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Suprema Corte dos EUA adota código de ética em resposta a escândalos envolvendo juízes

Documento lançado nesta segunda já se tornou alvo de críticas por não prever aplicação das regras e punição de eventuais violações

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Washington

Em uma ação inesperada, a Suprema Corte dos EUA divulgou nesta segunda-feira (13) um código de conduta para orientar a atuação de seus membros. O movimento é uma resposta à pressão crescente sofrida pelos juízes após reportagens ao longo deste ano revelarem presentes e viagens bancados por nomes conservadores influentes a membros da corte.

Até agora, os juízes da mais alta instância da Justiça americana eram os únicos integrantes do Judiciário que não estavam sujeitos a esse tipo de norma.

O documento, de nove páginas e dividido em cinco cânones, é assinado pelos nove juízes da Suprema Corte. Em um curto parágrafo em que explicam a decisão de formalizar o código, o grupo diz que o objetivo é concentrar em um único lugar "normas de ética e princípios", em sua maioria já conhecidos e derivados de outros documentos e práticas do Judiciário.

Os juízes da Suprema Corte dos EUA. Sentados, da esq. para a dir., Sonia Sotomayor, Clarence Thomas, John G. Roberts, Jr., Samuel A. Alito, Jr. e Elena Kagan; em pé, da esq. para a dir., Amy Coney Barrett, Neil M. Gorsuch, Brett M. Kavanaugh e Ketanji Brown Jackson - Evelyn Hockstein/Reuters

"A ausência de um Código, no entanto, tem levado nos últimos anos ao entendimento equivocado de que os juízes desta Corte, ao contrário de todos os outros juristas neste país, consideram-se sem restrições em relação a qualquer norma de ética", reconhecem no texto. "Para dissipar esse equívoco, estamos emitindo este Código, que em grande parte representa uma codificação dos princípios que há muito tempo consideramos como regendo nossa conduta."

Pelo código, os ministros não devem deixar que relações familiares, sociais, políticas e financeiras influenciem seu julgamento. Tampouco devem permitir que terceiros possam passar a impressão de que estão em uma "posição especial para influenciar a Justiça". O texto também fala de "restrições em aceitar e a proibição de solicitar presentes".

Em parágrafo sobre atividade política, o documento afirma que os membros da Suprema Corte não devem pedir ou fazer contribuições para organizações políticas, tampouco participar ou comprar ingressos para jantares ou eventos patrocinados por partidos ou candidatos.

O documento, porém, não explica como essas regras serão fiscalizadas nem como violações serão punidas –entende-se que caberá aos próprios juízes da Suprema Corte trabalhar para que os princípios sejam seguidos, o que já gerou críticas de especialistas nos EUA.

"O novo código de conduta da Corte não parece conter nenhum mecanismo significativo de imposição para responsabilizar os juízes por quaisquer violações do código", disse na tarde desta segunda o senador democrata Dick Durbin, que preside o Comitê Judiciário da Casa.

A divulgação dos presentes e viagens, sobretudo por conservadores, levou o comitê de senadores, comandado pelos democratas, a pressionar pela criação de um código de ética.

A discussão sobre a implementação de normas do tipo não é nova, mas ganhou força neste ano, após a ProPublica publicar em abril uma reportagem revelando viagens de luxo, envolvendo jatos particulares e iates, feitas pelo juiz Clarence Thomas bancadas pelo magnata conservador Harlan Crow, do Texas –um grande doador do Partido Republicano.

A publicação teve grande repercussão nos EUA e foi sucedida por diversas outras investigações por outros veículos que mostraram outras vantagens obtidas por Thomas em sua relação com agentes privados, como a compra de um motorhome de luxo e o pagamento da mensalidade de uma escola privada para um familiar.

Em sua defesa, o juiz afirma que não divulgou os presentes e as viagens porque não havia nenhuma exigência que o obrigasse a fazê-lo.

Além dos benefícios materiais, Thomas também foi criticado por não se recusar a participar de casos envolvendo os ataques ao Capitólio em 6 de janeiro de 2020 –a mulher do juiz, Virginia, é uma ativista conservadora que apoiou o ex-presidente Donald Trump em suas afirmações, sem provas, de que as eleições haviam sido fraudadas.

Thomas é o caso de maior repercussão, mas não é o único. Em 2008, o juiz Samuel Alito participou de uma viagem de pesca para o Alasca na companhia do bilionário Paul Singer –cujo jatinho particular levou o magistrado até lá. Outro participante da viagem foi o ativista conservador Leonard Leo.

Nos anos seguintes, diversos casos em que Singer era uma das partes interessadas, inclusive uma disputa com a Argentina, foram analisados pela Suprema Corte. Antes mesmo de o caso ser revelado pela ProPublica, Alito escreveu um artigo, publicado pelo Wall Street Journal, defendendo-se contra as críticas sob o mesmo argumento usado por Thomas –não havia nenhuma exigência para que ele divulgasse a viagem.

Também foi revelado que Neil Gorsuch não divulgou que uma casa da qual ele era um dos proprietários foi vendida para o líder de um grande escritório de advocacia. Em julho, foi a vez da juíza Sonia Sotomayor, após a Associated Press publicar uma reportagem mostrando envolvimento de funcionários da Corte na venda de livros da magistrada.

Diante da sequência de revelações, outros juízes da Corte vinham sinalizando uma abertura para adoção de normas para orientar a conduta dos magistrados. Após Elena Kagan e Brett Kavanaugh, Amy Coney Barrett foi a mais recente a se manifestar publicamente nesse sentido. No mês passado, ela disse que um código formal seria uma "boa ideia".

Quem é quem na Suprema Corte dos EUA

  1. John Roberts, 68 (conservador)

    Indicado por George W. Bush em 2005. Ainda que seja considerado conservador, o atual presidente da Corte às vezes atua mais ao centro

  2. Clarence Thomas, 74 (conservador)

    Indicado por George Bush em 1991

  3. Samuel Alito, 73 (conservador)

    Indicado por George W. Bush em 2006

  4. Neil Gorsuch, 55 (conservador)

    Indicado por Donald Trump em 2017

  5. Brett Kavanaugh, 58 (conservador)

    Indicado por Trump em 2018

  6. Amy Coney Barrett, 51 (conservadora)

    Indicada por Trump em 2020

  7. Sonia Sotomayor, 68 (progressista)

    Indicada por Barack Obama em 2009

  8. Elena Kagan, 63 (progressista)

    Indicada por Obama em 2010​

  9. Ketanji Brown Jackson, 52 (progressista)

    Indicada por Joe Biden em 2022

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