Descrição de chapéu Armênia Rússia

Êxodo de área armênia no Azerbaijão dispara crise humanitária

EUA tentam intervir em favor de refugiados de Nagorno-Karabakh; mortos em explosão de posto chegam a 68

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São Paulo

O êxodo dos moradores do enclave armênio étnico de Nagorno-Karabakh começou a tomar forma de grave crise humanitária, levando os Estados Unidos a tentar intervir diretamente para levar ajuda à região.

Segundo o governo da Armênia, mais de 28 mil dos 120 mil moradores do local já fugiram para o país. Em um incidente que parece ter a ver com a corrida por gasolina para deixar a região, ao menos 68 pessoas morreram e mais de 300 ficaram feridas na explosão de uma estação de combustível perto da capital regional, Stepanakert, na noite de segunda-feira (25).

Refugiados de Nagorno-Karabakh em centro de registro da Cruz Vermelha em Goris (Armênia)
Refugiados de Nagorno-Karabakh em centro de registro da Cruz Vermelha em Goris (Armênia) - Alain Jocard/AFP

O enclave foi conquistado pelo Azerbaijão após um ataque surpresa na semana passada, encerrando 32 anos de disputas sobre a soberania do local. Apesar de habitado por armênios desde o século 2º a.C., ele ficou em território azeri quando a União Soviética —que abarcava todo o Cáucaso— implodiu em 1991.

"Não sabemos como vai ser agora. Tenho família aqui, vim com minha mãe de 80 anos e meus filhos, de 10 e 15, mas precisamos de ajuda", disse por aplicativo de mensagem Hayk, que chegou ao sul armênio nesta terça-feira (26) após quase um dia inteiro de uma viagem que não duraria mais de três horas em circunstâncias normais.

Engenheiro em Stepanakert que pede para não ter o sobrenome divulgado, ele conta que já estava sem trabalho há alguns meses, devido à pressão das forças de Baku, que fecharam o acesso à região. Palco de duas guerras, uma vencida pelos armênios nos anos 1990 e outra, pelos azeris em 2020, Nagorno-Karabakh só tem uma ligação por terra com a Armênia, o chamado corredor de Lachin.

Ele ainda está aberto, mas as condições estão ficando cada vez piores, com a estrada lotada de carros de pessoas que, como Hayk, fugiram com poucos pertences, temendo uma limpeza étnica por parte dos azeris. O autocrata que governa o Azerbaijão, Ilham Aliyev, prometeu proteger quem quiser ficar, mas não parece ter sido muito convincente.

Relatos recolhidos pela agência Reuters com aqueles que fizeram a travessia vão na mesma direção, com famílias chegando famintas ao território armênio. O Ministério da Defesa da Rússia diz que seus 2.000 soldados da força de paz que garantia o cessar-fogo de 2020, rompido por ora, seguem operando na região.

Historicamente, Moscou é a protetora de Ierevan, mantendo inclusive sua maior base no exterior em Gyumri, na Armênia. Mas os países estão à beira de um rompimento, com Vladimir Putin tendo se acertado com o fiador de Baku, o instável aliado turco Recep Tayyip Erdogan, teoricamente para garantir estabilidade na sua fronteira sul enquanto concentra esforços na Guerra da Ucrânia.

Os EUA, que já haviam sinalizado querer ocupar espaço russo, mas assistiram impassíveis aos desdobramentos da crise, enviaram para Ierevan a chefe de sua principal agência de ajuda humanitária, a Usaid.

Samantha Power exortou os azeris a permitir a entrada de ajuda na região. Ela encontrou-se com o isolado premiê Nikol Pashinyan e entregou uma carta do presidente Joe Biden condenando a ação militar de Baku e dando apoio aos armênios.

O problema de Pashinyan é que ele caiu em desgraça junto a Putin enquanto seu país só estreitava os laços econômicos com Moscou. Ele é criticado também em Nagorno-Karabakh —os líderes da região consideram que o premiê não fez nada para evitar a ação azeri.

Putin, por sua vez, conversou sobre a crise com outro aliado regional importante, o presidente iraniano, Ebrahim Raisi. Teerã tem fronteira com a Armênia e com o exclave azeri de Nakhchivan —provável novo ponto de tensão na região, já que Aliyev e Erdogan defenderam na segunda (25) a criação de uma ligação terrestre entre o Azerbaijão e o território.

Além disso, há o temor de que o apetite de Baku e Ancara cresça mirando a região norte do Irã, habitada por azeris étnicos segundo a classificação local e lar de 20 milhões dos 80 milhões de moradores do país.

Durante conversas sobre a crise entre assessores de Baku e de Ierevan em Bruxelas, a convite da União Europeia, o enviado azeri Hikmet Hajiyev negou que haja intenções de uso de força. "O Azerbaijão não tem nenhum objetivo militar ou sobre a soberania da Armênia. Nossa sugestão é construir linhas de conectividade, de transporte, pacificamente", afirmou, em referência ao fato de que o sul armênio separa Nakhchivan de seu país.

Power, a chefe da Usaid, trouxe na bolsa míseros US$ 11 milhões (R$ 55 milhões) de ajuda imediata, mas prometeu mais. Refugiado pela segunda vez na vida —a primeira foi no conflito inicial entre armênios e azeris por Nagorno-Karabakh após a dissolução da URSS, ocorrido entre 1988 e 1994— Hayk diz acreditar que todos os seus vizinhos desistirão de morar no território, e que mais caos ocorrerá.

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