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Guerra da Ucrânia Rússia

Zelenski ajuda Putin ao lamentar perda de armas nucleares

Ucraniano faz discurso sombrio e tenta apelar a países não alinhados, como o Brasil, na ONU

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São Paulo

No dia 19 de fevereiro do ano passado, às vésperas da invasão russa da Ucrânia, o presidente Volodimir Zelenski fez um célebre discurso na Conferência de Segurança de Munique (Alemanha).

Nele, o ucraniano dizia que Moscou havia "violado grosseiramente" os acordos de garantias territoriais entre Rússia, Ucrânia, Belarus e Cazaquistão, assinado após a dissolução da União Soviética que abrigou esses e outros 11 países até 1991.

O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, durante seu discurso na Assembleia-Geral da ONU
O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, durante seu discurso na Assembleia-Geral da ONU - Mike Segar/Reuters

Assim, disse, "todo o pacote de decisões" finalizado em 1994, incluindo o status desnuclearizado da Ucrânia, "estaria em dúvida". Foi um tiro no pé retórico, ainda que um realista tenha de concordar que, se tivesse mantido as 1.700 ogivas soviéticas que operava, a Ucrânia dificilmente seria invadida em 2022.

Já com suas tropas prontas para invadir, Vladimir Putin não teve dúvida em denunciar a intenção ucraniana de desenvolver armas nucleares para atacar a Rússia —logo, ao lado de outros exageros como o suposto domínio de nazistas sobre um presidente judeu no vizinho, só restaria ao Kremlin atacar preventivamente.

O discurso se perdeu com o desenrolar do conflito, mas por algum motivo Zelenski resolveu reeditar o disparo, agora no outro pé, ao estrear como presidente de um país em guerra ao vivo no púlpito da Assembleia-Geral da ONU nesta terça-feira (19).

Para uma plateia um tanto incrédula, o ucraniano começou seu discurso lamentando de forma sombria o fato de que a Ucrânia abriu mão "do terceiro arsenal mundial de armas nucleares". Teceu uma narrativa algo tortuosa sobre a Guerra Fria, dizendo que o mundo buscou o desarmamento nuclear, "uma boa estratégica, mas que não deve ser a única estratégia".

O mundo, disse sem apontar nomes, "decidiu que a Rússia deveria ser a única dona desse poder" deixado pela União Soviética. "A história mostrou que era a Rússia que merecia o desarmamento nuclear nos anos 1990", afirmou.

Se pretendia ganhar aliados, ainda que a lógica seja defensável na "realpolitik" mais básica, Zelenski só fará alimentar na Rússia o discurso de que ao fim ele quer nuclearizar a Ucrânia e ameaçar o grande vizinho.

Em relação aos potenciais clientes de seu discurso a seguir, que repassou os temas da agressão russa, da retirada de crianças de seu território e da questão da inflação mundial de alimentos decorrente da guerra, certamente não foi o melhor ponto de venda —que incluiu as já conhecidas roupas verde militar e o grito de "Glória à Ucrânia" ao fim da fala.

O momento é delicado, além de o palco da ONU estar bastante esvaziado de relevância neste ano: a contraofensiva ucraniana falhou até aqui em atingir algum objetivo estratégico e o seu tempo de execução antes das chuvas do outono local está acabando. Kiev tem apostado em ações mais vistosas, como contra navios russos.

Mas o problema central acerca do quanto de seu solo está ocupado não mudou —ao contrário da boa-vontade ocidental, como o discurso do presidente polonês, Andrzej Duda, cobrando mais gratidão de Kiev, mostrou.

Pois Zelenski claramente mirava países como Brasil e Índia —vistos em Kiev e Washington como aderentes de uma neutralidade que favorece Putin— quando dizia que o mundo todo corria riscos com a Rússia, não só a Ucrânia e as nações ricas. No caso brasileiro, diferentemente do indiano, a nação condenou a guerra, mas se recusa a aderir e denuncia como perverso o regime de sanções ocidentais contra Moscou.

Já no indiano, nem isso. Há críticas, mas o que importa foi o aumento de 14 vezes na importação de petróleo russo barato em 2022 por Nova Déli. Os EUA poderiam agir pressionando, e quem ouviu o discurso do presidente Joe Biden até acreditaria nisso, mas na prática receberam o premiê Narendra Modi numa pomposa visita de Estado —assim como fez a França depois.

O que importa ao Ocidente é o peso econômico, político e militar da Índia, um anteparo à rival China, aliada de Putin, na Ásia. Isso tudo o Brasil não tem. Assim, se realmente se encontrar com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta quarta (20), não parece que será com lamentos nucleares que Zelenski conseguirá alguma declaração favorável à sua causa. Pior, dada a simpatia de Lula por Putin, é capaz ainda de ouvir alguma reprimenda.

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