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Nobel da Paz vai para ativista de direitos humanos iraniana presa em Teerã

Narges Mohammadi, 51, cumpre pena por 'propaganda contra o Estado' e difamação e enfrenta o regime há décadas

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São Paulo e Boa Vista

O Prêmio Nobel da Paz de 2023 foi para a ativista iraniana dos direitos humanos Narges Mohammadi, 51, presa em Teerã sob a acusação de "espalhar propaganda contra o Estado". O anúncio foi feito nesta sexta-feira (6) pelo comitê da láurea norueguesa.

"Ela apoia a luta das mulheres pelo direito de ter vidas plenas e dignas", diz o texto que justifica a escolha da ativista. "Esta luta, em todo o Irã, tem sido alvo de perseguição, prisão, tortura e até morte."

Ativista iraniana dos direitos humanos, Narges Mohammadi, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz deste ano
Ativista iraniana dos direitos humanos, Narges Mohammadi, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz deste ano - Arquivo pessoal/Reuters

Mohammadi é há 30 anos perseguida pelo regime iraniano por seu ativismo, iniciado quando ela ingressou na universidade, e por artigos escritos em favor dos direitos das mulheres no país. A ativista foi presa 13 vezes pelas forças estatais e condenada cinco vezes a um total de 31 anos de prisão e 154 chicotadas, de acordo com Berit Reiss-Andersen, presidente do comitê da premiação.

A prisão mais recente ocorreu em 2021, enquanto ela participava de cerimônia pela memória de uma pessoa morta durante protestos contra o regime islâmico ocorridos em 2019. Ela cumpre pena de dez anos e nove meses de reclusão.

Em comunicado que escreveu para o caso de sua vitória, a ativista prometeu permanecer no Irã e seguir batalhando pelas causas em que acredita —mesmo que isso signifique passar o resto de sua vida na prisão.

"De pé, ao lado das corajosas mães do Irã, continuarei lutando contra a discriminação implacável, a tirania e a opressão de gênero comandada por esse regime fundamentalista até que tenhamos a liberdade para as mulheres", declarou.

Mohammadi não vê seus filhos, os gêmeos Ali e Kiana, 16, há oito anos. Eles vivem exilados na França com o pai e marido da Nobel, o também ativista Taghi Rahmani, que já ficou detido por 14 anos.

Taghi Ramahni, marido de Narges Mohammadi, premiada com o Nobel da Paz, exibe foto sem data do casal, em sua residência em Paris, onde vive exilado com dois filhos gêmeos - Christian Hartmann/Reuters

Ao receber a notícia, Rahmani afirmou que a importância da concessão do prêmio à esposa cresceu em razão do momento vivido por seu país, em que o regime "avança contra ativistas de direitos humanos e tenta silenciá-los". "É muito importante que a notícia seja divulgada dentro do Irã, para que chegue a todos os presos políticos, a alma da resistência."

Já Ali, o filho, disse estar "muito orgulhoso" da mãe. Ele contou ao jornal americano The New York Times que estava na escola no momento do anúncio, e que ficou atualizando seu celular debaixo da mesa até o horário da divulgação do prêmio. Quando o nome de Mohammadi apareceu na tela, ele disse, "meu coração parou".

Sua irmã, Kiana, afirmou à mesma publicação que fazia um ano desde que tinha falado com a mãe pela última vez. "Acho que ela está saudável, e imagino que saiba sobre o Nobel, mas não tenho certeza."

Ainda não está claro se Mohammadi recebeu a notícia do prêmio —a família afirma que às sextas-feiras não pode ligar para ela, de modo que a tarefa de compartilhar as boas novas ficaria para este sábado (7). De dentro da prisão de Evin, um grupo de outros presos políticos emitiu, porém, um comunicado elogiando a decisão da premiação europeia, sugerindo que a notícia chegou até lá

A ativista é vice-chefe do Centro de Defensores dos Direitos Humanos, uma organização não governamental liderada por sua conterrânea Shirin Ebadi, advogada, ex-juíza e também vencedora de um Nobel da Paz. Mesmo na prisão, Mohammadi mantém sua atuação política, e tem encorajado a organização de protestos e condenado a repressão a eles desde a morte de Mahsa Amini, sob custódia da polícia moral do país, em setembro de 2022.

Segundo o comitê norueguês, o lema "Mulher, Vida, Liberdade" adotado pelos manifestantes "expressa adequadamente a dedicação e o trabalho de Narges Mohammadi", seja no que se refere à sua luta contra a opressão das mulheres quanto à sua busca por promover os direitos humanos e a liberdade para todos. A láurea deste ano ainda reconheceu os milhares que se manifestaram contra as "políticas de discriminação e opressão" do regime iraniano.

Mohammadi é uma das poucas mulheres que já receberam um Nobel da Paz. Desde o primeiro ano em que ele foi entregue, em 1901, 92 homens venceram o prêmio —mas só 19 mulheres receberam o troféu, contando com a edição de 2023. Isso significa que 83% das premiações foram masculinas.

Ao todo, 351 candidatos haviam sido indicados à láurea neste ano. A cifra é a segunda mais alta da história da premiação, atrás apenas do recorde de 2016, quando houve 376 concorrentes. A curiosidade sobre a lista de indicados só poderá ser sanada, porém, daqui a 50 anos. Os candidatos e aqueles que os indicaram —que envolvem, entre outros, líderes de países e quem eventualmente já foi laureado— ficam em sigilo por cinco décadas.

A ativista iraniana Narges Mohammadi em sua casa em Teerã, no ano de 2001
A ativista iraniana Narges Mohammadi em sua casa em Teerã, no ano de 2001 - Behrouz Mehri - 4.set.01/AFP

A ausência de informação leva a uma corrida, muitas vezes frustrada, de apostas sobre os mais cotados. Para esta edição, eram ventilados nomes como o do cacique Raoni, indígena brasileiro do povo caiapó, e organizações como a Corte Internacional de Justiça e o Grupo de Análise de Dados sobre Direitos Humanos.

No ano passado, os agraciados com o Nobel da Paz foram o ativista Ales Bialiatski, da Belarus, o Memorial, grupo de direitos humanos da Rússia, e o Centro para Liberdades Civis da Ucrânia —o que levou o governo do presidente Vladimir Putin, na Rússia, para o centro do debate pelo segundo ano consecutivo.

Conheça os últimos dez vencedores do Nobel da Paz

  • 2022

    O ativista Ales Bialiatski, da Belarus, o Memorial, grupo de direitos humanos da Rússia, e o Centro para Liberdades Civis da Ucrânia

  • 2021

    Os jornalistas Maria Ressa (filipina) e Dmitri Muratov (russo), pela defesa que fazem da liberdade de expressão, pré-requisito para a democracia e a paz duradoura

  • 2020

    Programa Mundial de Alimentos (PMA), por atuar como uma força motriz nos esforços para prevenir o uso da fome como arma de guerra e conflito

  • 2019

    O primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, que assinou acordo de paz que pôs fim a duas décadas de hostilidades com a Eritreia

  • 2018

    O congolês Denis Mukwege e a iraquiana Nadia Murad, que denunciaram a violência em relação a vítimas de violência sexual como arma de guerra

  • 2017

    Campanha Internacional para Abolir Armas Nucleares (Ican), por chamar a atenção para o risco de armas nucleares

  • 2016

    Juan Manuel Santos, ex-presidente da Colômbia que negociou o acordo de paz com as Farc

  • 2015

    Quarteto para o Diálogo Nacional da Tunísia, pela contribuição decisiva na construção de uma sociedade plural no país

  • 2014

    A paquistanesa Malala Yousafzai e o indiano Kailash Satyarthi, premiados pela defesa dos direitos das crianças e à educação

  • 2013

    Organização para a Proibição de Armas Químicas, sediada na Holanda, por sua defesa da proibição de armas químicas

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