Descrição de chapéu The New York Times Rússia

Suécia aposta em defesa psicológica contra guerra de desinformação da Rússia

Agência busca formas de reagir a campanhas de Moscou que espalham mentiras sobre Estocolmo

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Steven Lee Myers
Estocolmo | The New York Times

Enfrentando um tsunami de desinformação sobre o tratamento dado aos muçulmanos, que nos últimos meses alimentou protestos de Estocolmo a Bagdá, a Suécia decidiu que precisava revidar.

Recorreu à Agência de Defesa Psicológica, parte do Ministério da Defesa criada pelo governo em 2022. A agência virou a primeira linha de defesa de um país que enfrenta um ataque contínuo de informações do exterior. Os líderes suecos estão recorrendo a uma velha estratégia da Guerra Fria que visava a preparar seus 10 milhões de habitantes para a possibilidade de uma "guerra total" com a União Soviética.

Integrante do Exército da Suécia em exercício militar na ilha de Gotland, em maio de 2022
Integrante do Exército da Suécia em exercício militar na ilha de Gotland, em maio de 2022 - Jonathan Nackstrand - 17.mai.22/AFP

A principal ameaça de hoje –embora não seja a única– é o Estado sucessor da União Soviética, a Rússia. De acordo com autoridades da agência, o Kremlin dirige à Suécia uma campanha online conjurada nas redes sociais e em outros lugares para desacreditar o país e minar sua tentativa de ingressar na Otan.

Depois de trabalhar silenciosamente nos bastidores, a agência agora acusou explicitamente a Rússia de explorar protestos recentes na Suécia, que incluíram a queima de cópias do Alcorão, ato de profanação que é profundamente ofensivo para os muçulmanos. A indignação já surtiu efeito: atrasar a adesão da Suécia à Otan devido às objeções de outro membro, a Turquia.

"Eles estavam em um nível que nunca vimos antes", disse Mikael Tofvesson, diretor de operações da agência, referindo-se especificamente aos esforços russos para ampliar a reação global online a um protesto diante da maior mesquita de Estocolmo em 28 de junho.

Outros países lutaram nos últimos anos para combater as operações de influência estrangeira, incluindo a França, que criou uma agência semelhante, mas a Suécia está agora na linha de frente de uma luta pela segurança do país, por sua coesão social e até mesmo por suas bases democráticas. A invasão da Ucrânia e a posterior decisão da Suécia de tentar o acesso à Otan colocaram o país na mira da Rússia.

O trabalho da Agência de Defesa Psicológica pode se tornar um modelo de como governos democráticos podem reagir –ou um símbolo de sua ineficácia contra determinados adversários autoritários.

O premiê sueco, Ulf Kristersson disse que "Estados e atores equivalentes" estão "explorando ativamente" os protestos na Suécia. Em declaração junto com o líder dinamarquês no final do mês passado, ele disse que a Suécia enfrenta "a situação de segurança mais séria desde a Segunda Guerra Mundial".

Lá, como em outros lugares, a questão sobre o que fazer diante de um ataque de informação tornou-se cada vez mais preocupante, opondo tradições de tolerância à liberdade de expressão contra os perigos que são as informações online mal intencionadas.

Nos Estados Unidos, o debate tornou-se cada vez mais partidário, com os republicanos acusando o governo federal de sufocar os críticos. No ano passado, um esforço para criar um conselho consultivo de desinformação no Departamento de Segurança Interna foi frustrado em meio a forte oposição.

A Agência de Defesa Psicológica também despertou preocupações políticas quando foi proposta, mas seus líderes salientaram que o mandato permite que ela lide apenas com fontes estrangeiras de desinformação, não com conteúdo gerado na Suécia.

O desafio é o mesmo enfrentado pelas democracias que, por princípio, recusam-se a impor ideologias oficiais, permitindo pontos de vista divergentes sobre o que é verdadeiro ou falso. "O governo não pode controlar a verdade se for uma democracia", disse Hanna Linderstal, fundadora da empresa de segurança cibernética Earhart, em Estocolmo, e conselheira da União Internacional de Telecomunicações, da ONU.

A Agência de Defesa Psicológica iniciou suas operações em janeiro de 2022, mas antes algumas de suas funções recaíam sobre um departamento da Agência de Contingências Civis. Suas raízes remontam a 1953, quando a Suécia, embora neutra, temia a dominação soviética na luta entre Ocidente e comunismo.

A decisão de reativar a capacidade do país de combater uma guerra de informações ocorreu após a tomada da Crimeia da Ucrânia pela Rússia em 2014, iniciando uma intervenção militar que tem sido caracterizada por ondas de desinformação. Autoridades da Suécia, assim como de outros lugares, expressaram preocupação com o fato de que a propaganda tenha conseguido semear confusão e dúvida entre os eleitorados europeus, minando as políticas de governo para conter a agressão da Rússia.

Quando se trata de uma guerra de informação, disse Pär Norén, analista sênior que conduz sessões de treinamento para a agência, "o cérebro é o campo de batalha".

Desde o início da agência, a Suécia enfrentou intensas campanhas de desinformação. Elas começaram no final de 2021 com postagens em redes sociais expressando raiva pela situação de um imigrante iraquiano na Suécia cujos filhos foram retirados de sua custódia pelos serviços locais de proteção a crianças.

Isso se transformou em falsas acusações de que a Suécia estava sequestrando crianças muçulmanas e forçando-as a comer carne de porco ou a violar as tradições islâmicas, que se espalharam online em países de língua árabe, incluindo Egito, Marrocos e Líbano, assim como a Turquia.

O imigrante não era muçulmano, na verdade, mas sabiano mandeu, adepto de uma antiga fé monoteísta do sul do Iraque que reverencia João Batista, entre outros profetas.

As acusações persistiram na internet, inclusive em um canal do YouTube com quase 1 milhão de assinantes que as divulgou pela primeira vez. Uma das redes de televisão estatais da Rússia continuou neste ano com uma reportagem semelhante, envolvendo uma família de imigrantes etnicamente russos da Letônia, dizendo que a Suécia não permitia que as crianças falassem russo, o que não é verdade.

O governo demorou a responder às acusações sobre os serviços sociais, mas o novo governo de Kristersson anunciou uma série de medidas em resposta neste ano, incluindo a contratação de mais funcionários pela Agência de Defesa Psicológica, que agora tem 55 membros.

A sede da agência fica em Karlstad, e ela tem um escritório em Solna, um subúrbio de Estocolmo. Lá, ocupa um prédio amarelo discreto no campus do Hospital Universitário Karolinska, que abriu suas portas para refugiados e vítimas da Guerra da Ucrânia. "O que vemos agora é uma guerra em grande escala na Europa", disse o diretor-geral da agência, Magnus Hjort, um historiador que escreveu um relatório propondo a reconstituição de um departamento dedicado à defesa psicológica. "E a Suécia não é neutra."

Segundo a agência, a mídia estatal russa e contas na internet também ampliaram protestos que incluíram a queima do Alcorão nos últimos dois anos –em russo e em árabe em todo o Oriente Médio. Algumas das fontes, descobriu-se, eram as mesmas que divulgavam notícias falsas sobre o sequestro de crianças muçulmanas. Outros pesquisadores sugeriram que russos estavam ajudando a instigar os protestos.

"A melhor maneira de proteger uma sociedade contra a desinformação, se você vive numa sociedade democrática, é aumentar a conscientização sobre as ameaças e suas próprias vulnerabilidades entre a população, para que tomem a decisão certa", disse Tofvesson, diretor de operações. "Esse é o jeito sueco."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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