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Institutos de pesquisa brasileiros chegam a Portugal em eleição indefinida

Sondagens registram empate técnico entre direita e esquerda a uma semana do pleito; empresa paranaense está sob investigação

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Lisboa

A crescente presença de brasileiros em Portugal chegou agora às pesquisas eleitorais, com dois institutos do Brasil realizando levantamentos para a escolha do Parlamento luso, no domingo que vem (10). O desafio é fazer o diagnóstico de um pleito concorrido, no qual as tradicionais forças à esquerda e à direita aparecem quase sempre em empate técnico.

Convocadas de forma antecipada após a queda do premiê socialista António Costa, que renunciou em meio a investigações de corrupção no núcleo do governo, as eleições podem marcar a saída da esquerda, que comanda o país desde novembro de 2015, do poder.

André Ventura, presidente do partido de ultradireita Chega, com apoiadores em Portugal
André Ventura, presidente do partido de ultradireita Chega, com apoiadores em Portugal - Miguel Riopa - 14.jan.2024/AFP

É nesse cenário acirrado que o Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas) tornou-se a primeira empresa brasileira a fazer sondagens para uma emissora de televisão do país europeu, a CNN Portugal. "Temos estudado bastante as pesquisas que foram divulgadas nas outras eleições para aprender sobre a dinâmica portuguesa", diz o cientista político Antonio Lavareda, presidente do conselho científico do Ipespe.

Em Portugal, as pesquisas eleitorais públicas só podem ser feitas por empresas registradas na ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social). Antes de serem divulgadas, são obrigatoriamente comunicadas ao órgão.

Para cumprir todos os requisitos, o Ipespe abriu uma espécie de braço português, a Duplimétrica. Embora já regulamentada, a empresa ainda não tem autorização da CNE (Comissão Nacional de Eleições) para levantamentos de boca de urna.

Um possível descumprimento de exigências regulatórias portuguesas pôs em xeque a atuação de outra empresa brasileira, a Paraná Pesquisas. Para poder viabilizar seu estudo, a empresa paranaense contratou o Intercampus, instituto português credenciado na ERC. O levantamento e sua metodologia, porém, não foram comunicados previamente à agência reguladora.

A Paraná Pesquisas a princípio divulgou a sondagem para veículos brasileiros, além de publicar o material em seu site. Depois, os resultados apareceram na Folha Nacional, jornal do partido português de ultradireita Chega, hoje a terceira força na disputa pelo Parlamento.

O levantamento foi o primeiro a mostrar a legenda, que recebeu o apoio público do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, em empate técnico com o Partido Socialista e com a Aliança Democrática, formada pelos partidos da direita tradicional.

Por meio de sua assessoria, Murilo Hidalgo, um dos sócios do instituto, afirmou que a pesquisa "foi concebida para ser utilizada e divulgada no mercado brasileiro e foi posteriormente utilizada, sem nossa autorização ou conhecimento, por um jornal associado a um partido político".

O presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa (à esq.), e o premiê António Costa durante reunião no Palácio de Belém, em Lisboa; eleições foram convocadas após a renúncia do primeiro-ministro - Marco Cruz - 9.nov.23/AFP

Embora se diga disposta a cooperar com a ERC, a Paraná Pesquisas declarou que até a sexta-feira (1º) não havia sido oficialmente comunicada da investigação. Na interpretação da empresa, o foco do procedimento deveria ser a Folha Nacional, "que fez uso indevido de uma pesquisa publicada em outro país".

Convocado pela agência reguladora a prestar declarações, o instituto português Intercampus tem outra interpretação. Responsável pela empresa, António Salvador disse que repassou todas as informações regulatórias à Paraná Pesquisas, e esta lhe teria garantido que o material não seria publicado.

"Assim que a pesquisa apareceu em Portugal, eu fui imediatamente depositá-la [na entidade reguladora], porque sabia que ia ter problemas. E tive", afirma Salvador. Apesar disso, considera o episódio superado.

O instituto paranaense, porém, acusou os portugueses de se apropriarem indevidamente da pesquisa contratada.

"Na verdade, foi a Paraná Pesquisas que se sentiu enganada [...] A expectativa era que a empresa [Intercampus] aplicasse os questionários junto à amostra pretendida e, em seguida, repassasse os dados coletados à Paraná Pesquisas, que poderia divulgar os resultados no Brasil [...] A Intercampus, além de proferir inverdades, apropriou-se dessas informações e validou os resultados divulgados", diz a empresa.

Para o cientista político António Costa Pinto, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, a chegada dos institutos de pesquisa brasileiros é um aprofundamento do movimento de intercâmbio que começou há mais de duas décadas, com a vinda de marqueteiros do Brasil.

"As empresas de comunicação brasileiras têm reputação de muito boa qualidade e, portanto, são recrutadas por partidos políticos e líderes portugueses. Essa internacionalização no mercado lusófono já têm algum lastro anterior", afirma.

Segundo Costa Pinto, porém, o movimento parece estranho do ponto de vista comercial, considerando o tamanho do mercado luso. Com cerca de 10,3 milhões de habitantes, o país tem menos de um terço dos eleitores do estado de São Paulo. Na visão dele, pode haver outras razões, como "fatores políticos".

Os institutos brasileiros poderiam, em tese, se beneficiar de uma certa desconfiança em relação a algumas empresas portuguesas. Nas últimas eleições, em 2022, a maior parte das sondagens não indicou um cenário de maioria absoluta do Partido Socialista.

Na pesquisa mais recente, divulgada pelo jornal Expresso na sexta-feira, a Aliança Democrática aparecia com 21% das intenções de voto, apenas um ponto percentual a mais que o Partido Socialista. Em terceiro, o Chega, com 12%.

A soma das preferências à direita supera o total da esquerda, o que poderia viabilizar a formação de um governo desse espectro político. A resistência das siglas tradicionais em se unir aos populistas do Chega, contudo, deve complicar as negociações para um eventual arranjo. A uma semana da votação, nenhum cenário está descartado.

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