Em vídeos, soldados israelenses zombam da destruição em Gaza

Em filmagens divulgadas nas redes sociais, militares derrubam propriedades que parecem ser civis

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The New York Times

Um soldado de Israel faz sinal de positivo para a câmera enquanto dirige um trator de esteira por uma rua em Beit Lahia, no norte da Faixa de Gaza, empurrando um carro danificado em direção a um prédio meio desmoronado.

"Parei de contar quantos bairros eu destruí", diz a legenda do vídeo postado em seu TikTok pessoal, acompanhado de um hino militar. Desde a invasão de Israel em outubro, soldados têm compartilhado vídeos de Gaza nas redes sociais, oferecendo um raro olhar não autorizado sobre as operações no território palestino. Alguns foram vistos por pequenos círculos de pessoas; outros alcançaram dezenas de milhares.

O New York Times revisou centenas desses vídeos. Alguns mostram partes comuns da vida de um soldado —comendo, saindo ou enviando mensagens para entes queridos em casa.

Soldados israelenses operam na Faixa de Gaza em imagem divulgada em 4 de fevereiro pelas Forças de Defesa Israel
Soldados israelenses operam na Faixa de Gaza em imagem divulgada em 4 de fevereiro pelas Forças de Defesa Israel - Forças de Defesa de Israel - 4.fev.2024/Reuters

Outros capturam soldados vandalizando lojas locais e salas de aula em escolas, fazendo comentários depreciativos sobre os palestinos, demolindo o que parecem ser áreas civis e pedindo a construção de assentamentos israelenses em Gaza, uma ideia inflamatória promovida por alguns políticos israelenses de extrema direita.

Alguns dos posts dos soldados violam as regulamentações das Forças de Defesa de Israel que restringem o uso das redes sociais pelas tropas. As regras proíbem especificamente o compartilhamento de conteúdo que possa "afetar a imagem das Forças de Defesa e suas percepções aos olhos do público" ou que mostre comportamento que "prejudique a dignidade humana".

Em comunicado, o Exército israelense condenou os vídeos filmados por soldados e mencionados nesta reportagem. "A conduta que emerge das imagens é deplorável e não está de acordo com as ordens do Exército", disse o órgão em comunicado escrito, acrescentando que as "circunstâncias" estão sendo examinadas.

Mas novos vídeos como esses continuam a aparecer na internet, um lembrete das muitas maneiras como as redes sociais estão mudando a guerra. Na Rússia e na Ucrânia, os soldados agora compartilham vídeos diretamente do campo de batalha, frequentemente postando imagens de combate, às vezes até mesmo oferecendo uma perspectiva em primeira pessoa de câmeras acopladas a capacetes. Também foram postados vídeos que mostram tortura e execuções.

Com a guerra em Gaza sob intenso escrutínio, muitos vídeos filmados no território sob ataque têm alimentado críticas. Um deles foi exibido e outros cinco também foram citados como evidência no caso que a África do Sul levou à Corte Internacional de Justiça (CIJ) acusando Israel de genocídio.

O New York Times rastreou mais de 50 vídeos até as unidades de engenharia de combate militar de Israel, mostrando o uso de tratores de esteira, escavadeiras e explosivos para destruir o que parecem ser casas, escolas e outros prédios civis. Especialistas em direitos humanos têm levantado preocupações sobre a escala desse tipo de destruição em áreas sob controle militar israelense, observando que os padrões internacionais de guerra exigem uma clara necessidade militar para a destruição de propriedades civis.

Os vídeos discutidos nesta reportagem foram verificados com a identificação das datas e locais onde foram gravados ou pela confirmação de que os soldados que aparecem neles e suas unidades estavam em Gaza na época em que as imagens foram publicadas. Nenhum dos soldados que filmaram e postaram os vídeos respondeu quando solicitado a comentar.

Mais de 27 mil palestinos foram mortos em Gaza desde o início do conflito no território, de acordo com o ministério da Saúde local, controlado pelo Hamas. A ofensiva israelense se seguiu aos ataques liderados pelo Hamas em 7 de outubro contra Israel que mataram aproximadamente 1.200 pessoas, segundo autoridades israelenses.

Após a invasão terrestre no final de outubro, o Exército israelense estabeleceu bases ao longo da costa norte de Gaza. A área, chamada de Nova Beach pelos soldados, em referência ao festival de música onde 364 pessoas foram mortas no dia 7 de outubro, é o cenário de muitos dos vídeos de redes sociais revisados.

Antes da guerra, a área era composta por casas pertencentes a famílias palestinas, propriedades de férias, estufas e campos agrícolas. Uma casa danificada em Gaza, que agora é uma base israelense costeira, é o cenário de um vídeo postado em novembro por um reservista que também é DJ.

O clipe foi acompanhado por uma versão paródia da música israelense "This Was My Home", que foi destaque em um esquete de comédia israelense e se espalhou na internet nos últimos meses entre os usuários de mídia social israelenses que zombam dos palestinos.

"Esta era minha casa, sem eletricidade, sem gás", diz a música enquanto um soldado se acomoda nos escombros da casa danificada antes de se dirigir à janela e fazer gestos para uma cena de destruição do lado de fora. A casa foi destruída no final de dezembro, segundo imagens de satélite.

"É de partir o coração, desumano", disse Basel al-Sourani, advogado internacional de direitos humanos do Centro Palestino de Direitos Humanos, uma organização sem fins lucrativos sediada na Cidade de Gaza. "Apenas demonstra que os israelenses querem basicamente que você saia de casa, da Faixa de Gaza".

Usando outro meme popular, o mesmo soldado também postou um vídeo em meados de novembro ao som de um remix chamado "Shtayim, Shalosh, Sha-ger", ou "Dois, Três, Lançamento". No clipe amplamente compartilhado, soldados dançam diante da câmera e, quando a palavra "lançamento" é ouvida, o vídeo corta para uma imagem de um prédio sendo explodido.

Pouco depois de o Times perguntar ao TikTok sobre os vídeos apresentados nesta matéria, os clipes foram removidos da plataforma. Um representante da rede social disse que os vídeos violavam as diretrizes da empresa, incluindo suas políticas sobre discurso de ódio e comportamento.

A Meta, que é proprietária do Facebook e do Instagram, não respondeu a um pedido de comentário.

Algumas das contas mais ativas revisadas pela reportagem pertenciam a soldados de unidades do Corpo de Engenharia de Combate do Exército israelense, que usa maquinaria pesada, incluindo tratores de esteira, para abrir caminhos para as tropas, descobrir e destruir túneis e demolir estruturas.

Em um vídeo filmado no início de janeiro nos arredores de Khan Yunis, no sul de Gaza, soldados de engenharia de combate podem ser vistos fumando narguilé antes de explosões derrubarem prédios residenciais ao fundo. Em seguida, eles erguem os copos para brindar.

Em um vídeo do TikTok, os soldados dedicam a demolição de um prédio a Eyal Golan, um cantor israelense que pediu a destruição completa de Gaza. A África do Sul citou este vídeo como evidência do que chamou de "discurso genocida de soldados" em seu caso contra Israel na CIJ.

Um soldado de engenharia de combate compartilhou uma fotografia em 12 de dezembro em sua conta do TikTok com três tratores de esteira blindados e uma paisagem destruída perto da base israelense na costa norte de Gaza. "Isso é depois de muito trabalho —todo o lugar estava coberto de vegetação e casas até chegarmos lá", diz a legenda.

Cerca de 1,6 km ao sul, ao longo da costa, destruição semelhante pode ser vista em imagens de satélite capturadas no final de dezembro, mostrando que pelo menos 63 prédios, incluindo residências, haviam sido demolidos em um raio de 500 metros da base. Na época, a área estava a cerca de 2,4 km da fronteira do território controlado por Israel, de acordo com mapas publicados pelo Instituto de Estudos da Guerra.

Os escombros visíveis dos prédios são consistentes com os métodos de demolição usados pelas unidades de engenharia de combate vistos em vídeos filmados em outras partes de Gaza. Israel tem usado tratores de esteira para limpar vastas áreas de terra e propriedades em toda a Faixa de Gaza desde o final de outubro.

O New York Times enviou as coordenadas de cada uma das 63 estruturas para o Exército israelense e pediu comentários sobre a necessidade militar para sua destruição. Em uma resposta por escrito, o Exército afirmou que Israel "estava atualmente lutando uma guerra complexa" e que "há dificuldades em rastrear casos específicos com uma coordenada específica neste momento".

Quatro especialistas jurídicos analisaram os vídeos das redes sociais e as imagens de satélite perto da base e disseram que o material pode ser usado para demonstrar que houve destruição ilegal, uma violação das Convenções de Genebra.

John Quigley, professor emérito de direito da Universidade Estadual de Ohio especializado em direito internacional de direitos humanos, disse em um email que "a extensão da destruição de prédios residenciais em Gaza sugere que as Forças de Defesa de Israel estão usando um padrão de proteção de propriedade privada que não está em conformidade com os padrões internacionais de guerra".

Em resposta a perguntas sobre a demolição de casas civis pelos soldados, um porta-voz militar israelense, major Nir Dinar, disse que o Exército age por "necessidade operacional" e segue as leis da guerra. "As casas que estão sendo tratadas são prédios que representam uma ameaça para as forças em operação, ou são um alvo militar de algum tipo", disse ele por telefone. "Cada alvo que está sendo eliminado tem uma boa razão para essa eliminação".

Israel também está realizando demolições controladas ao longo da fronteira terrestre de 60 km de Gaza, a fim de criar uma "zona de amortecimento". Especialistas questionam a legalidade dessas demolições, observando que é improvável que todos os prédios destruídos representassem uma ameaça militar imediata.

Aric Toler, Sarah Kerr, Adam Sella, Arijeta Lajka e Chevaz Clarke

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