Rússia e Ucrânia assinam acordo para desbloquear grãos e aliviar crise global

ONU e Turquia patrocinam tratativas sobre mar Negro que visam a aliviar escassez de alimentos e alta de preços

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Reunidas na Turquia, delegações de Rússia e Ucrânia assinaram acordos nesta sexta (22) para reabrir portos ucranianos no mar Negro e retomar a exportação de grãos, paralisada desde o início da guerra.

​Muito aguardados, os pactos são vistos pela comunidade internacional como elementos-chave para aliviar uma crise mais grave de escassez de alimentos e a alta de preços de cereais no mercado global. Mais de 20 milhões de toneladas de grãos ficaram retidos nos portos, e o bloqueio fez com que as exportações de Kiev fossem reduzidas a um sexto do nível pré-conflito.

Serguei Choigu, ministro da Defesa da Rússia, na Turquia para a cerimônia de assinatura dos acordos - Umit Bektas - 22.jul.22/Reuters

As tratativas foram patrocinadas pela ONU e por Ancara ao longo das últimas semanas. Nesta sexta, contaram com a presença do ministro da Defesa russo, Serguei Choigu, e do ministro da Infraestrutura ucraniano, Oleksandr Kubrakov, no palácio de Dolmabahçe, construído entre 1843 e 1856, na era otomana.

Até aqui, havia dois entraves para a criação de corredores marítimos de escoamento de grãos. Do lado de Kiev, o receio de que a Rússia quisesse usar o pacto apenas para atacar o país na porção sul do território, onde Moscou já controla áreas importantes, como Kherson, partes de Zaporíjia e a península da Crimeia.

Do lado de Moscou, a exigência de que as forças ucranianas retirassem minas terrestres colocadas para proteger o litoral. O temor de que navios fossem usados para contrabando de armas era outra questão.

Ainda antes da assinatura dos documentos, o assessor da Presidência ucraniana Mikhailo Podoliak afirmou que quaisquer provocações russas serão retrucadas com respostas militares imediatas. Ele refuta a ideia de que o trato representa uma trégua: "Assinamos um acordo com a Turquia e com a ONU e é com eles que assumimos obrigações", disse. Na prática, foi o que aconteceu: cada país assinou acordos separados, que têm o mesmo objetivo.

Choigu, da Rússia, afirmou que o país não usaria a abertura dos portos como janela de oportunidade para ataques. "Assumimos esse compromisso."

Os documentos, que, segundo o jornal The New York Times, valerão por 120 dias e podem ser renovados, pactuam a reabertura dos portos de Odessa, Tchernomorsk e Iujni, além da criação de um centro de controle na Turquia formado por funcionários da ONU, de Moscou e de Kiev. Ali, os navios vão desembarcar as cargas e passarão por inspeções, para garantir que não retornem à Ucrânia com armas, uma demanda russa.

Em alto-mar, embarcações-guias ucranianas farão uma espécie de escolta para orientar rotas que driblem as minas implantadas —retirá-las levaria tempo demais, segundo as Nações Unidas.

Sem apertos de mãos entre representantes dos países em guerra, a cerimônia de assinatura contou com falas do secretário-geral da ONU, António Guterres, que frisou os esforços para escoar os grãos. "Hoje há um farol de esperança e um alívio para um mundo que, mais do que nunca, está precisando dela."

As Nações Unidas esperam que as normas viabilizadas sejam postas em prática em poucas semanas e que as exportações atinjam 5 milhões de toneladas por mês, como ocorria antes do conflito.

Segundo o presidente ucraniano Volodimir Zelenski, a Ucrânia tem cerca de US$ 10 bilhões de grãos disponíveis para venda a partir do acordo e terá a chance de comercializar a colheita atual. "Esta é outra demonstração de que a Ucrânia pode resistir à guerra", disse, em discurso no final da noite. "Confiamos na ONU. Agora é sua responsabilidade garantir que o acordo seja respeitado."

Zelenski ressaltou ao jornal The Wall Street Journal, porém, que um cessar-fogo só será possível com a retomada por Kiev de regiões conquistadas por Moscou.

O bloqueio nas exportações iniciado pela guerra afetava principalmente países da África, muitos dos quais importam mais da metade de seu trigo da Ucrânia, mostram dados da ONU. É o caso de Eritreia, Tanzânia, Congo, Namíbia, Ruanda e Senegal, por exemplo. Nesta sexta, o preço do trigo, por exemplo, já caiu fortemente no mercado internacional.

O governo de Vladimir Putin afirmou, reiteradas vezes, que a culpa da crise alimentar estava nas mãos de países do Ocidente, devido à imposição de sanções contra a Rússia —o que, segundo o Kremlin, desacelera as exportações de alimentos e de fertilizantes do país.

Após rechaçar as acusações, a União Europeia (UE) publicou nesta quinta (21) uma série de esclarecimentos legais para demonstrar que empresas podem exportar grãos e fertilizantes russos sem temer punições. O anúncio veio pouco após ser lançada a sétima rodada de restrições, que desta vez impõe embargo ao ouro russo.

A grain storage facility in Boryspil, Ukraine, May 30, 2022. Grain elevators in Ukraine that have not been damaged or destroyed are quickly filling up. (Nicole Tung/The New York Times)
Instalação de armazenamento de grãos em Borispil, na Ucrânia - Nicole Tung - 30.mai.22/The New York Times

"Para evitar possíveis consequências negativas para a segurança alimentar e energética no mundo, a UE decidiu alargar a isenção da proibição de transações com algumas entidades estatais russas no que diz respeito a produtos agrícolas e transporte de petróleo para outros países", disse o bloco em nota.

O chefe da diplomacia da UE, o espanhol Josep Borrell, saudou a assinatura dos acordos na Turquia, assim como Liz Truss, chanceler do Reino Unido que disputa a sucessão de Boris Johnson. Ela, porém, voltou a criticar as decisões de Putin: "A bárbara invasão da Ucrânia fez com que algumas das pessoas mais pobres e vulneráveis ​​do mundo corram o risco de não ter nada para comer".

O governo Zelenski também acusava a Rússia de roubo de grãos, o que Moscou sempre refutou. Líderes instalados pelo governo de Putin em áreas ocupadas no sul da Ucrânia disseram nesta sexta ter transportado colheitadeiras da Crimeia, doadas pelo Ministério da Agricultura russo, para suprir a escassez de maquinário que teria sido levado por produtores que emigraram.

Com Reuters e AFP

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