Descrição de chapéu Coreia do Norte

Coreia do Norte muda política de décadas e passa a tratar Seul como inimiga

Em cúpula do partido, Kim Jong-un fala em 'mudança decisiva' e alerta Exército para ocupar o Sul em caso de crise

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Hyonhee Shin Josh Smith
Seul | Reuters

A Coreia do Norte está mudando a forma como lida com a Coreia do Sul por meio de mudanças na política e nas organizações governamentais que tratam o país vizinho efetivamente como um Estado separado e inimigo.

As medidas, que interrompem uma política de décadas, podem fazer com que o Ministério das Relações Exteriores da Coreia do Norte assuma o controle das relações com o Sul e, potencialmente, ajude a justificar o uso de armas nucleares contra Seul em uma guerra futura, dizem analistas.

O líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, participa de reunião com o presidente russo, Vladimir Putin, no sudeste da Rússia - Vladimir Smirnov - 13.set.2023/Sputnik via Reuters

Desde o fim da Guerra da Coreia (1950-1953), os dois países tratam um ao outro de maneira diferenciada —as relações entre ambos dependem de agências e ministérios especiais que fazem as vezes dos ministérios das Relações Exteriores, por exemplo. Além disso, as nações adotam políticas para uma futura reunificação pacífica, geralmente visando um único Estado com dois sistemas.

Em declarações durante uma reunião na semana passada, porém, o ditador norte-coreano, Kim Jong-un, disse que a reunificação pacífica é impossível e afirmou que o regime faria uma "mudança decisiva" na política em relação ao "inimigo". Ele também ordenou que o Exército estivesse preparado para pacificar e ocupar o Sul em caso de crise.

Para Hong Min, pesquisador sênior do Instituto Coreano para a Unificação Nacional em Seul, as mudanças na política poderiam ajudar Pyongyang a justificar o uso de armas nucleares contra o Sul, como tem ameaçado cada vez mais nos últimos anos.

"Se eles desistirem da reunificação pacífica e redefinirem a Coreia do Sul como um país inimigo hostil sem relações diplomáticas, a contradição de usar armas nucleares contra seu próprio povo será eliminada", diz Hong.

Segundo outros analistas, porém, a extensão das mudanças ainda não está clara, e o ajuste na retórica apenas reflete melhor o status quo entre países que carregam profundas divisões e disparidades. Por essas razões, uma mudança significativa na relação já antagonista entre as duas Coreias seria improvável.

"Nos últimos anos, a Coreia do Norte sugeriu que estava caminhando para uma mudança fundamental na política em relação à Coreia do Sul, e a reunião plenária do partido de dezembro não apenas confirmou essa modificação, mas também a formalizou", diz Rachel Minyoung Lee, do Stimson Center, think tank americana com foco na paz global.

Períodos anteriores de alta tensão —como os anos do governo de Donald Trump, que prometeu "fogo e fúria" contra as ameaças da Coreia do Norte— também foram ocasionalmente seguidos por fases de distensão e diplomacia. Um exemplo é o das cúpulas de 2018 e 2019 entre Kim e os presidentes da Coreia do Sul e dos EUA.

Em um comunicado divulgado nesta quarta-feira (3), um funcionário do Ministério da Unificação do Sul, que lida com as relações com Pyongyang, minimizou as possíveis mudanças. "Em seu relatório sobre a plenária do partido, a Coreia do Norte disse que não nos consideraria um interlocutor para reconciliação e unificação, mas a verdade é que ela nunca se empenhou sinceramente por isso", afirmou o oficial.

Mesmo que as negociações sejam retomadas algum dia, o anúncio provavelmente significa que a ministra das Relações Exteriores, Choe Son Hui, será a responsável pelas relações com o Sul, diz Michael Madden, especialista em liderança da Coreia do Norte do Stimson Center. Tradicionalmente, o DFU (Departamento da Frente Unida), do Partido dos Trabalhadores da Coreia do Norte, é o encarregado das relações com o Sul, incluindo a coleta de informações e os esforços de propaganda.

"Seu papel como conselheira substancial sobre a política de unificação começa em 2019, com a visita de Kim a um antigo resort intercoreano perto do Monte Kumgang. Sua presença nesse evento não foi inédita, mas foi muito incomum e indicou que sua influência se expandiria para a política relacionada à Coreia do Sul", diz Madden.

O fato de Choe, uma diplomata de carreira que desempenhou um papel pouco importante nos assuntos intercoreanos, liderar a tarefa de "desmantelar e reformar" entidades ligadas à Coreia do Sul, como foi relatado pela mídia estatal na última segunda-feira (1º), pode significar que o Ministério das Relações Exteriores absorverá essas organizações e suas funções, diz Yang Moo-jin, presidente da Universidade de Estudos Norte-Coreanos em Seul.

"O Departamento da Frente Unida e o Comitê para a Reunificação Pacífica da Pátria, que tradicionalmente lidavam com os laços intercoreanos, poderiam ser dissolvidos completamente ou pelo menos ver seus papéis significativamente reduzidos", diz ele. A Coreia do Norte também pode decidir cortar completamente o Sul e lidar apenas com os EUA, acrescenta.

Embora funcionários do Ministério das Relações Exteriores tenham ocasionalmente aconselhado sobre questões intercoreanas, não há notícias de nenhuma troca de funcionários do Ministério das Relações Exteriores e do DFU sob Kim, diz Madden.

Sejam quais forem as mudanças, é improvável que os principais funcionários da inteligência do DFU sejam deixados de lado, e a agência provavelmente manterá autoridade sobre as peças de propaganda mais importantes, acrescenta ele.

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