Falha em estratégia para evitar politização do G20 acende alerta no governo

Presidência brasileira buscava impedir que debate sobre guerras na Ucrânia e em Gaza respingasse sobre trilha econômica

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Brasília

A falta de consenso para um comunicado conjunto na reunião de finanças do G20 acendeu o alerta no governo Lula (PT). Há temor de que discordâncias entre as delegações em relação às guerras na Ucrânia e em Gaza possam contaminar os próximos encontros do grupo das maiores economias do mundo.

Na presidência do G20, o Brasil será ao longo do ano anfitrião de dezenas de reuniões preparatórias que culminarão, em novembro, com a cúpula de chefes de Estado, no Rio de Janeiro.

O ministro Mauro Vieira durante cúpula de chanceleres do G20, no Rio de Janeiro - Ricardo Moraes - 22 fev. 2024/REUTERS

Mesmo antes de assumir como presidente do fórum, o país se preocupava com o risco de uma paralisia geral do G20 por conta de disputas sobre os grandes conflitos geopolíticos da atualidade —a invasão russa na Ucrânia e a ofensiva de Israel na Faixa de Gaza.

O diagnóstico é que o Brasil não pode repetir a experiência das duas últimas presidências do bloco, a da Indonésia e a da Índia, quando o tema Ucrânia bloqueou consensos em diversas discussões, muitas vezes em assuntos que não tinham nenhuma ligação com a guerra.

Nesse sentido, o governo Lula enfrentou seu primeiro grande revés na semana passada, com a falta de comunicado consensual ao término da reunião da chamada "trilha de finanças", realizada em São Paulo.

A Guerra da Ucrânia foi o ponto de divergência entre os participantes na elaboração da nota de rodapé do texto. Enquanto os países do G7 queriam se referir à "guerra contra a Ucrânia" ("war on Ukraine", em inglês, língua em que o comunicado é publicado), Rússia e aliados defendiam usar "guerra na Ucrânia" ("war in Ukraine").

Sem acordo, o Brasil divulgou apenas um resumo das discussões, citando no documento "guerras e conflitos", de maneira mais ampla, como riscos para a economia global.

O resumo divulgado pela presidência brasileira tem menos força simbólica do que um comunicado conjunto, que precisa da concordância de todos os membros para ser adotado.

O temor de interlocutores no governo Lula diretamente envolvidos com a organização do G20 é que situações semelhantes se repitam em outras reuniões previstas para os próximos meses, que envolverão técnicos e ministros de diferentes partes do mundo.

Há o receio de que diversos temas, como saúde, meio ambiente, comércio e agricultura, sejam contaminados com tentativas de adversários políticos incluírem pontos sensíveis e totalmente alheios aos assuntos de origem nas discussões.

O G20 reúne as 19 maiores economias do mundo, além da União Europeia e da União Africana. Trata-se de um colegiado que busca concentrar as discussões dos problemas centrais da economia mundial.

No fórum de abertura dos trabalhos neste ano, o Brasil tentou concentrar os temas relativos às tensões geopolíticas ao encontro de chanceleres, que ocorreu no Rio de Janeiro em meados de fevereiro.

Em outra frente, a tática brasileira consistia em baixar as expectativas sobre a publicação de comunicados conjuntos, justamente por saber das dificuldades de se alcançar consenso nos temas relativos aos conflitos.

Para a reunião de finanças, dias depois do encontro de chanceleres, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) tinha sido aconselhado a sinalizar a seus pares que eventuais discussões sobre as guerras Rússia-Ucrânia e Israel-Hamas deveriam ser tratadas nos encontros de caráter político. A estratégia, contudo, não foi suficiente para evitar que o conflito europeu entrasse na agenda do encontro.

Apesar do impasse, uma ala do governo Lula minimiza a situação. A falta de um comunicado conjunto, argumenta um interlocutor, é apenas um detalhe que em nada ofusca os avanços do grupo econômico nos temas tratados durante a semana de trabalho.

Há a avaliação de que a construção do texto —mesmo que não oficialmente adotado— ajudou a encontrar uma linguagem comum aos temas do grupo financeiro. Ele cita que houve progresso nas discussões sobre tributação internacional, com posições favoráveis fortes de Estados Unidos e França, e nas primeiras reuniões sobre dívida global.

Para a equipe econômica, as questões geopolíticas não devem representar um problema para a trilha financeira do G20 —visão que diverge do pensamento de algumas alas da diplomacia brasileira. Isso porque existe um debate interno dentro do governo sobre qual deve ser o perfil do bloco.

O grupo ligado ao assessor da Presidência para assuntos internacionais, o ex-chanceler Celso Amorim, defende que o G20 precisa cada vez mais adotar um tom político. Essa nova cara foi traçada para contrastar com a paralisia de outros órgãos, como o Conselho de Segurança da ONU. Já a Fazenda e alguns setores do Itamaraty gostariam de ver o G20 focado em temas econômicos.

O perfil que o bloco deve ter gera divergências também entre os países-membros. A Rússia, por meio do seu chanceler Serguei Lavrov, chegou a externar a sua posição de que o G20 não seria o fórum ideal para discutir soluções para conflitos.

"Não creio que no G20 encontraremos soluções para os desafios e ameaças à segurança global", afirmou o chanceler, em discurso divulgado por seu governo. Lavrov já havia criticado a "politização do G20". Assim como em edições anteriores, a Rússia resiste a qualquer documento que seja crítico a sua ação militar em território ucraniano.

Por outro lado, houve um consenso maior no encontro de chanceleres referente à guerra Israel-Hamas. O chanceler Mauro Vieira afirmou na ocasião que houve uma "virtual unanimidade" no G20 em favor da solução de dois Estados como caminho para a paz entre israelenses e palestinos.

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