Universidade no Rio pede que professores não opinem sobre guerra Israel-Hamas

OUTRO LADO: Ibmec diz que não proibiu falas e, devido a tema sensível, recomendou que docentes tratem só de suas especialidades

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São Paulo

A guerra entre Israel e Hamas na Faixa de Gaza continua a render atritos no meio acadêmico brasileiro. Professores do Ibmec do Rio de Janeiro receberam no domingo (15) mensagens de coordenadores de cursos dizendo que docentes não devem tomar posições públicas sobre o conflito entre palestinos e israelenses.

A Folha teve acesso a mensagens do tipo enviadas a grupos de WhatsApp de pelo menos três cursos com professores do Rio —relações internacionais, economia e engenharia—, mas a orientação é nacional. As mensagens são diferentes entre si, mas passam o mesmo recado.

Mulher com bandeira palestina, durante protesto proibido na França na última quinta-feira (12)
Mulher com bandeira palestina durante protesto proibido na França na última quinta-feira (12) - Sarah Meyssonnier/Reuters

No grupo com docentes de relações internacionais, a norma é tratada como diretriz vinda do reitor do Ibmec do Rio, Samuel Barros —este, por sua vez, teria recebido a orientação de Reginaldo Nogueira, diretor de operações presenciais, e de Eduardo Parente, CEO da Yduqs, empresa que controla a universidade.

No grupo de economia, o tema é tratado como uma "sugestão": "Diversos membros da nossa comunidade, sejam docentes ou discentes, têm ligações culturais e familiares com ambos os lados do conflito, e o tema é muito sensível, podendo gerar desconforto entre todos", diz o texto.

Já no caso de engenharia, o pedido é descrito como um favor.

Segundo uma das mensagens, o único autorizado no Ibmec do Rio a falar sobre o tema seria o professor José Niemeyer, coordenador do curso de RI, que costuma aparecer em canais de TV como comentarista convidado. Diante de questionamentos de colegas, ele disse que a diretriz se refere somente a falas na imprensa e que, na sala de aula, a liberdade de cátedra está mantida.

Em nota, a universidade diz que "não houve nenhuma proibição de fala e, por conta da sensibilidade do tema, o recomendado é que os professores falem apenas sobre suas especialidades".

A guerra Israel-Hamas tem servido de faísca para embates no universo acadêmico no Brasil e no exterior. Na semana passada, uma palestra na PUC-Rio terminou em uma discussão entre alunos e professores.

Na ocasião, o historiador e professor da UFRJ Michel Gherman, autor de "O Não Judeu Judeu" (ed. Fósforo), chegou a deixar o encontro, acusando alguns estudantes de promoverem uma tentativa de silenciamento e de assassinato de reputação contra ele.

O episódio repercutiu fortemente entre grupos bolsonaristas, que começaram a articular uma lista de docentes que eles acusam de apoiar extremistas palestinos.

Tanto o nome dele quanto o da professora Mônica Herz, mediadora do debate, passaram a circular em redes bolsonaristas como apoiadores dos terroristas —o que eles não são.

Fora do Brasil, os ânimos acirrados também vêm provocando debates sobre liberdade de expressão. Nos Estados Unidos, alunos de algumas das principais universidades do país provocaram polêmica ao divulgar textos dizendo que os ataques do Hamas a Israel são atos legítimos de resistência palestina.

Uma coalizão de 34 entidades estudantis de Harvard, por exemplo, divulgou um documento dizendo que "o regime de apartheid" promovido por Israel em Gaza seria o culpado pelo ataque terrorista ao país. Um caminhão tem circulado pela universidade com nomes e fotos de estudantes que supostamente assinaram o documento, chamando-os de líderes antissemitas.

Na Europa, governos tentam coibir atos pró-Palestina

Alguns governos europeus temem que as tensões na Faixa de Gaza resultem em episódios de violência em seus territórios —e já há autoridades falando em uma onda de ataques antissemitas.

Nos últimos dias, houve pelo menos quatro casos em Berlim em que a estrela de Davi foi pichada na porta de famílias judaicas, numa referência ao que os nazistas faziam. Também na Alemanha, houve ativistas que comemoraram o ataque do Hamas a Israel.

Episódios como esses têm sido usados como justificativa por autoridades para tentar proibir ou cercear protestos pró-Palestina, muitas vezes falando em proteger a ordem pública —críticos veem nisso um desrespeito à liberdade de expressão.

O premiê alemão, Olaf Scholz, anunciou uma proibição de qualquer ato de apoio ao Hamas —o que inclui o uso de símbolos do grupo, manifestações elogiosas a assassinatos ou a queima da bandeira de Israel.

Algo parecido vem acontecendo na França, onde o Ministério do Interior anunciou um veto a protestos pró-Palestina. No quinta-feira (12), a polícia chegou a dispersar manifestantes com gás lacrimogêneo e jatos de água. E, no sábado (14), o governo francês informou ter registro de 189 ameaças e 65 prisões por comentários ou atos antissemitas no país.

O cerco contra militantes pró-Palestina levou também, nesta segunda-feira (16), o Ministério do Interior a decretar a expulsão do país de Mariam Abudaqa, ativista de Gaza e integrante da Frente Popular pela Libertação da Palestina.

Abudaqa, que estava na França para uma série de palestras, teve alguns eventos dos quais participaria cancelados —e, por fim, teve o visto revogado. O governo disse que a presença dela em atos "tem o potencial de incitar tensões, ódio e violência entre as comunidades e criar sérios distúrbios na ordem pública".

Até a publicação desta reportagem, Abudaqa estava detida em um hotel na cidade de Marselha.

Já no Reino Unido ativistas têm reclamado depois que a ministra do Interior, Suella Braverman, sugeriu que se manifestar com uma bandeira da Palestina e certas palavras de ordem pode ser visto, em alguns casos, como crime.

Na semana passada, Braverman escreveu às chefias das polícias pedindo "toda a força de lei" contra quem exibir símbolos de apoio ao Hamas. Desde o ataque do grupo terrorista, dezenas já foram detidos no Reino Unido por se envolver em protestos pró-Palestina.

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