Descrição de chapéu The New York Times

Esvaziada pela guerra, Bósnia enfrenta declínio também em tempos de paz

País vê população diminuir diante de preocupações econômicas e depressão coletiva sobre as perspectivas de futuro

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Andrew Higgins
Sarajevo | The New York Times

Quando o criador de ovelhas bósnio fugiu de sua casa em uma Iugoslávia em desintegração em 1992, o vilarejo que ele deixou para trás tinha mais de 400 pessoas, duas lojas e uma escola.

Mais da metade dos moradores era composta por muçulmanos e o restante por sérvios, mas ninguém, segundo ele, deu muita atenção a isso até que políticos extremistas começaram a gritar por sangue.

-
Mirante na cidade de Sarajevo, na Bósnia-Herzegovina - Vladimir Zivojinovic - 7.fev.24/The New York Times

Depois de mais de uma década longe de sua casa no leste da Bósnia, o fazendeiro Fikret Puhalo, 61, voltou para seu vilarejo, chamado Socice, próximo a Sarajevo. Naquela época, havia cerca de cem pessoas, sérvios que haviam permanecido no local e alguns muçulmanos que decidiram que era seguro voltar.

Hoje, restam apenas 15. As lojas desapareceram, a escola também.

"Todos os outros morreram ou se mudaram", disse Puhalo, apontando para as casas vazias espalhadas pelas colinas rochosas ao redor da terra da família onde ele pastoreia suas ovelhas. "Nenhuma criança nasceu aqui desde que voltei."

O definhamento de Socice reflete um fenômeno mundial de áreas agrícolas pobres que perdem pessoas para os centros urbanos. Também faz parte de uma grave crise demográfica que aflige amplas áreas da parte central da Europa e do Leste Europeu, incluindo países relativamente prósperos como a Polônia e a Hungria, já que as baixas taxas de natalidade e a emigração reduzem o número de pessoas e alimentam os políticos que clamam contra a redução, até mesmo a extinção, das populações originárias.

Em países como a Hungria, os nacionalistas, que alertam que seu próprio povo corre o risco de desaparecer e ser substituído por estrangeiros, têm se manifestado contra os imigrantes, apesar da grave escassez de mão de obra. Eles também promoveram programas financiados pelo Estado com o objetivo de estimular as mulheres locais a terem mais filhos.

-
Lar em Socice, vilarejo na Bósnia-Herzegovina - Vladimir Zivojinovic - 6.fev.24/The New York Times

Em nenhum outro lugar, no entanto, a demografia e a política em torno dela foram tão complicadas quanto na Bósnia, uma nação pequena e etnicamente dividida. Como muitos países mais pobres, ela tem uma alta taxa de emigração, que aumentou durante a guerra de 1992 a 1995.

Mas também tem uma taxa de natalidade extremamente baixa, um fenômeno geralmente associado a países mais ricos. Em Socice, a população diminuiu mais acentuadamente nos últimos 20 anos, que foram totalmente pacíficos, do que durante a guerra da Bósnia.

A taxa de fertilidade da Bósnia, isto é, o número de nascidos vivos por mulher, é uma das mais baixas da Europa, em parte porque muitas mulheres em idade fértil deixaram o país. Essa taxa é apenas superior à de Malta, que tem o dobro da média salarial mensal.

"A situação é desesperadora", disse Nebojsa Vukanovic, um parlamentar da Republika Srpksa, a área da Bósnia dominada pelos sérvios e em grande parte autônoma, na qual o fazendeiro Puhalo tem a casa, cuida das ovelhas e mora com sua família.

O número de pessoas que vivem na região sérvia não é conhecido: o último censo, realizado em 2013, estimou em pouco mais de 1 milhão.

Crítico declarado do líder autoritário da área, Milorad Dodik, que afirma que sua região tem 1,4 milhão de pessoas, o parlamentar Vukanovic acredita que o número agora caiu para 800 mil ou menos. Dodik "manipula os números para fingir que está fazendo um bom trabalho", disse Vukanovic.

-
O filho de Fikret Puhalo, Emin, nos túmulos restaurados de sua avó e avô perto de Socice, na Bósnia-Herzegovina - Vladimir Zivojinovic - 6.fev.24/The New York Times

Nacionalista que sofreu sanções dos Estados Unidos por corrupção, Dodik ameaçou diversas vezes declarar seu território como um Estado independente e desmembrar a Bósnia, alimentando o nacionalismo étnico para consolidar seu controle sobre o poder e evitar processos judiciais.

Para ajudar a divulgar a mensagem de que a região sérvia está diminuindo, Vukanovic lançou recentemente um vídeo sombrio de uma visita que fez ao município de Ulog. Esse município tinha mais de 7.000 habitantes quando fazia parte da Iugoslávia, uma nação multiétnica pacífica que mergulhou na guerra em 1991. Agora, disse ele em uma entrevista, tem apenas sete residentes durante todo o ano, com suas ruas repletas de prédios em ruínas destruídos não por conflitos armados, mas por negligência.

Michael Murphy, embaixador dos Estados Unidos na Bósnia e crítico frequente de Dodik, aponta os problemas demográficos como prova de seu mau governo da Republika Srpska.

"Se o objetivo do Sr. Dodik é diminuir a Republika Srpska, ele está conseguindo", disse Murphy em uma declaração de outubro, citando números que mostram que a força de trabalho da entidade sérvia diminuiu 10% em um único ano.

A segunda parte que compõe a Bósnia, uma federação croata-muçulmana, também perdeu um grande número de pessoas. As áreas predominantemente croatas da federação –onde a maioria dos residentes tem passaportes da vizinha Croácia, membro da União Europeia, e pode viajar e trabalhar livremente pelo bloco– foram atingidas de forma particularmente dura pelo êxodo.

-
Uma área movimentada em Sarajevo, na Bósnia-Herzegovina - Vladimir Zivojinovic - 7.fev.24/The New York Times

"É evidente que as pessoas estão deixando todas as partes do país", disse Emir Kremic, diretor geral da agência estatal de estatísticas da Bósnia. Mas, segundo ele, não se sabe com precisão quantas pessoas foram embora, em grande parte porque não está claro quantas pessoas permanecem. "Simplesmente não sabemos quantas pessoas estão vivendo aqui." Para isso, acrescentou, "precisamos de um novo censo".

Isso, no entanto, não é algo que os políticos nacionalistas étnicos, temerosos dos resultados, desejam. Os três principais grupos étnicos da Bósnia –bósnios muçulmanos, sérvios cristãos ortodoxos e croatas católicos romanos– estão preocupados em perder no jogo dos números. Foram necessários três anos de disputas após o censo de 2013 para que os resultados fossem divulgados, porque cada grupo queria ver números maiores e, portanto, mais influência política para sua própria comunidade.

Kremic disse que fez um estudo realizado em 2023 por seu Instituto de Estatística para avaliar o uso das terras agrícolas da Bósnia. Ele descobriu que 30% das famílias de agricultores registradas durante o censo de 2013 haviam desaparecido. "Não havia mais ninguém lá", disse ele.

-
Ovelhas perto do vilarejo de Socice, na Bósnia-Herzegovina - Vladimir Zivojinovic - 6.fev.24/The New York Times

No último censo, a população total da Bósnia era de 3,5 milhões de habitantes, abaixo dos 4,4 milhões da contagem anterior, realizada um ano antes do início da guerra. Segundo algumas estimativas, o número está agora abaixo de 2 milhões de residentes durante todo o ano. O Instituto de Demografia de Viena calculou que, de 1990 a 2017, a Bósnia sofreu um declínio populacional de 22%, em grande parte devido à emigração.

A taxa de natalidade nacional tem caído continuamente desde 1999 e, após um breve surto de retornos no pós-guerra, a emigração voltou a aumentar, contribuindo para o que um relatório da Academia de Ciências da Bósnia chamou de "inverno demográfico" impulsionado por preocupações econômicas e uma depressão coletiva sobre as perspectivas do país.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.