Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Ocidente é 'império de mentiras', diz chanceler da Rússia na ONU

Segundo Serguei Lavrov, potências ocidentais estão em 'guerra direta' contra Moscou na Ucrânia

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São Paulo

Diante de uma plateia esvaziada na Assembleia-Geral da ONU, Serguei Lavrov, ministro veterano das Relações Exteriores da Rússia, afirmou que o Ocidente é um "império de mentiras". Depois, em entrevista, o chanceler disse que potências da região estão em "guerra direta" contra Moscou na Ucrânia.

"Americanos e europeus desprezam o resto do mundo, fazem todo tipo de promessas e não as cumprem", disse Lavrov, mencionando o acordo que teria sido feito por líderes da Otan de não expandir a aliança militar para o Leste Europeu, movimento usado como justificativa para o conflito na Ucrânia.

O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, durante discurso na Assembleia-Geral da ONU, em Nova York - Eduardo Muñoz/Reuters

Entre outras promessas não cumpridas pelo Ocidente, segundo Lavrov, está o direcionamento de US$ 100 bilhões (R$ 491 bilhões) anuais a nações emergentes para mitigar os efeitos da crise climática —ele disse que alguns países gastam muito mais armando a Ucrânia na guerra contra a Rússia. "Se compararem o quanto [o Ocidente] gasta apoiando o regime racista em Kiev, vocês vão entender quão esclarecido o Ocidente é realmente."

O apoio ocidental tem sido crucial para Kiev enfrentar a invasão russa. Do início da guerra até fevereiro de 2023, a ajuda militar à Ucrânia liderada pelos EUA chegou a US$ 100 bilhões (R$ 491 bilhões), segundo a chancelaria ucraniana.

Tal investimento faz as potências ocidentais estarem em guerra direta contra Moscou "usando os cadáveres dos ucranianos", acrescentou Lavrov em entrevista coletiva após o discurso. "Podem chamar como quiserem, mas estão lutando diretamente contra nós. Chamamos isso de guerra híbrida, o que não muda as coisas", disse ele.

Na tribuna da ONU, Lavrov também acusou Washington de tentar transformar sua Doutrina Monroe em uma ordem global para manter sua influência em várias regiões do mundo, não só nas Américas. A doutrina, de 1823, preconizava a liderança dos EUA na política do continente americano.

Segundo Lavrov, países liderados por Washington e pela União Europeia, os quais ele chamou de "minoria global", tentam a todo custo impedir a "maioria global", os países em desenvolvimento, de lutar pela reforma das instituições multilaterais para que reflitam melhor a nova realidade mundial.

"Uma revisão da ordem mundial está em curso", disse. "É inexorável a tendência de países da maioria global de fortalecerem sua soberania e de se organizarem porque não querem mais ficar sob o jugo da minoria global. Essas nações [em desenvolvimento] querem ser amigas entre elas."

Ele citou comentários críticos do presidente da França, Emmanuel Macron, à expansão do Brics, grupo que aumentou seu número de membros em agosto, durante reunião em Joanesburgo, na África do Sul.

"Se alguém quer se reunir sem eles, eles já encaram como uma ameaça", disse, referindo-se ao Ocidente. Lavrov afirmou que, pela primeira vez desde 1945 existe uma chance real de democratizar os assuntos globais. Os EUA, porém, fazem tudo o que é possível para impedir o fortalecimento de "uma nova ordem mundial genuinamente multipolar", segundo ele. "O Ocidente ainda acredita ser superior a todos os outros."

Assim como o governo do Brasil e de outras nações em desenvolvimento, o chanceler defendeu a reforma no sistema de cotas e votos no Banco Mundial e no FMI (Fundo Monetário Internacional), que dão um peso maior a nações desenvolvidas em sua estrutura de comando, e a reabilitação da OMC (Organização Mundial de Comércio), paralisada desde dezembro de 2019.

Ele pediu mais representatividade de América Latina, África e Ásia entre os membros permanentes e não permanentes do Conselho de Segurança da ONU e acusou os EUA de minar as reformas.

"Já passou da hora de reformar a governança global", disse. "Os EUA e seus aliados não querem negociar para tornar os processos globais mais justos." Caso o impasse se mantenha, continuou, os países da maioria global terão que desenvolver seus próprios foros, "não dependentes dos instintos neocoloniais das grandes potências".

O russo voltou a criticar as sanções impostas à Rússia por conta da invasão da Ucrânia, afirmando que as "restrições ilegais" prejudicam "os estratos mais vulneráveis da sociedade e causam uma crise de alimentos e energia".

O Brasil se opõe às sanções, assim como ao embargo americano contra Cuba, o que também foi criticado por Lavrov. Em um trecho de acenos a países em desenvolvimento, o russo ainda instou os EUA a "abandonar o sufocamento da Venezuela". Devido à alta dos preços do petróleo, o governo americano vem, gradualmente, relaxando as sanções contra o regime de Nicolás Maduro.

Os EUA também foram criticados quando o chanceler citou o conflito entre Israel e Palestina. Washington, afirmou Lavrov, tem o monopólio da mediação e impede que a questão seja resolvida.

Nas últimas cinco décadas como diplomata, primeiro pela União Soviética e depois pela Rússia, Lavrov conquistou respeito e poder —ele está há quase duas décadas no cargo de chanceler. Para comparação, os EUA tiveram sete secretários de Estado nesse período, de Colin Powell a Antony Blinken, passando por Hillary Clinton e Mike Pompeo.

Nos últimos meses, o diplomata se tornou o defensor público da invasão da Ucrânia, já que seu chefe, o presidente Vladimir Putin, reduziu as viagens internacionais após o Tribunal Penal Internacional (TPI) decretar sua prisão, em março. Assim como o líder russo, Lavrov tem retomado uma certa retórica de Guerra Fria e parece saudoso dos tempos em que a Rússia dava as cartas.

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