Milei diz que não cumprirá Acordo de Paris se for presidente da Argentina

Temperatura sobe em último debate antes das eleições no país, com ataques sobre segurança, venda de armas e corrupção

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Buenos Aires

O clima esquentou no segundo e último debate antes das eleições presidenciais da Argentina no domingo (8). Em meio ao fogo cruzado entre os candidatos, o ultraliberal Javier Milei, favorito nas pesquisas, disse que a mudança climática não é culpa dos seres humanos e que não cumprirá o Acordo de Paris, que prevê cortes nas emissões mundiais de gases estufa até 2030.

"Nós não vamos aderir à agenda 2030, nós não aderimos ao marxismo cultural, nós não aderimos à decadência", respondeu o economista ao ser questionado sobre o que faria com o tratado assinado em 2015 pela Argentina. Ele acrescentou que seu grupo político "foi o único que apresentou uma agenda energética com todas as restrições aplicáveis na Europa, superando as metas".

O deputado ultraliberal Javier Milei e o ministro da Economia Sergio Massa se cumprimentam durante debate presidencial em Buenos Aires neste domingo (8); ambos polarizam a disputa - Agustin Marcarian/Pool/AFP

Momentos antes, quando foi acusado de negar as mudanças climáticas, Milei afirmou que não as nega: "O que eu digo é que existe na história da Terra um comportamento cíclico de temperaturas [...] Portanto todas essas políticas que culpam os seres humanos pela mudança climática são falsas e só servem para arrecadar fundos para financiar socialistas preguiçosos que escrevem documentos de quinta categoria".

O primeiro balanço oficial do Acordo de Paris, divulgado há um mês, apontou que os países precisam aumentar seus esforços para que o planeta consiga limitar o aquecimento global a 1,5°C ou a 2°C, em relação aos níveis anteriores à Revolução Industrial. No ritmo atual, a humanidade está rumo a um aumento de 2,4°C a 2,6°C da temperatura média global.

Não é a primeira vez que Milei faz declarações do tipo. Quando ainda concorria ao cargo de deputado, em 2021, ele afirmou que "o aquecimento global é outra mentira do socialismo" e que os cálculos são manipulados "para gerar medo". Esse é um dos pontos pelos quais ele é comparado ao ex-presidente Jair Bolsonaro no Brasil, apesar de os dois terem diferenças significativas.

O tema ambiental surgiu quase ao final do debate realizado na Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires (UBA), quando os candidatos discutiam "desenvolvimento humano, habitação e meio ambiente", assunto escolhido por votação popular. Segurança e trabalho foram os outros dois eixos do programa, marcado pelo que os jornais argentinos chamaram de "truques evasivos".

A avaliação geral foi de que todos buscaram desviar dos ataques —que não foram poucos—, com mais momentos picantes e menos discussão de propostas do que no primeiro debate, no último domingo (1º). A maioria dos direitos a réplica, por exemplo, acabaram na metade do evento.

Depois de ter evocado uma gripe para justificar seu primeiro desempenho fraco, Patricia Bullrich, candidata linha-dura da coalizão Juntos por el Cambio, mostrou-se mais combativa desta vez, aproveitando o tema que mais domina, já que foi ministra da Segurança do ex-presidente Mauricio Macri.

"Às mães e aos pais, eu digo que se as armas forem liberadas, vão terminar na mão de criminosos, vão massacrar crianças nas escolas", disparou contra Milei, que rebateu acusando-a de mentir. "Defendemos os cidadãos, não como o kirchnerismo que defende delinquentes", também afirmou Bullrich, citando quatro vezes um escândalo recente de suspeita de corrupção que atinge seu adversário Sergio Massa.

O atual ministro da Economia pelo peronismo, que tem polarizado com Milei nesta reta final da campanha, buscou reforçar suas políticas aos trabalhadores, mas passou boa parte do tempo resistindo a críticas. "[A Argentina deverá escolher entre] voltar atrás, dar um salto ao vazio ou apostar num modelo de produção e desenvolvimento", repetiu.

Da esq. para a dir., o peronista não kirchnerista Juan Schiaretti, a macrista Patricia Bulrich, o ultraliberal Javier Milei, a esquerdista Myriam Bregman e o ministro da Economia Sergio Massa em debate presidencial na Argentina - Agustin Marcarian/Pool/Reuters

O ultraliberal, por sua vez, foi mais lembrado por cometer alguns escorregões em assuntos que domina menos, alheios à economia. Entrou em terreno polêmico ao negar que proponha a venda de órgãos, como já defendeu no passado: "O que estamos dizendo é que existem 7.000 pessoas aguardando por um transplante e 300 mil potenciais doadores, e que algo não está funcionando no meio disso", disse.

Todos eles lamentaram o ataque do grupo extremista islâmico Hamas contra Israel no início do debate.

Participaram também a candidata da esquerda, Myriam Bregman, e o peronista não kirchnerista Juan Schiaretti, governador da província de Córdoba, que somaram cerca de 7% dos votos nas eleições primárias, em agosto —na Argentina, a presença é obrigatória para quem registrou mais de 1,5%.

Nessa votação, que não elege ninguém, mas mede a temperatura política do país, Milei surpreendeu ao superar as duas maiores forças políticas históricas. O ultraliberal acumulou 30% dos votos válidos, contra 28,3% somados da coalizão macrista Juntos por el Cambio e 27,3% do governista União pela Pátria. Individualmente, ele também foi o mais votado, seguido por Massa e depois Bullrich.

Até agora, a maioria das pesquisas mostra Milei rondando os 34% das intenções de voto, o peronista perto dos 29%, e a macrista com cerca de 25%. Nada está definido, porém, considerando que até 14% ainda estão indecisos e que os levantamentos também não captaram a ascensão de Milei nas primárias.

A Argentina atravessa sua terceira grande crise econômica em 40 anos de democracia, com um déficit fiscal insistente, alta dívida externa, moeda sem credibilidade e falta de dólares nos cofres públicos. Esses fatores têm feito o país sustentar uma das maiores inflações do mundo.

Os preços em geral subiram 124% no último ano, derretendo o valor dos salários e colocando uma parcela cada vez maior da população abaixo da linha da pobreza. Mesmo com um baixo desemprego, quatro em cada dez argentinos não conseguem pagar as despesas básicas, sendo que um desses é considerado indigente e sequer pode bancar a alimentação.

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