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Narges Mohammadi

'Quanto mais nos aprisionam, mais fortes nos tornamos', escreveu ativista Nobel da Paz

No New York Times, Mohammadi afirmou que luta das mulheres no Irã continuará 'até o dia em que a luz vencer a escuridão'

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Narges Mohammadi

Vencedora do Nobel da Paz de 2023, é ativista dos direitos humanos no Irã e autora do livro 'White Torture', sem tradução no Brasil

The New York Times

Vencedora do Nobel da Paz de 2023, segundo anunciado nesta sexta-feira (6), a ativista iraniana pelos direitos humanos Narges Mohammadi, 51, denunciou maus-tratos contra mulheres na prisão em que está detida em um texto publicado no jornal The New York Times no mês passado.

O artigo relembra o aniversário de um ano da morte de Mahsa Amini, ocorrida depois de a jovem curda ser detida pela polícia moral do Irã por supostamente usar o hijab, o véu islâmico, incorretamente. "A repressão violenta e brutal do governo às vezes pode manter as pessoas longe das ruas", afirmou Mohammadi, "mas nossa luta continuará até o dia em que a luz vencer a escuridão e o sol da liberdade abraçar o povo iraniano".

Foto de 2007 da vencedora do prêmio Nobel da Paz de 2023, Narges Mohammadi - Behrouz Mehri - 25.jun.2007/AFP

A ativista é perseguida pelo regime iraniano há 30 anos e já havia sido presa em 2009, quando ficou oito anos na cadeia. Libertada em 2020, voltou a ser detida em 2021, condenada a pouco menos de 11 anos de cárcere.

Eu e minhas colegas de cela estávamos reunidas em uma noite na ala feminina da prisão de Evin, em Teerã, quando vimos uma reportagem na televisão sobre a morte de Mahsa Amini. Neste sábado [16 de setembro], faz um ano que ela morreu sob custódia da polícia moral do Irã, por supostamente não usar o hijab adequadamente. Sua morte desencadeou uma revolta imediata e generalizada —liderada por mulheres— que abalou o país.

Na ala feminina, estávamos cheias de tristeza e raiva. Usávamos nossas curtas ligações telefônicas para juntar informações. À noite, fazíamos reuniões para trocar as notícias que tínhamos ouvido. Estávamos presas, mas fazíamos o que podíamos para levantar nossas vozes contra o regime.

A raiva atingiu seu auge algumas semanas depois, em 15 de outubro, quando um incêndio varreu parte de Evin. Cantamos "Morte à República Islâmica" em meio a tiros das forças de segurança, explosões e chamas. Pelo menos oito pessoas foram mortas.

Milhares das pessoas que protestaram contra a morte de Amini foram presas nos meses seguintes. À medida que o aniversário de sua morte se aproximava, os líderes do Irã se esforçaram para reprimir a dissidência. Fui presa em Evin três vezes desde 2012 por meu trabalho como defensora dos direitos humanos, mas nunca vi tantas novas admissões na ala feminina como nos últimos cinco meses.

Outras alas femininas também ficaram lotadas. Por meio de amigas na prisão de Qarchak, a sudeste de Teerã, soube que cerca de 1.400 novas detentas estavam ali. Outras mulheres foram enviadas para alas de segurança máxima, incluindo a Seção 209 de Evin, administrada pelo Ministério da Inteligência. Uma detenta que foi transferida de Evin para a prisão de Adelabad, em Shiraz, nos contou sobre a chegada de centenas de novas detentas lá.

O que o regime parece não entender é que, quanto mais de nós eles aprisionam, mais fortes nos tornamos.

O moral entre as novas prisioneiras está alto. Algumas falaram com uma estranha facilidade sobre terem escrito seus testamentos antes de irem às ruas pedir mudanças. Todas elas, não importa como foram presas, tinham uma só demanda: derrubar o regime da República Islâmica.

Nos últimos meses, conheci muitas prisioneiras que foram espancadas e feridas, tiveram os ossos quebrados e foram vítimas de agressão sexual. Fiz o meu melhor para documentar e compartilhar esses casos.

Ainda assim, continuamos a levantar nossas vozes. Divulgamos declarações e realizamos reuniões gerais e protestos após as notícias de manifestações massivas, assassinatos nas ruas e execuções. As instituições tentaram nos intimidar e silenciar cortando nossas ligações telefônicas e reuniões semanais com nossas famílias ou abrindo novos processos contra nós.

Nos últimos sete meses, virei réu em seis novos processos criminais por minhas atividades relacionadas à defesa de direitos humanos na prisão e acrescentaram dois anos e três meses à minha sentença, que agora é de dez anos e nove meses.

Comecei a fazer campanha no Irã há 32 anos, quando era estudante. Minha intenção naquela época era lutar contra a tirania religiosa que, juntamente com a tradição e os costumes, levou a uma profunda repressão contra as mulheres neste país.

Essa ainda é minha meta. Agora, ao ver os esforços inovadores de mulheres e meninas durante esse movimento revolucionário, sinto que meus sonhos e objetivos feministas estão mais próximos de se realizarem.

As mulheres surgiram como a vanguarda dessa revolta, demonstrando coragem e resistência imensas, mesmo diante de animosidade e agressão intensificadas por um regime autoritário religioso.

No passado, antes da morte de Amini, eu ouvia relatos de agressões sexuais contra mulheres dentro das prisões femininas. Nunca havia visto pessoalmente tantos ferimentos graves, no entanto, nem me deparado com histórias de assédio e de agressão sexual na magnitude atual.

O regime parece estar propagando intencionalmente uma cultura de violência contra as mulheres. Mas não conseguirá intimidá-las ou contê-las. As mulheres não vão desistir.

Somos impulsionadas pela vontade de sobreviver, estejamos dentro das prisões ou fora delas. A repressão violenta e brutal do regime às vezes pode manter as pessoas longe das ruas, mas nossa luta continuará até o dia em que a luz vencer a escuridão e o sol da liberdade abraçar o povo iraniano.

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