Catedral de Washington troca generais escravistas por manifestantes negros em vitrais

Igreja retira imagens de militares da Guerra Civil; para críticos, instituição quer reescrever história dos EUA

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Washington

A Catedral Nacional de Washington defenestrou os generais Robert E. Lee (1807-1870) e Stonewall Jackson (1824-1863). Defensores da escravidão, eles adornavam os vitrais de uma das igrejas mais importantes dos Estados Unidos. No último sábado (23), foram substituídos por imagens de manifestantes negros.

A mudança é drástica, mas não inesperada. O país vem discutindo há anos o legado da Guerra Civil (1861-1865), que opôs o norte abolicionista ao sul escravagista. Lee e Jackson são considerados símbolos da ideia de que as vidas de pessoas negras importam menos. Suas estátuas e monumentos têm sido derrubados aos poucos, como resultado de debates sobre a justiça racial.

Vitrais com os dizeres 'fairness' (justiça) em substituição aos que homenageavam generais confederados na Catedral Nacional de Washington - Elody Crimi/Catedral Nacional de Washington

"Os vitrais retratavam símbolos da supremacia branca", diz Kevin Eckstrom, porta-voz da catedral. Entre esses símbolos estava a bandeira da Confederação, nome dado ao Sul americano durante o conflito do século 19. "Era uma mensagem bastante clara de que nem todos eram bem-vindos."

Apesar de a mudança nas janelas ser pontual —são quatro vitrais entre dezenas—, toca em um ponto central do debate público nos Estados Unidos. O país foi às ruas em 2020 na onda de protestos que se seguiram ao assassinato de George Floyd sob o lema do movimento Black Lives Matter (vidas negras importam), e o tema continua a ser relevante para as eleições presidenciais do ano que vem, em que há a possibilidade do retorno de Donald Trump.

A Catedral Nacional foi fundada em 1906 como uma igreja episcopal. A construção levou décadas. As imagens dos generais Lee e Jackson foram instaladas nos anos 1950, como resultado do lobby de organizações que celebram o legado da Confederação. Ficavam em um canto perto do altar e também perto do túmulo do ex-presidente Woodrow Wilson (1856-1924), que governou o país de 1913 a 1921.

"Essas organizações queriam que Lee e Jackson estivessem aqui dentro, como um tipo de bênção", afirma Eckstrom. "Para muitos americanos negros, era também um modo de deixar claro quem estava no controle."

Nos anos 2010, porém, a presença dos generais começou a ficar insustentável. Em 2015, um atirador matou nove pessoas negras em uma igreja na Carolina do Sul. Em 2017, racistas brancos foram às ruas proteger uma estátua de Lee na Virgínia, brandindo símbolos da Confederação —como os vitrais da catedral.

A igreja levou alguns anos para decidir o que pôr no lugar. "Tudo aqui tem uma razão de ser. Quando você coloca um novo elemento, está pensando nos próximos séculos", afirma. Foi contratado o artista Kerry James Marshall, que desenhou os novos vitrais: o retrato de um protesto de pessoas negras, símbolo de um grupo que luta por seus direitos civis.

Veja antes e depois de vitrais da Catedral Nacional de Washington

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Composição com vitrais que homenageavam generais confederados na Catedral Nacional de Washington
 Vitrais com os dizeres 'fairness' (justiça) em substituição aos que homenageavam generais confederados na Catedral Nacional de Washington

Igreja que é uma das mais importantes dos EUA trocou vitrais retratando os generais escravagistas Robert E. Lee (1807-1870) e Stonewall Jackson (1824-1863) por imagens de manifestantes negros - Catedral Nacional de Washington

A inauguração, no sábado, contou com a presença de Ketanji Brown Jackson, primeira juíza negra na história da Suprema Corte dos EUA. Ela leu um trecho de um texto de Martin Luther King Jr. (1929-1968) sobre a importância da justiça racial.

Desde sua inauguração, a catedral tem incorporado valores do tempo presente. Os vitrais, por exemplo, mesclam narrativas bíblicas com símbolos americanos —o Congresso, a Casa Branca e a Suprema Corte estão nas janelas de vidro.

Há também vitrais celebrando figuras latino-americanas, entre elas o patrono do Itamaraty, José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco (1845-1912), que aparece ao lado de Simón Bolívar (1783-1830), um dos líderes da independência do continente. Em outra parte, surgem os rostos de pessoas como Rosa Parks (1913-2005), a ativista negra americana célebre por se recusar a ceder seu lugar no ônibus a um homem branco durante a fase em que a segregação racial era amparada pela lei.

Houve resistência à troca dos vitrais, em especial por parte do setor da população que ainda celebra a Confederação. Um de seus principais argumentos é o de que a Catedral está reescrevendo a história, livrando-se de personalidades que foram influentes no passado. O debate se assemelha ao que existe em São Paulo em torno das figuras dos bandeirantes.

"Não estamos apagando a história, só não precisamos colocar essas pessoas em pedestais", diz Eckstrom. Os vitrais antigos —agora em um depósito no sótão da catedral— retratavam Lee e Jackson quase como santos. "Esta é nossa história", afirma, apontando para as janelas novas, pelas quais a luz entra, colorida. "É isso o que Deus espera da gente."

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