Quase metade dos armênios de Nagorno-Karabakh já fugiu

Azerbaijão prende liderança de área autônoma conquistada por Baku na semana passada

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São Paulo

Cerca de 45% dos moradores do território armênio étnico de Nagorno-Karabakh, no Azerbaijão, já deixaram a região desde que Baku a conquistou em uma ação militar relâmpago na semana passada.

Segundo a Armênia informou nesta quarta (27), quase 54 mil pessoas já entraram no país, formando longas filas de carros, ônibus e tratores na estrada que liga o enclave a Goris, cidade logo após a fronteira onde os refugiados estão sendo recebidos e atendidos.

Imagem de satélite da empresa Maxar mostra fila de veículos na sinuosa estrada de montanha que liga Nagorno-Karabakh à Armênia
Imagem de satélite da empresa Maxar mostra fila de veículos na sinuosa estrada de montanha que liga Nagorno-Karabakh à Armênia - Maxar Technologies - 26.set.2023/AFP

A crise humanitária ganhou corpo nesta semana, com o início do êxodo. Para piorar a situação, um aparente acidente num posto de gasolina cheio de refugiados buscando encher o tanque de seus veículos deixou ao menos 68 mortos na segunda (25).

Paralelamente ao drama humano, expresso por centenas de famílias que chegam com a certeza de que será muito difícil voltar ao enclave, houve nesta quarta a primeira prisão de uma figura de proa do território que foi disputado pelo Azerbaijão desde o rompimento da União Soviética, em 1991.

O banqueiro Ruben Vardanyan, um bilionário que liderou o governo separatista de Nagorno-Karabakh de novembro de 2022 a fevereiro deste ano, foi detido quando tentava passar pela fronteira. Segundo a polícia azeri, que não deu muitas explicações, ele foi enviado para Baku.

O êxodo em curso é decorrência da longa história de violência étnica na região. Nagorno-Karabakh ficava dentro do território azeri, embora fosse habitada há séculos por armênios, cortesia da implosão do império comunista —quando tanto Baku quanto Ierevan eram capitais de repúblicas soviéticas, o que reduzia a tensão nacionalista.

Duas guerras foram travadas, com talvez 20 mil mortos, de 1992 a 1994 e em 2020. Na primeira, os armênios conquistaram áreas em torno de Nagorno-Karabakh, garantindo na prática a autonomia da região como uma república autônoma não reconhecida pela ONU. Na segunda, Baku retomou esses territórios, acertando um cessar-fogo frágil com os russos.

Potência até então dominante da região, Moscou passou a lidar com uma situação nova: a ascensão da Turquia, aliada e fiadora do Azerbaijão, um governo instável e quase hostil a si em Ierevan e o enfraquecimento de sua posição relativa no Cáucaso devido ao foco, a partir de 2022, na Guerra da Ucrânia.

Com isso, um arranjo imolando Nagorno-Karabakh foi feito entre Vladimir Putin e Recep Tayyip Erdogan, o ambicioso presidente turco. O que o russo ganhou em troca é objeto de especulação, mas é possível dizer que as suas fronteiras ao sul agora estão mais estabilizadas ante a presença do Ocidente.

Assim, em 24 horas de bombardeio na semana passada, Baku subjugou militarmente Nagorno-Karabakh sem a interferência dos 2.000 soldados russos que garantiam os termos do cessar-fogo na região.

Sob essa lógica, é melhor para Putin perder poder para Erdogan do que para os EUA, que insinuaram apoio à Armênia e agora lideram o coro dos queixosos na região, sem muito o que fazer na prática.

Nada muito diferente do que ocorreu em 2008, quando o Kremlin lutou uma curta guerra para impedir a Geórgia, que com os armênios e os azeris forma o Sul do Cáucaso, de aderir ao clube militar Otan. Até hoje, cerca de 20% do território georgiano é administrado por russos étnicos em autoproclamadas repúblicas autônomas.

Países da União Europeia também têm feito o que podem: reclamar. "O que precisamos agora é transparência, e os olhos e ouvidos da comunidade internacional no local", escreveu no X (antigo Twitter) a ministra das Relações Exteriores alemã, Annalena Baerbock, ao defender monitores independentes na região.

O Azerbaijão não irá permitir isso e, se o fizer, talvez todos os armênios de Nagorno-Karabakh já estarão na condição de refugiados. Integrantes de organizações de defesa dos direitos deles afirmam, contudo, temer pelo destino daqueles ainda mais pobres, que nem condições para se unir ao êxodo têm.

Baku nega que deseje a limpeza étnica, e o autocrático presidente Ilham Aliyev afirmou que irá tornar a região "um paraíso novamente". Não se sabe quando ela o foi, mas dificilmente serão seus moradores originais que irão eventualmente desfrutar da promessa.

O governo do premiê armênio Nikol Pashinyan segue pressionado em Ierevan, com protestos pedindo sua renúncia. Ele foi criticado também por líderes de Nagorno-Karabakh, que o viram como impotente. Agora, há um temor na Armênia de que o Azerbaijão tente ligar-se ao seu exclave de Nakhchivan, a oeste, passando pelo sul de seu território.

Baku nega intenções militares, mas diz que quer estabelecer conexão de transporte mais clara na região, onde moram quase 100 mil dos 10 milhões de azeris. Ainda nesta quarta, os chanceleres da Armênia e da Turquia discutiram a crise numa rara conversa por telefone —os países não têm relações diplomáticas, em grande parte pela discordância acerca da responsabilidade otomana no genocídio armênio de 1915.

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