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Big techs só querem ser reguladas como jornais e TVs quando convém

Diante da Suprema Corte dos EUA, elas usam o argumento contrário do apresentado para evitar responsabilização por posts

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São Paulo

Um conhecido provérbio em inglês diz que uma pessoa não pode comer sua fatia de bolo e continuar a ter o bolo. O aforismo descreve à perfeição o que as redes sociais estão tentando fazer para se livrar de regulação. Quando convém, elas querem ser regulamentadas como jornais e TVs —mas quando não convém, elas pedem para ser tratadas como companhias de telefone ou ferrovias.

Em resposta a leis aprovadas nos estados do Texas e da Flórida em 2021, as entidades que representam as big techs afirmam que elas não são semelhantes a empresas de telefonia ou ferrovia, fornecedoras de serviços essenciais que devem ser neutras e não podem discriminar seus usuários. Essas leis impedem que as big techs moderem conteúdo como bem entendam —removam ou reduzam a visibilidade de publicações e expulsem usuários que violam suas regras de uso sem dar explicações.

Julgamento na Suprema Corte americana pode mudar a forma como as redes sociais moderam conteúdo - Joe Raedle - 26.fev.2024/Getty Images via AFP

Na realidade, dizem as big techs, elas funcionam mais como jornais, que têm liberdade editorial para decidir o que vai circular e que destaque terá. As plataformas dizem que as leis da Flórida e do Texas violam a Primeira Emenda da Constituição americana –a liberdade de expressão das empresas de decidir o discurso que querem, ou não, disseminar através das plataformas.

Esse é cerne do argumento das plataformas de internet para derrubar a lei da Flórida, que proíbe as redes sociais de banirem candidatos a cargos políticos e de "esconderem" suas publicações, e a do Texas, que veda discriminação contra usuários por "seus pontos de vista".

As ações das plataformas questionando a validade das leis começaram a ser analisadas nesta segunda-feira (26) pela Suprema Corte.

No entanto, para repelir outras tentativas de regulação, as big techs usaram o argumento contrário. Em dois casos julgados pela Suprema Corte em 2023, as empresas argumentaram que são apenas distribuidores de conteúdo publicado por terceiros e não tomam nenhuma decisão editorial, portanto, não podem ser responsabilizadas pelos impactos que essas publicações possam ter.

Na ação Gonzalez versus Google, julgada pela Suprema Corte em maio de 2023, a família de uma mulher assassinada em um atentado terrorista em Paris, em 2017, processou o YouTube, que pertence ao Google. O raciocínio era que o algoritmo de recomendações do YouTube havia recomendado vídeos que "radicalizaram" os terroristas. Por isso, o Google deveria ser responsabilizado pelas consequências.

Junto com essa ação foi julgada a Twitter versus Taamneh, em que os pais de um homem morto em um ataque terrorista em Istambul, em 2017, pediam que Twitter, Facebook e Google fossem responsabilizados em leis antiterrorismo, porque haviam recomendado e veiculado anúncios junto com conteúdo de recrutamento e treinamento do Estado Islâmico.

No centro da discussão está a seção 230 da Lei de Decência nas Comunicações de 1996, que permitiu o crescimento da internet nos EUA. Ela estabelece que as plataformas não podem ser responsabilizadas por conteúdos de terceiros, uma vez que não são consideradas publicadores como jornais e TVs, são apenas distribuidores.

Na época em que foi assinada a lei, era necessário criar essa imunidade, senão não haveria como as redes sociais prosperarem –poderiam ser processadas por qualquer conteúdo postado por terceiros. Agora, há um oligopólio de empresas gigantescas, e uma discussão sobre a necessidade de rever essa lei.

No caso Gonzalez, os advogados da família argumentaram que o YouTube, pela seção 230, não é responsável pelo conteúdo terrorista de terceiros –mas o algoritmo de recomendação é de autoria do Google, então a empresa pode ser responsabilizada.

Em Taamneh, os advogados foram na mesma linha.

As empresas responderam reforçando que tinham a proteção da seção 230. Ou seja, o contrário do que estão argumentando agora diante da Suprema Corte. Neste ano, elas não podem sofrer violação de liberdade de expressão ao tomar decisões editoriais sobre o que deve estar nas plataformas, como fazem os jornais. No ano passado, elas não podiam ser responsabilizadas por postagens de terceiros, porque, justamente, não funcionam como jornais, já que não exercem discricionariedade editorial.

No Brasil, isso é questionado pelo ministro do Supremo, Alexandre de Moraes. Ele quer que as big techs sejam regulamentadas da mesma maneira que veículos de comunicação, com as mesmas responsabilidades por conteúdo. As plataformas se opõem.

Nos casos do ano passado, a Suprema Corte decidiu em favor das big techs, mas não entrou no mérito do escopo da seção 230.

Agora, caso a Suprema Corte decida invalidar as leis do Texas e Flórida porque elas violam a liberdade de expressão das empresas, as consequências serão enormes.

O jurista Tim Wu, da Universidade Columbia, apresentou uma manifestação como amicus curiae afirmando não ser favorável às leis, mas dizendo que validar o argumento de liberdade de expressão das big techs tornará impossível implementar qualquer tipo de regulamentação sobre essas empresas. "Os gigantes da tecnologia estão defendendo a posição simplista de que qualquer conduta [de moderação] é 'discurso'", escreveu Wu em artigo no New York Times.

"Se os juízes aceitarem esse argumento, estariam concedendo proteção constitucional a praticamente tudo o que uma plataforma de mídia social faz. [Isso] criaria uma espécie de imunidade beirando a soberania". Segundo ele, a decisão nesse sentido poderia inviabilizar tentativas de regulamentação sobre ambiente digital para crianças e inteligência artificial, que poderiam ser classificadas como violações à liberdade de expressão das empresas.

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