Descrição de chapéu Financial Times terrorismo

Quem é Mohammed Deif, terrorista por trás dos ataques do Hamas contra Israel

Chefe de ala militar do grupo de militantes foi perseguido por Tel Aviv por décadas

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Mehul Srivastava
Financial Times

"À luz dos contínuos crimes contra nosso povo; à luz da orgia da ocupação e de sua negação das leis e resoluções internacionais; e à luz do apoio americano e ocidental [a Israel], decidimos dar um fim a tudo isso", diz um homem filmado envolto em sombras, "para que o inimigo entenda que ele não pode mais se regozijar sem ser responsabilizado".

A voz ouvida no vídeo, divulgado horas após o ataque a Israel no sábado, supostamente pertence a Mohammed Deif, chefe da ala militar do grupo terrorista palestino Hamas e mentor da incursão do grupo ao território nas primeiras horas deste sábado (7).

O ataque matou pelo menos 900 pessoas em Israel e deixou mais de 2.500 cidadãos do país feridos. Também levou a campanha de décadas de Deif contra o Estado judeu a um nível inédito de brutalidade e imprevisibilidade.

Palestinos procuram por sobreviventes após um ataque aéreo israelense em prédios no campo de refugiados de Jabalia, na Faixa de Gaza - Mohammed Abed - 9.out.23/AFP

Enquanto sua mensagem estava sendo transmitida, centenas de combatentes do Hamas estavam rompendo a cerca que separa a Faixa de Gaza do território israelense, infiltrando-se pelo sul de Israel sob a cobertura de milhares de foguetes.

Assim, em questão de horas, o Hamas realizou um ataque sem precedentes contra Israel ao mesmo tempo em que levava dezenas de reféns —estimados no domingo em cerca de cem— de volta ao seu lotado enclave costeiro. As redes sociais do Hamas publicaram vídeos produzidos de forma elegante mostrando seus militantes fazendo parapente sobre a fronteira e imagens chocantes de soldados israelenses mortos e civis aterrorizados.

A ofensiva foi a mais audaciosa e mortífera a ser planejada por Deif até agora —seu nome de guerra, que significa "Hóspede", faz referência à prática de militantes palestinos de passarem cada noite na casa de um simpatizante diferente para evitar a inteligência israelense.

Deif quase morreu em um ataque aéreo há 20 anos que, segundo relatos, fez com que ele perdesse um braço e uma perna e o deixou em uma cadeira de rodas. Sua capacidade de enganar o Exército israelense ao mesmo tempo em que matava soldados e civis rendeu a ele a reverência dos militantes palestinos.

Com o Exército israelense aparentemente pego de surpresa, Deif se catapultou para as mais altas esferas da liderança palestina, eclipsando seus rivais no Fatah, a facção mais moderada favorecida pelo Ocidente, e seus colegas no Hamas, considerado um grupo terrorista pelos Estados Unidos, União Europeia e Israel.

"Mesmo antes disso, Deif era como uma personalidade sagrada e muito respeitada tanto dentro do Hamas quanto pelos palestinos", diz Mkhaimar Abusada, professor de política na Universidade Al-Azhar em Gaza, acrescentando que a operação contra Israel deste fim de semana o transformou em uma espécie de "deus para os jovens".

Uma das maiores vitórias do Hamas foi o grande número de reféns que ele conseguiu trazer de volta à Gaza. Em 2011, Israel entregou mil prisioneiros palestinos para libertar um único soldado israelense, Gilad Shalit, que passou cinco anos em cativeiro após ser preso pela facção terrorista.

"O Hamas entende muito bem que, quando se trata de manter prisioneiros israelenses, paciência é tudo o que eles precisam", afirma um diplomata que ajudou a negociar a libertação de Shalit. "Com o tempo, a população israelense pressionará o governo. Tudo o que o Hamas tem que fazer é esperar."

Em entrevistas, analistas israelenses e palestinos —incluindo pessoas que conheciam Deif antes de ele desaparecer nas sombras do Hamas—, descreveram-no como um homem quieto e intenso, desinteressado nas rivalidades internas das facções palestinas. Segundo eles, o único interesse do militante é mudar a natureza do conflito israelo-árabe. A violência seria um meio para alcançar isso.

"Você deve lutar contra os israelenses dentro de Israel e demolir a fantasia deles de que podem estar seguros em terras ocupadas", diz um ex-combatente palestino convertido em político de nível médio que conheceu Deif no início dos anos 2000.

Analistas ainda o descreveram como um homem cuja capacidade de evoluir no mesmo ritmo que os avanços tecnológicos do Exército israelense foi ilustrada durante a feroz guerra de 11 dias entre o Hamas e Israel em 2021. O grupo terrorista lançou enxames de foguetes de baixa tecnologia na tentativa de sobrecarregar o sistema de defesa aérea israelense, que quase ficou sem munição antes de um cessar-fogo ser negociado.

Assim como outros no Hamas, Deif considera os Acordos de Oslo, que no final dos anos 1990 brevemente prometiam um acordo de paz negociado, uma traição à sua resistência e ao objetivo original de substituir Israel por um Estado palestino.

"Deif tentou começar a segunda guerra da independência de Israel", diz Eyal Rosen, coronel na reserva do Exército israelense que ocupava um posto na Faixa de Gaza. "O principal objetivo é —por etapas— destruir Israel. Este é um dos primeiros passos; é apenas o começo."

Ex-fabricante de bombas e idealizador de um programa de uma década para cavar uma rede de túneis sob Gaza, seu nome verdadeiro é Mohammed Diab Ibrahim al-Masri. De acordo com um oficial israelense familiarizado com as informações que a agência de inteligência israelense Shin Bet coletou sobre ele, ele nasceu no campo de refugiados de Khan Younis durante a década de 1960.

Naquela época, Gaza estava sob controle do Egito. Bet disse que o tio ou pai de Deif chegou a participar de ataques esporádicos na mesma área em que os combatentes do Hamas se infiltraram no sábado.

Sabe-se tão pouco sobre Deif que até mesmo seu nome é um mistério. Pessoas que o conheciam na década de 1980 dizem que mesmo naquela época ele era conhecido pelo nome de guerra, enquanto outros dizem que se referiam a ele pelo nome de nascimento. Há apenas uma fotografia granulada dele disponível publicamente.

O gosto do militante pelo espetáculo foi aprimorado quando ele se juntou a uma companhia teatral enquanto estudava na Universidade Islâmica de Gaza, onde ganhava força um estilo de islamismo político associado ao braço egípcio da Irmandade Muçulmana. Quando o Hamas nasceu, no final dos anos 1980, forjado no fogo da Primeira Intifada, Deif tinha cerca de 20 anos.

Naquela época, Ghazi Hamad, hoje um dos chefes do Hamas, compartilhou uma cela de prisão com Deif depois que ambos foram presos pelos israelenses. "Desde o início de sua vida no grupo, ele estava focado em sua trajetória militar", diz Hamad. "Ele era muito gentil", lembrou ele, "o tempo todo um patriota que fazia pequenos desenhos para nos fazer rir".

Qualquer traço de bondade logo desapareceria —na época, o Hamas realizava ataques suicidas para se manifestar contra os Acordos de Oslo. Israel responsabiliza Deif pela morte de dezenas de pessoas em ataques suicidas, incluindo uma onda de incidentes do tipo que matou mais de 50 civis em 1996.

Diz-se que Deif teve como mentor Yahya Ayyash, um fabricante de bombas apelidado de "Engenheiro" que foi assassinado por Israel em 1996 com um telefone celular repleto de explosivos.

Deif subiu nas fileiras das Brigadas Qassam, a ala militar do Hamas, e ainda segundo sua pasta no Shin Bet, esteve envolvido na criação dos primeiros foguetes rudimentares. O arsenal do Hamas hoje está na casa das dezenas de milhares, e só no sábado, o grupo disparou 3.500 foguetes.

O agente ligado ao Shin Bet diz que Deif buscava alvos de alto impacto, como colonos e soldados, no caso dos territórios ocupados, ou ônibus em Jerusalém e em Tel Aviv. Ele também supervisionou os ataques de foguetes que levaram israelenses a se refugiarem em abrigos antiaéreos em intervalos regulares.

Internamente, Deif se opunha às concessões que o Hamas fazia de tempos em tempos, concordando em interromper os combates em troca de fundos adicionais para a Faixa de Gaza, que o grupo controla, ou mais autorizações de trabalho para os palestinos que vivem no local.

Embora esses acordos tenham ajudado a facção a de certo modo administrar ciclos de violência, eles também levaram a quatro guerras, em 2009, 2011, 2014, 2021, sem falar da mais recente, deste fim de semana. Os militantes consideram todas elas vitoriosas.

"A última ação terrorista acabou com essa prática para sempre", disse o oficial israelense sobre o ataque de sábado. "Agora não haverá trégua, apenas retaliação." O que, ao que tudo indica, é exatamente o que Deif sempre quis.

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