Estado Islâmico assume atentado que matou mais de 60 em Moscou

Capital russa não via há pelo menos 13 anos atentado do tipo, que ocorre em dia de escalada na Ucrânia

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São Paulo

Moscou sofreu nesta sexta-feira (22) o primeiro ataque terrorista desde que o presidente Vladimir Putin ordenou a invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022. Mais de 60 pessoas morreram e 146 foram feridas na ação. O grupo terrorista EI (Estado Islâmico) reivindicou a autoria do atentado.

Veículos de emergência diante do Crocus City Hall, alvo de atentado em Moscou, na Rússia - Maxim Shemetov - 22.mar.24/Reuters

A capital do país não via um ataque do tipo há pelo menos 13 anos. Segundo os canais de emergência da prefeitura moscovita, houve tiros e pelo menos duas explosões em torno do Crocus City Hall, uma sala de concerto ao lado de um shopping que fica 20 km a noroeste do Kremlin, o coração da capital russa.

A banda de rock da era soviética Piknik começaria um show no lugar, que tem 6.200 lugares e estava com os ingressos todos vendidos. Segundo o FSB (Serviço Federal de Segurança), um número incerto de atiradores matou os seguranças do local, entrou e começou atirar contra a plateia, que incluía crianças. Depois, explodiram duas bombas, deixando o local em chamas. Eles estão sendo procurados pela polícia.

Em Kiev, o assessor presidencial Mikhailo Podoliak negou qualquer envolvimento da Ucrânia no caso, que tem de todo modo os sinais do modus operandi de grupos terroristas islâmicos que atacaram a capital no passado. A confirmação do Estado Islâmico em um canal do Telegram parece ter selado o diagnóstico.

Em redes sociais, imagens chocantes do ataque fizeram lembrar um trauma nacional, a sangrenta tomada de um teatro por terroristas do Cáucaso no começo do governo de Putin, em 2002.

O número de mortos e feridos ainda não é final. Segundo a prefeitura moscovita, cem pessoas foram retiradas do local após o início do ataque, na noite desta sexta, começo da tarde no Brasil.

As imagens disponíveis mostram ao menos três pessoas camufladas atirando contra a plateia do local. Houve um incêndio no teatro, registrado por imagens externas. O governo municipal de Moscou disse que 70 ambulâncias foram deslocadas ao ponto do incidente.

"Uma tragédia terrível aconteceu no shopping hoje", disse no Telegram o prefeito da capital, Serguei Sobianin. Ao menos um helicóptero foi ao local ajudar a combater as chamas, segundo imagens da agência RIA-Novosti.

Putin não se pronunciou sobre o caso até a noite desta sexta, mas desejou rápida recuperação aos feridos e agradeceu a médicos que trabalham na emergência, segundo a agência Tass, citando a vice-primeira-ministra, Tatiana Golikova.

O ataque é o primeiro desde o início da guerra, mas a admissão do Estado Islâmico tira pressão sobre teorias nessa frente. Algumas horas antes do atentado, o FSB (Serviço Federal de Segurança, o sucessor principal da KGB soviética), afirmou que havia um alerta de atentado após o que chamou de um ataque desbaratado contra uma sinagoga moscovita pelo mesmo grupo.

Não há novidade aqui. A Rússia, que lutou duas guerras sangrentas contra secessionistas da Tchetchênia, república autônoma no Cáucaso (sul do país), enfrentou diversos atentados provocados por radicais islâmicos ligados à região.

O mais recente grande atentado em Moscou ocorreu em 2011, quando 37 pessoas morreram numa explosão no aeroporto internacional de Domodedovo. Naquela ocasião, um militante islâmico foi culpado pela ação. Depois disso, a mais chamativa ação havia ocorrido em São Petersburgo em 2017.

Ao longo dos anos 2000, houve diversas ações, todas atribuídas a rebeldes insatisfeitos com o controle russo sobre as repúblicas muçulmanas do Cáucaso. Em relação ao EI, a Rússia foi um dos países que mais duramente atacou o grupo durante sua intervenção na guerra civil síria, em favor do ditador Bashar al-Assad, iniciada em 2015.

De toda forma, o "timing" da tragédia chama a atenção. Nesta sexta, o Kremlin pela primeira vez chamou a Guerra da Ucrânia pelo nome, e não "operação militar especial", o eufemismo oficial do conflito, numa escalada retórica na qual acusa o Ocidente por ter transformado o embate em algo maior.

Meio perdida com o desenrolar dos acontecimentos, a Casa Branca disse por meio de um porta-voz que desencoraja quaisquer ações dentro do território russo. A reação epidérmica vai em linha com o relato do jornal britânico Financial Times de que os EUA pediram para Kiev parar de atacar refinarias russas, por temer escalada.

Depois, a embaixada dos EUA em Moscou emitiu um comunicado de condolências pelo ocorrido, em linha com o que disse a chancelaria francesa no X —o país governador por Emmanuel Macron está em rota de colisão com Moscou acerca da guerra ucraniana.

Há duas semanas, antes da eleição que consagrou Putin, os americanos haviam dito que um ataque terrorista em Moscou era "iminente". Agora, segundo relatos vazados à imprensa americana pelos serviços secretos do país, a responsável seria a filial afegã do EI, o Estado Islâmico-Khorasan. Nesta sexta, a chancelaria russa cobrou informações sobre a hipótese.

Há outras nuances. Muitos atribuem aos atentados colocados na conta de rebeldes islâmicos contra cidades russas em 1999 o ponto de partida do estabelecimento do então premiê Putin no poder: ele determinou uma guerra brutal e bem-sucedida na Tchetchênia, pavimentando a primeira de suas cinco eleições como presidente.

Não falta quem diga que tudo não passou de um ardil de serviços secretos para impulsionar o novo governante da época, mas provas nunca surgiram para tais alegações. É provável que tais especulações reapareçam agora.

Para os moscovitas, após um dia em que seu governo reeleito com 87% de aprovação no domingo (17) disse enfim que o país está em guerra, a ação contra a sala de espetáculos é um lembrete vivo sobre os tempos perigosos que vivem, apesar da calma e bem-estar que se veem na superfície cotidiana da capital.

Nesta sexta, dia em que o novo status do conflito foi entronizado pelo porta-voz Dmitri Peskov no Kremlin, a Rússia promoveu um grande ataque com mísseis e drones contra o sistema energético ucraniano, deixando ao menos 1,2 milhão dos 36 milhões de moradores sob controle de Kiev no escuro.

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