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Rússia China

Reação aos EUA forja aliança improvável entre Putin e Xi

Russo busca mais apoio de Pequim, mesmo sob risco de virar parceiro júnior na sociedade

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São Paulo

Quando visitarem o Instituto de Tecnologia de Harbin, nesta sexta-feira (17), Xi Jinping e Vladimir Putin estarão prestando uma homenagem a um ícone dos interesses cruzados da improvável aliança entre os dois colossos que se esbarram no leste da Ásia.

Harbin foi uma cidade fundada por imigrantes russos, trabalhadores que instalaram lá um centro ferroviário importante na virada do século 20. Sua arquitetura, com igrejas ortodoxas, reflete tal passado, encerrado nos anos 1960 com a volta de quase todos os estrangeiros para a então União Soviética.

Vladimir Putin cumprimenta Xi Jinping durante encontro dos líderes em Pequim
Vladimir Putin cumprimenta Xi Jinping durante encontro dos líderes em Pequim - Serguei Guneiev/Sputnik/AFP

O instituto, por sua vez, é um dos principais centros de alta tecnologia da China, e a cidade atrai diversas empresas: a brasileira Embraer produziu aviões lá por 13 anos, numa malfadada sociedade encerrada em 2017.

Assim, em um centro russo tornado potência chinesa, Putin e Xi simbolizam a "nova era" anunciada em comunicado conjunto nesta quinta-feira (16), quando o russo foi recebido com as pompas usuais pelo chinês em Pequim, no 42º encontro entre eles.

Foi lá que, 20 dias antes de lançar a invasão da Ucrânia, que mudou o desenho da segurança mundial em 2022, Putin proclamou a parceria "sem limites" com os antigos rivais.

De pronto, o Ocidente desdenhou do falatório, lembrando dos limites naturais de uma sociedade na qual um dos parceiros, Moscou, tem um décimo do tamanho econômico do outro.

Também pesavam na conta as rusgas do passado, que quase levaram a uma guerra em 1969 e motivaram diversos projetos de infraestrutura no desabitado Extremo Oriente russo por parte de Putin para conter tentações chinesas.

Mas o crescente cerco dos EUA aos chineses, a Guerra Fria 2.0 lançada em 2017 pelo mesmo Donald Trump que pode voltar à Casa Branca, ajudou a fomentar o casamento. De lá para cá, o comércio sino-russo chegou a níveis recordes: em 2023, o fluxo comercial foi de US$ 240 bilhões, com um superávit de US$ 20 bilhões em favor de Moscou, cortesia do petróleo e gás baratos pela perda do mercado europeu devido à guerra.

Chips chineses passaram a ser importados como insumo civil, mas acabam em mísseis e drones empregados na Ucrânia. Com as sanções ocidentais, celulares e carros fabricados no país de Xi viraram lugar-comum nas ruas russas.

Putin arrisca o papel de sócio minoritário na parceria, mas o momento é bastante diferente daquele vivido no primeiro encontro entre os líderes depois do começo do conflito, em setembro de 2022 no Uzbequistão. Ali, o russo vivia o ápice da humilhação militar na Ucrânia, tendo acabado de perder as áreas conquistadas em Kharkiv.

Não deixa de ser irônico que chegue agora à China com suas forças avançando justamente naquela porção norte do vizinho, no melhor momento para Moscou desde o início da guerra. Putin acaba de começar seu quinto mandato, empoderado como Xi, que no ano passado foi reconduzido de forma inédita a um terceiro termo no poder.

Ele poderá dizer a Xi que, apesar das dificuldades, a sua aposta contra o Ocidente segue de pé. Juntos, ambos os líderes cantam afinado, apresentando um libreto que promove o multilateralismo, em oposição ao que consideram opressão hegemônica dos Estados Unidos e de aliados.

Soa bem, encontrando fãs ardorosos da Hungria à esquerda brasileira, mas por óbvio é uma peça ficcional. Se as pretensões americanas são óbvias, cada ator do outro lado tem interesses específicos.

Os críticos do arranjo apontam que russos e chineses pregam liberdade, mas são países autoritários. Já seus apologistas lembram que as tentativas ocidentais de exportar a democracia liberal costumam resultar em tragédias ou farsas.

Desta forma, o russo vai a Xi, segundo relatos, a fim de obter mais apoio para a militarização de sua economia, prevendo um embate duradouro com o Ocidente.

O presidente aposta no comércio em moedas locais, não o dólar que domina 85% das transações globais, e em instrumentos como o Brics —embora membros como Índia e Brasil torçam o nariz para o uso político do bloco.

Para Xi, há riscos. O comércio bilateral com os EUA é mais do que o dobro do que o registrado com a Rússia, e Pequim é francamente superavitária: vendeu US$ 470 bilhões no ano passado aos americanos, tendo importado US$ 147 bilhões dos rivais.

É muito, mas abaixo do ápice histórico de 2022, voltando ao patamar de 2014. Xi enfrenta grandes dificuldades domésticas devido ao encrencado mercado imobiliário local e o alto índice de endividamento do Estado, que pulou de 60% do PIB em 2019 para 88,6% em 2023.

Em julho, haverá uma rara reunião do Partido Comunista Chinês só para discutir saídas para a crise, e os EUA deram um tiro de advertência nada sutil neste ano, ao aplicar sanções secundárias a bancos chineses por fazerem negócios com os russos.

O temor de que isso virasse uma onda motivou a queda no volume comercial China-Rússia no primeiro trimestre deste ano. O próprio comunicado dos líderes faz menção indireta a isso, restando saber se, acuado, o gigante chinês irá recuar ou dobrar a aposta.

Em público, Xi joga como equilibrista. Recebe Putin após visitar o francês Emmanuel Macron, a quem o russo ameaça com armas nucleares, numa viagem em que também foi às russófilas Hungria e Sérvia. Fala em mediar a paz na Ucrânia, e é o único com ascensão sobre Putin para tal, mas na prática nada ocorreu.

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