Podcast discute problemas e soluções na crise dos grãos da Ucrânia

Há um mês, a Rússia deixou acordo que permitia ao país invadido escoar sua produção dominante no mercado global

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São Paulo

Um dos maiores nós criados pela Guerra da Ucrânia acaba de completar um mês, e nada indica que ele será rapidamente resolvido. Foi a ruptura, pela Rússia, em 17 de julho, do acordo que permitia aos ucranianos prosseguir exportando grãos para 45 países.

Uma possível saída para o impasse seria esperar que Moscou seja devidamente pressionada pela China, que era o maior cliente do milho produzido pela Ucrânia. Ao menos essa é a opinião de Caitlin Welsh, especialista no comércio internacional de grãos no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), instituição de pesquisa com sede em Washington.

Construção em porto ucraniano no rio Danúbio após ataque de drone, na região de Odessa, no começo de agosto
Construção em porto ucraniano no rio Danúbio após ataque de drone, na região de Odessa, no começo de agosto - Serviços de Emergência Ucranianos/AFP

Welsh foi a autora de um podcast recente dedicado à espinhosa questão nos Estados Unidos. Outro material, sob o título "Guerra da Rússia aos Alimentos", foi do Global Dispatches, que é editado por Mark Leon Goldberg, também blogueiro sobre as Nações Unidas.

Goldberg aceita como procedente a denúncia de que, ao bombardear instalações agrícolas e de armazenamento em silos, forças russas destruíram só em julho algo como 180 mil toneladas da produção agrícola ucraniana. Seu podcast traz o vídeo de uma propriedade rural em Kherson, onde os bombardeios russos destruíram um estoque de 160 toneladas de trigo que acabara de ser colhido.

Ao bombardear instalações de armazenamento, a Rússia complementa a utilização de mísseis que atingiram navios que transportavam grãos e que deixavam portos da Crimeia ainda controlados por Kiev.

Foi também atingido, diz o Global Dispatches, o maior porto fluvial ucraniano, localizado no Danúbio, junto à fronteira com a Romênia. Foi uma operação militarmente arriscada, já que a Romênia é integrante da Otan, e, se ela fosse atingida, a reação poderia vir de toda a aliança ocidental e dos EUA.

Welsh, do CSIS, discorre sobre o que provavelmente está por trás dos planos da Rússia. O país procura comprometer um setor da economia ucraniana que ajuda a sustentar o país invadido. A Ucrânia, de fato, tem na agricultura 20% de seu PIB e 18% de sua mão de obra.

Ao inviabilizar as exportações ucranianas, o governo de Vladimir Putin atinge um duplo objetivo: machuca economicamente seu inimigo e favorece a si mesmo como fonte de fornecimento de produtos como trigo, milho e sementes de girassol, dos quais é tradicionalmente um produtor maior que a Ucrânia.

Em tempo, assinala Welsh, desde abril do ano passado a Rússia não divulga estatísticas sobre seu comércio de cereais, para que a comunidade internacional não quantifique o quanto ela está "furtando" de um mercado antes dominado pela Ucrânia. Há, porém, a ressalva de que os especialistas acreditam que os russos devem estar agora colhendo a maior safra dos últimos anos —calor excessivo na Europa e a manutenção dos regimes pluviométricos permitiram a colheita de uma tonelagem recorde de trigo.

Mas voltemos à Ucrânia. O acordo que colocou sob um regime de trégua militar a exportação de grãos pelo mar Negro foi firmado em julho do ano passado e entrou em vigor na primeira semana de agosto. As negociações, patrocinadas pela ONU, envolveram Ucrânia, Rússia e Turquia.

A participação de Ancara se deve não tanto ao fato de ser a dona do território no qual está localizado o estreito que define o acesso do mar Negro ao Mediterrâneo, cuja neutralidade em termos de tráfego naval é historicamente respeitada, mas porque é um país que mantém boas relações com russos e ucranianos —mesmo que, como pondera Welsh, os laços com Moscou estejam um pouco arranhados depois do aval turco à entrada da Suécia na Otan.

O fato é que o mecanismo de exportação de grãos funcionava muitíssimo bem. Ao todo a Ucrânia exportou desde o começo da guerra 38,8 milhões de toneladas de cereais —o que foi em muitos sentidos excepcional, já que depois da invasão militar russa a venda dos grãos havia entrado em colapso.

Olhando no mapa, é possível imaginar, em princípio, a possibilidade de compensar a interrupção das exportações pelos portos com a venda por terra. Já é o que acontece em escala muito pequena, mas com um encarecimento brutal do frete e com a criação de um problema político com os vizinhos.

Ao penetrar em seus territórios, os cereais ucranianos empurram para baixo o preço da produção local do país importador. O que provoca antipatia pela Ucrânia, num momento em que, em razão da guerra, Kiev precisa de muita solidariedade, diz a pesquisadora do CSIS.

The Truth of The Matter: Russia Inflicts Grain Pain

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