Descrição de chapéu indígenas

Indígenas da Austrália dizem que 'reconciliação está morta' após derrota em referendo

Votação no sábado rejeitou inclusão de aborígenes na Constituição do país

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Sydney | Reuters

Após a maioria dos australianos negarem em referendo o reconhecimento dos aborígenes como primeiros habitantes do território, líderes indígenas pediram uma semana de silêncio e reflexão sobre o resultado.

No sábado (14), mais de 60% dos australianos disseram não à reformulação da Constituição para a criação de um órgão consultivo para lidar com temas relacionados aos aborígenes e aos povos do Estreito de Torres no Parlamento. Na Austrália, para ser aprovado, um referendo precisa ter maioria dos votos em quatro dos seis estados do país e, concomitantemente, maioria de votos em nível nacional.

Estátuas de indígenas australianos em frente à Embaixada da Tenda Aborígene, localizada fora do antigo Parlamento, em Camberra - David Grey - 15.out.23/AFP

"Esta é uma amarga ironia", disseram os líderes indígenas em comunicado. "Que pessoas que estão neste continente há apenas 235 anos se recusem a reconhecer aqueles cujo lar esta terra tem sido há 60 mil anos ou mais é algo além da razão." Eles acrescentaram que iriam baixar a bandeira dos aborígenes e da Ilha do Estreito de Torres a meio mastro durante a semana.

Os apoiadores da proposta acreditavam que ela inauguraria uma nova era para seus povos autóctones, que compreendem centenas de grupos diferentes, cada qual com suas próprias histórias, tradições e idiomas.

Ao contrário de outras nações com histórias semelhantes, como o Canadá e a Nova Zelândia, a Austrália não reconheceu formalmente nem chegou a um tratado com os seus povos originários. Eles representam 3,8% da população de 26 milhões do país oceânico, mas não são mencionados na Constituição, de 1901. Também formam o grupo mais desfavorecido do país segundo indicadores socioeconômicos, registrando altas taxas desproporcionalmente altas de suicídio, violência doméstica e encarceramento e expectativa de vida cerca de oito anos menor do que a dos australianos não aborígenes.

"Está muito claro que a reconciliação está morta", disse Marcia Langton, arquiteta do rechaçado órgão consultivo, à NITV. "Penso que serão necessárias pelo menos duas gerações até que os australianos sejam capazes de deixar para trás os seus ódios coloniais e reconhecer que existimos."

Na mesma linha, a Reconciliation Austrália, um órgão indígena, disse que o debate sobre o assunto é marcado por "atos feios de racismo e desinformação".

Já o líder indígena australiano e ex-jogador de rugby Lloyd Walker disse que apesar de o caminho para a reconciliação parecer difícil agora, a comunidade precisa continuar lutando. "Podemos dizer que foi derrotado na votação, mas ainda havia 40% das pessoas que o queriam. Anos e anos atrás não teríamos essa percentagem", disse.

A população de aborígenes da Austrália despencou a partir do início da colonização britânica, em 1788. Eles foram expulsos de suas terras, expostos a doenças e forçados a trabalhar em situações semelhantes à escravidão. Muitos ainda foram assassinados pelos colonizadores.

Além disso, uma a cada três crianças aborígenes foi tirada à força de suas famílias entre as décadas de 1910 e 1970 e levada para adoção por australianos não aborígenes, em uma tentativa de inseri-las na sociedade. Em 2008, o governo pediu desculpas pela chamada "Geração Roubada".

O órgão consultivo aborígene, batizado de "Voz no Parlamento", foi proposto na Declaração Uluru do Coração, um documento de 2017 elaborado por cerca de 250 líderes aborígenes que estabeleceu um roteiro para a reconciliação dos povos com o resto da população australiana. Na época, a administração, conservadora, rejeitou o pedido.

Mas a atual administração, do primeiro-ministro de centro-esquerda, Anthony Albanese, recomendou aos australianos que votassem a favor da medida. A derrota da proposta, portanto, representa também um revés para o seu governo.

Após a divulgação dos resultados, o premiê pediu que os australianos fossem bondosos uns com os outros. "Assim como a Declaração de Uluru do Coração foi um convite feito com humildade, polidez e otimismo em relação ao futuro, nesta noite, devemos receber esse resultado com a mesma humildade e polidez. E amanhã devemos buscar um novo caminho com o mesmo otimismo", disse ele em um encontro com a imprensa em Camberra.

A ministra para assuntos relacionados a aborígenes, Linda Burney, aparentava estar segurando as lágrimas ao discursar ao lado de Albanese. Ela admitiu que os últimos meses foram difíceis para essas comunidades e para os povos do Estreito de Torres. "Mas tenha orgulho de quem você é, de sua identidade. Dos 65 mil anos de história e cultura que você carrega, e de seu lugar legítimo neste país. Continuaremos, avançaremos e prosperaremos", disse.

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