Direita nos EUA depende mais de Trump do que a brasileira, de Bolsonaro, diz Steven Levitsky

Em novo livro 'Como Salvar a Democracia', cientistas políticos defendem que Brasil soube proteger melhor o regime democrático

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São Paulo

Eles detalharam como as democracias morrem. Agora, tentam responder por que e o que fazer para reverter este processo. Nas próximas semanas, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, professores da universidade Harvard (EUA), lançam no Brasil seu novo livro "Como Salvar a Democracia", pela editora Zahar.

"Esse segundo livro é um esforço, primeiro de tudo, para investigar por que os Estados Unidos se meteram nessa bagunça. Segundo, para pensar como escapar dela", afirma Levitsky em entrevista por videoconferência à Folha.

Os novos questionamentos são especialmente importantes agora que se aproxima a eleição presidencial de 2024, com o ex-presidente Donald Trump despontando como favorito para representar o Partido Republicano na disputa. Para Levitsky, um segundo governo de Trump seria um risco muito maior para a democracia do país.

O ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, durante intervalo de seu julgamento por fraude, em Nova York - Mike Segar/File Photo/Reuters

"Trump não pensava que ele iria ganhar em 2016. Ele não tinha um plano, não tinha experiência, não tinha uma equipe e não controlava totalmente o Partido Republicano. Tudo isso limitava o estrago que ele poderia causar", diz o cientista político. "Dessa vez, ele sabe o que quer fazer. Ele leu a cartilha autoritária. Ele sabe que precisa preencher cargos estratégicos no Estado com pessoas absolutamente leais a ele. E o Partido Republicano vai aceitar qualquer coisa que ele fizer."

Na nova obra, os professores se debruçam sobre dois atores que consideram fundamentais para a crise democrática americana. Primeiro, os republicanos que não condenaram os avanços autoritários de Trump, autorizando o seu comportamento.

Segundo, instituições que, argumentam os autores, permitem que a vontade da minoria prevaleça sobre a maioria —caso do Colégio Eleitoral. O grupo é formado por 538 delegados, divididos proporcionalmente entre os estados. Nessas eleições indiretas, o presidenciável que ganha em cada estado indica todos os delegados dali, recebendo todos os votos. Quem tiver ao menos 270 delegados é eleito presidente.

Assim, é possível que um candidato com mais votos populares saia derrotado das eleições. Foi o que aconteceu, por exemplo, em 2016, quando a candidata democrata Hillary Clinton perdeu para Trump.

O prefácio da edição brasileira traça um paralelo entre como os políticos enfrentaram as experiências autoritárias de Trump e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Levitsky e Ziblatt argumentam que as instituições e os políticos brasileiros lidaram melhor com a crise, rechaçando com firmeza a ameaça democrática.

Eles afirmam que a direita no Brasil reconheceu rapidamente a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao contrário do que aconteceu após a derrota de Trump em 2020. Também dizem que a própria direita quis abrir uma investigação no Congresso sobre os ataques às instituições no dia 8 de janeiro.

A passagem ignora que, após a derrota de Bolsonaro, o PL de Valdemar da Costa Neto pediu ao Tribunal Superior Eleitoral para desconsiderar os votos de parte das urnas eletrônicas, apontadas como inconsistentes por laudo contratado pelo partido. E que aliados de Bolsonaro inicialmente apoiaram a CPI do 8 de Janeiro porque queriam fortalecer a narrativa de que o governo Lula teria se omitido propositalmente naquele dia.

Mas é verdade que, de forma geral, a elite política brasileira rejeitou qualquer tentativa autoritária de reverter os resultados das urnas. E que, enquanto Bolsonaro perdeu força e prestígio, e foi declarado inelegível, Trump tem chances reais de voltar à Presidência. Entre os motivos para essa diferença, Levitsky diz que a direita nos Estados Unidos depende mais de Trump do que a direita brasileira de Bolsonaro.

"[Nos EUA] A direita está unida em um único partido, e Trump é a figura mais popular nesse partido. Então os políticos se sentem compelidos a continuar o apoiando. No Brasil, a direita é muito fragmentada. Os partidos não significam tanto, os políticos podem mudar de um partido para o outro", diz Levitsky.

Essa dependência em relação a Trump e a sua popularidade com as bases fez com que o Partido Republicano acelerasse seu processo de radicalização, afirmam os autores. Eles pegam emprestado do cientista político espanhol Juan Linz o conceito dos "democratas semileais".

Políticos que, em vez de condenar o comportamento autoritário de um aliado, o toleram, entram em acordo e até colaboram com ele. É justamente esse comportamento cúmplice que naturaliza figuras como Trump e coloca a democracia em risco.

Levitsky diz acreditar que, se a maioria dos republicanos tivesse prontamente reconhecido a vitória de Biden, a invasão do Capitólio não teria acontecido. "Se todos os republicanos tivessem feito isso, Trump teria sido deixado chorando num canto, que nem uma criança de dois anos fazendo birra. Ele teria ficado isolado politicamente e teria sido muito mais difícil levar a cabo o 6 de Janeiro", afirma.

O prefácio também traz um alerta. Os autores dizem que a crise democrática americana foi gerada, entre outros motivos, pelo ressentimento racial de eleitores brancos que sentiam que estavam perdendo o país à medida que a democracia multirracial avançava. O mesmo pode acontecer no Brasil, eles afirmam, se a sociedade continuar caminhando em direção à inclusão racial. "Ou seremos democracias multirraciais no século 21 ou não seremos democracias", eles escrevem.

"Trump foi de 'outsider' a praticamente dono do Partido Republicano em cinco anos", diz Levitsky. "Ele entendeu as atitudes, os sentimentos, a raiva de boa parte da base republicana. Ele entendeu que o que a base queria era alguém que fosse dar um soco no estômago da elite."

Mais do que o best-seller anterior, "Como Salvar a Democracia" foca o cenário americano e o desenho das instituições do país, assim como possíveis reformas que poderiam garantir a vontade da maioria e, assim, fortalecer a democracia.

Entre elas, abolir o Colégio Eleitoral, estabelecer limites de mandato para os ministros da Suprema Corte, facilitar o processo de emenda constitucional e reformar o Senado para que o número de senadores eleitos por estado seja mais proporcional à população.

"Em 2016 o Partido Republicano teve menos votos e ainda assim ganhou a Presidência. O Partido Republicano teve menos votos populares para o Senado, mas ganhou a maioria. O presidente e o Senado eleitos com a minoria dos votos então nomearam e confirmaram três ministros da Suprema Corte, o que mudou dramaticamente a natureza da corte", diz Levitsky. "Existe algum jeito que isso possa ser defendido como democrático?"

Como Salvar a Democracia

  • Quando Lançamento em 17/11
  • Preço R$ 79,90 (320 págs.); R$ 39,90 (ebook)
  • Autoria Steven Levitsky e Daniel Ziblatt
  • Editora Zahar
  • Tradução Berilo Vargas
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