putin] sempre disse estar disposto a fazer", disse.

A forma como a Guerra da Ucrânia foi abordada na cúpula reflete de certa forma como os países do bloco tratam o assunto no Conselho de Segurança da ONU. O Brasil é o único que votou a favor de resoluções que condenam a invasão russa —embora sempre tenha criticado o emprego de sanções unilaterais e defendido que o tema não deve bloquear o trabalho de fóruns multilaterais. A Rússia, por óbvio, opõe-se a essas resoluções, enquanto Índia e China se abstêm —a África do Sul não faz parte do conselho.

Ainda na campanha à eleição, Lula havia indicado que pretendia engajar o Brics nos debates sobre uma solução para o conflito. Num encontro com os embaixadores de África do Sul, Índia e Rússia em São Paulo antes do primeiro turno, ele questionou por quais razões o bloco não discutia a crise ucraniana.

Ao menos nas declarações iniciais da cúpula, que são públicas, Lula parece não ter conseguido atrair os demais líderes para algum tipo de discussão sobre como encerrar diplomaticamente a guerra.

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