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Guerra da Ucrânia União Europeia

Depois dos EUA, França também estende tapete vermelho à Índia

Modi, hoje o Lula que deu certo na diplomacia mundial, consolida prestígio e compra armas em Paris

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São Paulo

Envergando a prestigiosa Legião da Honra, assentado em lugar de gala no desfile do Dia da Bastilha e com R$ 45 bilhões comprados em caças e submarinos dos anfitriões, Narendra Modi consolidou-se como a estrela da vez na diplomacia mundial durante uma badalada visita de Estado à França.

Tratado como convidado de honra da principal data nacional francesa, nesta sexta-feira (14), o primeiro-ministro indiano foi recebido com pompas pelo presidente francês, Emmanuel Macron, menos de um mês após ter recebido tratamento análogo na Casa Branca por Joe Biden.

Modi e Macron durante o desfile militar do Dia da Bastilha na avenida Champs-Élysées, coração de Paris
Modi e Macron durante o desfile militar do Dia da Bastilha na avenida Champs-Élysées, coração de Paris - Emmanuel Dunand/AFP

Há objetivos comuns, mas diferenças de enfoque nas duas visitas. Washington já é o maior parceiro econômico da Índia, tornada neste ano a nação mais populosa do planeta, com 1,4 bilhão de habitantes.

Mas ambos os países têm em comum a necessidade de contrabalançar o peso da China, rival estratégica dos dois na Guerra Fria 2.0, no Indo-Pacífico. Assim, o caráter militar do passeio de Modi pelos EUA, no qual comprou cerca de R$ 15 bilhões em drones de vigilância marítima e conseguiu um contrato para produzir motores de caça sob licença em seu país, foi bastante enfatizado.

Macron, que não perdoa Biden por ter lhe roubado um contrato bilionário de venda de submarinos à Austrália no mesmo contexto de pressão sobre a China, teve sua relativa vingança. Vendeu três vezes mais armas a Modi, um pacote anunciado de mais 26 caças Rafale, os primeiros na versão naval para uso em porta-aviões que Paris já conseguiu exportar, e três submarinos da classe Scorpène. De quebra, tirou o caça americano Boeing F/A-18 do páreo.

Mas o francês não está tão interessado em antagonizar-se com Pequim, ao contrário: na reunião de cúpula da Otan nesta semana, a diplomacia de Macron foi creditada com o abandono do plano de abrir um escritório da aliança militar em Tóquio —o que sinalizaria diretamente a Xi Jinping a hostilidade do grupo.

Isso dito, Paris quer melhorar o acesso ao mercado indiano, no qual é ator lateral. Em 2022, de acordo com dados da ONU, a França foi o destino de apenas 1,8% das exportações da Índia, dez vezes menos do que os EUA, o líder do ranking. Na mão inversa, os franceses compraram só 0,59% das exportações indianas —aqui os americanos são os terceiros colocados, com 7,2% do bolo.

O incremento nas trocas comerciais parece inevitável. As duas maiores encomendas de aviões da história foram feitas neste ano por empresas indianas, favorecendo a Boeing americana, mas principalmente a Airbus europeia —que tem sede e gestão francesas.

Na mira comum tanto dos EUA quanto da França está a Rússia de Vladimir Putin, adversária do Ocidente na Guerra da Ucrânia. Moscou foi, segundo o Instituto Internacional de Estudos da Paz de Estocolmo, responsável por 45% das compras militares indianas de 2018 a 2022.

Nova Déli é a mais faminta consumidora mundial de armas e é grande cliente russa desde os tempos da União Soviética. Seu principal caça é o poderoso Su-30MKI, a versão indiana feita sob licença no país. Mas nos últimos anos o país variou o cardápio, inclusive com material francês.

Em 2005, comprou a tecnologia para fazer seis submarinos Scorpène em Mumbai, um esquema semelhante ao que o Brasil adotou em 2009 com o mesmo modelo, mas o projeto sofre com atrasos. Em 2016, fez uma grande compra de 36 caças Rafale, versão operada só em solo, esta uma entrega bem-sucedida que alavancou o avião para outras exportações.

Com a guerra, os russos têm tido dificuldade para cumprir seus contratos com a Índia, segundo relatos feitos pelo governo ao Parlamento. Assim, Putin fica numa posição vulnerável nesse mercado, o que atiça atores ativos como os franceses e os americanos.

Por outro lado, Modi não demonstra vontade alguma de abandonar sua posição de não alinhamento. Até hoje a Índia não condenou a invasão russa nas votações da ONU sobre o tema, e o premiê fez comentários críticos ao militarismo do colega russo de forma bastante comedida.

Por outro lado, aumentou em dez vezes a compra de petróleo russo em 2022, após Moscou sofrer as sanções ocidentais. O volume vem com desconto, dada a necessidade de Putin de financiar sua economia, mas na fotografia todos saem ganhando. Por fim, ambos os países estão no Brics, um bloco tão heterogêneo hoje que inclui a China, adversária de Nova Déli, mas que às vezes serve de fórum para interesses comuns, como o pagamento em yuans de óleo russo por indianos.

O assédio ocidental e a boa relação com Moscou lhe garantem a invejada posição de candidato ideal a mediação em assuntos como a guerra. É o papel que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) almejava, como as frustradas tentativas de entrar no jogo mostraram.

Só que falta ao Brasil a musculatura econômica, política e militar para fazer valer sua ambição. Nesse sentido, Modi é o Lula que deu certo na diplomacia mundial hoje.

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