Milei repete fórmula de Trump e Bolsonaro ao apontar fraudes sem evidências

Ultraliberal argentino bebe da mesma fonte dos dois ex-presidentes e convence apoiadores sobre risco de manipulação das urnas

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Jack Nicas Natalie Alcoba Lucía Cholakian Herrera
The New York Times

As acusações de fraude eleitoral de Donald Trump já ajudaram a inspirar um líder sul-americano, o ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro, a semear dúvidas sobre a segurança das eleições de seu país, levando a um tumulto na capital brasileira em 8 de janeiro deste ano.

Agora, a 2.400 km ao sul, há um novo político latino-americano alertando sobre fraude eleitoral com poucas evidências, minando a fé de muitos de seus apoiadores na eleição de seu país neste domingo (19).

Javier Milei, um economista libertário da ultradireita e personalidade da televisão, está competindo para se tornar o próximo presidente da Argentina. Durante a campanha, ele abraçou comparações com Trump e Bolsonaro e, como eles, tem repetidamente alertado que, se perder, será porque a eleição foi roubada.

Javier Milei, candidato ultraliberal à Presidência da Argentina, diante de apoiadores em Córdoba
Javier Milei, candidato ultraliberal à Presidência da Argentina, diante de apoiadores em Córdoba - Diego Lima - 16.nov.23/AFP

Milei afirmou, sem evidências, que cédulas roubadas e danificadas lhe custaram mais de 1 milhão de votos nas eleições primárias realizadas em agosto, o que equivaleria a 5% do total.

Ele disse que fraudes semelhantes também podem ter manipulado o resultado do primeiro turno da eleição geral em 22 de outubro, quando ele ficou em segundo lugar com 30% dos votos. "As irregularidades foram tão grandes que colocam os resultados em dúvida", disse em uma entrevista na semana passada.

A irmã de Milei, que comanda a campanha, apresentou uma queixa a um juiz federal alegando "fraude colossal" e afirmando que, nas votações anteriores, funcionários argentinos não identificados trocaram cédulas de Milei pelas de seu oponente. Eles disseram que as informações vieram de fontes anônimas.

A ascensão de Milei de um comentarista de televisão inflamado a um líder político que pode se tornar presidente da Argentina já abalou a política da nação de 46 milhões de habitantes. Suas promessas radicais de trocar o peso argentino pelo dólar americano e fechar o banco central deixaram a população em estado de espera do que pode acontecer se ele vencer.

Mas agora, com suas acusações preventivas de fraude, os argentinos também estão se preparando para o que pode acontecer se ele não vencer. As pesquisas sugerem um empate entre Milei e seu oponente, Sergio Massa, ministro da Economia, de centro-esquerda.

Muitos dos apoiadores de Milei já estão denunciando fraude, culpando a suposta manipulação por seu segundo lugar no mês passado e indo às ruas pelo menos três vezes para protestar contra o que dizem ser os planos da esquerda de roubar a votação. Na quinta-feira (16), seus apoiadores anunciaram planos de protestar em frente à autoridade eleitoral do país no dia da eleição.

Até agora, os protestos têm sido relativamente pequenos e pacíficos, mas observadores eleitorais observam que Milei ainda está na disputa.

"Não estou preocupado com o sistema eleitoral argentino em risco", diz Facundo Cruz, cientista político argentino que acompanhou as acusações de fraude. "Mas estou preocupado que certas práticas que vimos nos Estados Unidos e no Brasil possam se repetir."

A situação da Argentina sugere que os esforços de Trump para reverter as eleições dos EUA em 2020 não apenas deixaram uma marca duradoura na democracia americana, mas também estão repercutindo muito além das fronteiras, onde alguns líderes políticos estão recorrendo à fraude como uma nova desculpa potencial para a derrota eleitoral.

"Em 40 anos de democracia, nunca tivemos críticas sérias ou qualquer ideia de fraude como estão acusando agora", diz Beatriz Busaniche, chefe da Fundação Vía Libre, uma organização sem fins lucrativos da Argentina que trabalha para melhorar os sistemas de votação do país. (A Argentina foi governada por uma ditadura militar de 1976 a 1983.)

As autoridades eleitorais argentinas afirmam que não há evidências de fraude. Na votação de 22 de outubro, eles receberam um total de 105 relatos de cédulas desaparecidas ou danificadas, um número dentro da normalidade. Também dizem que não receberam nenhuma reclamação formal da campanha de Milei sobre fraude. A autoridade eleitoral da Argentina, em comunicado, chamou as declarações dele de "acusações infundadas de fraude que desinformam o público e minam a democracia".

Na Argentina, os cidadãos votam inserindo uma cédula de papel de seu candidato preferido em um envelope e depositando o envelope selado em uma urna. As campanhas distribuem suas cédulas para os locais de votação. Milei e seus aliados afirmam que pessoas têm roubado suas cédulas dos locais de votação, impedindo que seus apoiadores votem nele.

No entanto, quando pressionado, Milei e sua campanha não conseguiram apresentar muitas evidências. Depois que o promotor eleitoral da Argentina pediu à campanha de Milei que apresentasse provas, a campanha disse que respondeu com vídeos e fotos das redes sociais.

O homem que coordena a resposta de Milei às autoridades eleitorais, Santiago Viola, diretor jurídico nacional da campanha, diz que tem de 10 a 15 reclamações por escrito de pessoas que disseram que cédulas com o nome de Milei estavam faltando em seus locais de votação.

Viola afirma acreditar que os funcionários da campanha em outras partes do país coletaram outras reclamações, mas diz que ele próprio não as viu. Ele não pôde verificar a afirmação de outro funcionário da campanha no mês passado de que havia 4.500 relatos de cédulas desaparecidas. Mais de 26 milhões de pessoas votaram no mês passado. "Javier tem uma melhor compreensão dos números do que eu", diz.

Milei disse que existem "estudos" mostrando que 5% dos votos na eleição primária foram roubados dele, mas não os apresentou. Disse ainda que um sinal de fraude é que, na votação, algumas seções eleitorais não registraram votos para ele. "Isso é estatisticamente impossível", afirmou. Na realidade, os três principais candidatos do mês passado tiveram zero votos em quase o mesmo número de seções eleitorais —cerca de 100 cada um— sem contar as seções que não registraram votos. Existem 104.520 seções eleitorais.

"Eu não saí alegando fraude", disse Massa, o oponente de Milei, em uma entrevista. "Pode haver seções eleitorais onde ninguém vote em você." Para o peronista, Milei está seguindo um roteiro familiar. "Essa é a mesma metodologia de Bolsonaro, a mesma metodologia de Trump."

Como candidato presidencial, Milei tem muito menos poder do que Trump e Bolsonaro tinham como presidentes em exercício quando fizeram denúncias de fraude. No entanto, tanto nos EUA quanto no Brasil, as instituições governamentais que eles controlavam resistiram em grande parte às acusações.

Em seu lugar, foram seus apoiadores, que haviam ouvido acusações de fraude eleitoral por meses, que invadiram e depredaram as sedes do poder nas capitais federais: o 6 de Janeiro de 2021 em Washington e o 8 de Janeiro de 2023 em Brasília.

Depois que os resultados do primeiro turno na Argentina foram divulgados no mês passado, Julian Ballester, 21, trabalhador da construção civil, ficou do lado de fora da sede da campanha de Milei na noite da eleição, convencido de que os números haviam sido manipulados. "Eles jogaram muitas cédulas fora", disse, afirmando ter visto fotos em grupos do WhatsApp. "A fraude é óbvia."

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