Militares dos EUA dizem que tropas da Ucrânia estão mal alocadas

Para autoridades, esforços de Kiev deveriam se concentrar no sul em vez de se dividir pelo território

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The New York Times

A contraofensiva que a Ucrânia iniciou em junho para retomar territórios ocupados pela Rússia encontra dificuldades para romper as defesas do inimigo porque concentra muitas tropas —incluindo algumas de suas unidades de elite— em lugares errados, afirmam autoridades dos EUA e de outros países ocidentais.

O principal objetivo da ação é cortar as linhas de abastecimento russas no sul da Ucrânia, o que exigiria romper a ponte sobre o estreito de Kertch, que liga a Rússia e a Crimeia anexada. Em vez de se concentrar nisso, porém, Kiev dividiu tropas e poder de fogo entre o leste e o sul quase nas mesmas proporções.

Integrante de brigada ucraniana participa de lançamento de mísseis próximo à linha de frente na região de Zaporíjia, na Ucrânia
Integrante de brigada ucraniana participa de lançamento de mísseis próximo à linha de frente na região de Zaporíjia, na Ucrânia - Viacheslav Ratynskyi - 19.ago.23/Reuters

Como resultado, mais forças ucranianas estão perto de Bakhmut —palco da batalha mais brutal do conflito até aqui— e de outras cidades no leste do que perto de Melitopol e Berdiansk, no sul, ambas estrategicamente mais significativas, dizem essas autoridades. Especialistas americanos aconselham Kiev a se concentrar na frente de batalha que avança em direção a Melitopol e a romper campos minados russos e outras defesas mesmo que com isso percam mais soldados e equipamentos.

Apenas com uma mudança tática dramática o ritmo da contraofensiva pode mudar, disse uma autoridade americana, que, como outras ouvidas pela reportagem, falou sob condição de anonimato.

Em videoconferência no último dia 10, o general Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA; o almirante Tony Radakin, seu homólogo britânico; e o general Christopher Cavoli, principal comandante americano na Europa, instaram o comandante militar mais graduado da Ucrânia, o general Valerii Zalujni, a se concentrar numa só frente. E, segundo duas pessoas com conhecimento da ligação, ele concordou.

Autoridades americanas dizem que há indícios de que a Ucrânia começou a transferir alguns combatentes mais experientes do leste para o sul. Mas essas unidades tiveram que ser reconstituídas várias vezes após sofrerem repetidas baixas e dependem de um grupo cada vez mais escasso de comandantes. Alguns pelotões são compostos principalmente por soldados que foram feridos e voltaram a lutar.

Segundo informações de Washington e Kiev, a Ucrânia penetrou ao menos uma das camadas de defesas russas no sul nos últimos dias e está perto de controlar Robotine, vila perto de uma das linhas de combatentes russas. Tomar a vila, dizem os americanos, seria um bom sinal da mudança de estratégia.

Alguns analistas alertam, porém, que o progresso pode ser insuficiente e tarde demais. A luta ocorre em terreno principalmente plano que favorece a defesa. Às vezes, horas depois de os ucranianos limparem um campo minado, os russos lançam outro foguete que dispersa mais minas exatamente no mesmo local.

Segundo a doutrina militar americana, sempre há um esforço principal para garantir que o máximo de recursos seja direcionado para uma única frente, mesmo que forças de apoio lutem em outras áreas.

Ucrânia e Rússia, porém, lutam sob a antiga doutrina soviética, que busca minimizar rivalidades entre facções do Exército ao fornecer quantidades iguais de mão de obra e equipamentos em todos os comandos. Ambos os Exércitos falharam em priorizar seus objetivos, dizem especialistas do Ocidente.

O foco contínuo da Ucrânia em Bakhmut tem deixado oficiais de inteligência e militares dos EUA perplexos. O país invadido investiu enormes recursos na defesa da região que circunda o Donbass, e seu presidente, Volodimir Zelenski, não quer parecer estar desistindo de tentar retomar territórios perdidos.

Americanos afirmam que Kiev tem de um mês a seis semanas antes que chuvas esperadas para o período forcem uma pausa. A nação adiou ao menos um ataque devido às condições climáticas neste mês —o clima úmido a princípio não impede batalhas, mas se ela conseguir romper as linhas russas nas próximas semanas, a lama pode dificultar a consolidação dos avanços e a conquista veloz de uma área maior.

Interlocutores dos EUA também dizem não acreditar que a contraofensiva esteja fadada ao fracasso, mas reconhecem que os ucranianos não tiveram o sucesso que eles ou seus aliados esperavam. "Não avaliamos que o conflito esteja em um impasse", disse Jake Sullivan, conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, na terça (22). "Continuamos a apoiar a Ucrânia em seus esforços para tomar território como parte desta contraofensiva, e estamos vendo isso acontecer de maneira metódica e sistemática."

Embora uma força russa menor e fortificada tenha se saído melhor no sul do que os oficiais americanos e analistas previam, o Kremlin ainda enfrenta problemas sistêmicos. As tropas sofrem com linhas de suprimento precárias, baixo moral e logística ruim, afirma um alto oficial militar americano.

Vários oficiais do país liderado por Joe Biden disseram esperar que as tropas ucranianas cheguem à metade do caminho até o mar de Azov antes de o frio exigir outra pausa na contraofensiva. Isso seria um "sucesso parcial", de acordo com um oficial americano ouvido pela reportagem. Alguns analistas dizem que a contraofensiva ficará aquém até mesmo desse objetivo mais limitado.

A jornalistas em um voo para Roma, no domingo (20), o general Milley afirmou que os últimos dois meses da contraofensiva foram "longos, sangrentos e lentos". "Levou mais tempo do que a Ucrânia havia planejado", disse. "Eles estão fazendo progresso, mas ele é limitado."

Eric Schmitt , Julian E. Barnes , Helene Cooper e Thomas Gibbons Neff
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