Todos os jornalistas passarão a cobrir a crise do clima, diz editor do CJR

Responsável pelo Columbia Journalism Review, mais respeitada publicação sobre jornalismo, Kyle Pope vê falta de senso de urgência nas redações sobre o aquecimento global

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São Paulo

É inescapável: mais cedo ou mais tarde, todos os jornalistas estarão cobrindo a crise do clima, adverte Kyle Pope, editor-executivo e publisher do Columbia Journalism Review (CJR), a mais respeitada publicação sobre jornalismo. O próprio Pope está deixando o CJR, após sete anos, para se dedicar em tempo integral a um coletivo chamado Covering Climate Now, que se propõe a treinar jornalistas ao redor do mundo para cobrir as causas e consequências do aquecimento global.

Para Pope, as redações deveriam ter a mesma urgência para cobrir o clima como tiveram durante a cobertura da pandemia da Covid –mobilizar todos os jornalistas, não apenas os ditos especialistas em clima. "As redações têm ficado um pouco intimidadas, após décadas de desinformação disseminada pela indústria de combustíveis fósseis, que tentou convencer os jornalistas de que as mudanças climáticas são controversas, não está comprovada a ação humana, é muito complicado", diz à Folha. "Estamos tentando abrir os olhos das pessoas para o fato de que grande parte do que escrevemos todos os dias, desigualdade de renda, imigração, doenças, são reportagens sobre o clima."

O sr. disse recentemente que, mais cedo ou mais tarde, todos nós seremos jornalistas cobrindo o clima. Em que sentido?
Ainda estou um pouco surpreso com a lentidão com que as redações estão entendendo a importância das reportagens sobre o clima. Ainda há hesitação, várias barreiras. Uma delas é que os editores acham que cobrir o clima é muito complicado e deprimente e vai afugentar leitores e telespectadores. Cada vez mais os dados mostram que isso não é verdade, especialmente para o público jovem. Além disso, ainda existe uma visão de que, se dedicarmos muita cobertura ao clima, isso será visto como assumir uma posição política.

Eu comparo à situação da Covid. No início, debatia-se se a vacina era eficaz, se distanciamento social era eficiente. E as redações cobriram essas discussões. Mas em determinado momento, chegou-se à conclusão de que não havia mais um debate sobre isso, não era mais uma controvérsia que precisava ser abordada com cautela –as vacinas são eficazes, assim como o distanciamento social. O mesmo precisa se aplicar à cobertura do clima. Não há mais dúvida legítima sobre se as mudanças climáticas estão acontecendo e se são causadas pela ação humana. O debate acabou.

Canoas ancoradas nos bancos de areia formados no rio Negro, em Novo Airão; mudança climática causa seca histórica no Amazonas - Lalo de Almeida/ Folhapress

O sr. acha que deveria haver algum treinamento em ciência do clima nas redações?
Sim, sem querer fazer propaganda, nós [do Covering Climate Now] oferecemos treinamento gratuito para qualquer redação e também podemos conectar jornalistas com cientistas. E existem muitas outras organizações que também fazem isso. Não é preciso muito para se atualizar e entender como o clima afeta a área de cobertura de qualquer repórter. E, novamente, trago de volta a questão da Covid. As pessoas que estavam cobrindo não eram apenas os especialistas em doenças infecciosas na redação. Todos tiveram que descobrir como isso estava afetando o mundo que eles cobrem. O que eu preciso saber sobre isso? Com quem posso falar para me ajudar a conectar esses pontos? Precisamos da mesma abordagem para o clima.

Havia um senso de urgência na cobertura da Covid porque estávamos vendo muitas pessoas morrendo. Ao mesmo tempo, neste ano ficaram muito evidentes as consequências e mortes causadas pelas mudanças climáticas. Ainda está faltando um senso de urgência nas redações?
Sim, ficou óbvio este ano com as enchentes, o calor e os incêndios florestais, ainda que as pessoas estejam morrendo aos milhares devido ao clima há algum tempo. Estamos tentando abrir os olhos das pessoas para o fato de que grande parte do que escrevemos todos os dias, desigualdade de renda, imigração, doenças, são reportagens sobre o clima. E é incrivelmente urgente, porque a janela de oportunidade que temos para fazer algo antes que os efeitos sejam irreversíveis está se fechando muito rapidamente.

O sr. acredita que a mídia tenha aprendido com os erros ao cobrir o ex-presidente Donald Trump?
Acho que esta eleição [dos EUA, em 2024] vai ser um verdadeiro teste. Está claro que Trump não mudou nada. Na verdade, ele pode estar ainda mais ultrajante e mais disposto a testar os limites do que um líder político pode fazer. Temos que contextualizar melhor quem ele é, alguém que enfrenta inúmeras ações judiciais que podem levá-lo à prisão. Alguém que mentiu sobre os resultados da última eleição americana e fomentou uma insurreição no Capitólio que deixou pessoas mortas. Precisamos garantir que não normalizaremos essa pessoa.

A discussão sobre a objetividade e a independência jornalística voltou a ganhar força com o lançamento das memórias de Martin Baron, ex-editor-executivo do Washington Post ("Collision of Power"). O sr. acha que o desejo dos jovens jornalistas de incluir na cobertura jornalística seu ponto de vista seja legítimo? Ou isso compromete a objetividade?
A palavra em si não é ótima, não faz muito sentido para as pessoas. Arthur Sulzberger, [publisher] do New York Times, gosta da palavra independência. Em seu livro, Baron é muito crítico [aos jovens jornalistas]. Mas eu acho que essa questão tem sido mal interpretada. Não acho que os jornalistas só queiram escrever sobre si e suas experiências, e que nós não estejamos deixando. Não é disso que se trata.

Em primeiro lugar, trata-se de reconhecer que todos têm experiências pessoais que estão trazendo para uma reportagem. Vamos abandonar a ideia de que quem você é e de onde você vem não afetam como você cobre algo. Afeta sim, e acho que deveria e é bom. Permitir que as pessoas usem sua bagagem e identidade não é um problema. Isso veio à tona após o assassinato de George Floyd nos EUA, quando muitos jornalistas negros estavam cobrindo as repercussões do caso. Acho que as pessoas que têm um interesse pessoal no tema trazem algo incrivelmente valioso. Acho que precisamos ser mais abertos e permitir que as pessoas tragam suas vozes com mais frequência, porque mais autêntico.

Em relação à inteligência artificial no jornalismo, o sr. se alinha às pessoas que veem um pânico desnecessário ou àquelas que enxergam uma enorme ameaça?
Toda semana eu oscilo entre pensar que todos nós vamos morrer por causa disso e pensar que na verdade isso vai ser ótimo e pode realmente nos ajudar.

Kyle Pope, editor da Columbia Journalism Review - Reprodução

Raio-X | Kyle Pope, 59

Editor-executivo e publisher do Columbia Journalism Review. Ele assume em breve o cargo de diretor- executivo do Covering Climate Now. Já trabalhou na Condé Nast, The Wall Street Journal e The New York Observer. É formado em Ciência Política na Universidade do Texas, em Austin.

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