Sergio Massa espalha medo por corte de subsídios contra Milei na Argentina

Em meio a terremoto econômico, ministro da Economia aposta suas últimas fichas em jovens e defesa da educação pública

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Buenos Aires

Enquanto o ultraliberal Javier Milei insiste em seu "plano motosserra" contra os gastos públicos nos últimos dias de campanha na Argentina, o ministro da Economia, Sergio Massa, tenta injetar medo nos corações e mentes dos argentinos do que pode acontecer se os subsídios e serviços públicos forem pelos ares.

Na reta final e sob a pressão de uma nova corrida do dólar, o candidato peronista intensificou as estratégias para tocar nos nervos do eleitor e apelou para medidas práticas. O governo do qual faz parte anunciou nesta semana que o usuário que quiser abdicar do auxílio embutido na passagem do transporte público poderá se registrar para pagar a tarifa cheia.

Ministro da Economia e candidato presidencial Sergio Massa faz encerramento de campanha em estádio na cidade de Avellaneda, na província de Buenos Aires - Martín Zabala - 18.out.2023/Xinhua

Dias depois, as telas dos trens da província de Buenos Aires também amanheceram com uma tabela que comparava a "tarifa de Massa" de 56 pesos (R$ 0,30 na cotação paralela) às "tarifas de Milei e Patricia Bullrich" de 1.100 pesos (R$ 6,10). "Quando te falam de subsídio, essa é a diferença no seu preço", dizia o anúncio.

Até o Ministério de Transportes responder que foi uma publicidade de sindicatos ferroviários, a ação já havia causado revolta na oposição. "Você dá vergonha, Massa. Passaram de todos os limites", escreveu Bullrich, que está em terceiro nas pesquisas e cujo partido Juntos por el Cambio denunciou o ministro de Transportes por fazer campanha fora do prazo eleitoral.

Massa tem batido na tecla de que retirar ajudas do Estado é "condenar quem está mal a estar ainda pior", como disse em entrevista a um youtuber nesta semana. Foi uma última tentativa de se aproximar do eleitorado jovem, associado majoritariamente a Milei e seu grupo de influenciadores que diariamente viralizam seus conteúdos.

"O que a Argentina escolherá neste domingo [22] é se a universidade é gratuita ou paga. O que eu quero que os jovens saibam é que, quando te falam em voucher, significa que as famílias vão ter que colocar 3 milhões de pesos [R$ 16 mil] ao ano", afirmou ele, se referindo à promessa do libertário de, em vez de financiar os colégios, dar um "vale-escola" para que as famílias escolham onde querem colocar seus filhos.

Sua estratégia se assemelha à de Lula contra Jair Bolsonaro em 2022: atacar as propostas, e não o rival, para não incorrer no erro de gerar rejeição como ocorreu com Fernando Haddad em 2018. Massa tem contado com o reforço de publicitários brasileiros que lideraram as duas últimas campanhas presidenciais no Brasil.

A cientista política Milagros Faggiani, consultora em comunicação política da Analítica427, porém, acha difícil que o discurso cole a ponto de dar vantagem eleitoral ao peronismo. "Por mais que se ofereça uma esperança ou se apele ao medo, o que as pessoas sentem todos os dias é que seu salário não é suficiente no supermercado, e que Massa hoje não está dando conta da situação", opina.

Além disso, uma pesquisa online de opinião pública feita mensalmente pela Universidade de San Andrés indica que 59% da população argentina concorda com a eliminação de planos sociais.

No último mês, o candidato também teve que tentar se descolar de dois novos casos de suspeita de corrupção no kirchnerismo, incluindo o de Martín Insaurralde, prefeito que gerou um escândalo ao passear de iate com uma modelo numa ilha italiana, e o de "Chocolate", cabo eleitoral preso retirando dinheiro com 48 cartões num caixa eletrônico na província de Buenos Aires.

Analistas não descartam a possibilidade de uma grande surpresa neste domingo, como uma eventual ultrapassagem de Bullrich, em terceiro lugar na maioria das últimas pesquisas. Ela poderia, por exemplo, ser encarada como voto útil pelo eleitor, já que é a única que aparece à frente de Milei num eventual segundo turno.

Quase um quarto do eleitorado costuma decidir seu voto na última semana da campanha ou mesmo dentro da urna, portanto nada está descartado. Outras possibilidades aventadas são a vitória de Milei já no primeiro turno ou até um desempenho surpreendente de Massa.

O discurso do peronista tem tocado uma parte da população, como é o caso da diarista Rosana Martínez, 46. "Vou votar no Massa porque, se o Milei ganhar, minha filha perde o colégio. Ela vai se formar em dois anos e quer fazer faculdade de contabilidade. Sem faculdade grátis, ela não consegue estudar."

Rosana também diz ter medo de perder os 17 mil pesos (quase R$ 100) mensais que ganha de auxílio, por ter uma filha, e de que Milei libere a posse de armas: "Imagina, vamos todos nos matar", se alarma. O libertário já se disse a favor da medida em entrevistas, mas agora costuma afirmar que o tema não está em sua plataforma de governo.

A Argentina tem uma complexa rede de subsídios erguida a partir da crise de 2001, quando o peso sofreu grande desvalorização, levando metade da população à pobreza. No ano passado, ajudas diretas ou indiretas chegaram a 95% das crianças e jovens com menos de 17 anos, segundo o Observatório da Dívida Social da Universidade Católica Argentina (UCA).

Esses valores, sobretudo os de energia, representaram 82% do déficit fiscal em 2022, de acordo com o Cippec, centro de políticas públicas apartidário de Buenos Aires. O think tank calcula que o Estado pagou 79% do custo da luz e 71% do gás a todos os conectados à rede naquele ano.

Os altos gastos são apontados como uma das causas da crise atual, já que para sustentar esses sistema o governo tem imprimido dinheiro, fazendo girar a roda da inflação. Milei cresceu nesse contexto, com o discurso de dolarizar a economia, apesar de a Argentina sofrer uma escassez histórica de dólares. Massa, por outro lado, defende o "direcionamento desses subsídios aos mais vulneráveis".

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