Ultradireita de Portugal usa Lula para atacar rivais socialistas e acenar a eleitores brasileiros

Atos convocados por André Ventura, líder do Chega, devem ocorrer enquanto o petista discursa no Parlamento em Lisboa

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Lisboa

De olho na crescente comunidade brasileira e apostando em reacender a memória dos escândalos de corrupção ocorridos em Portugal, o partido de ultradireita Chega convocou seus simpatizantes para uma manifestação contra a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em Lisboa.

O ato está marcado para acontecer nesta terça-feira (25) em frente ao Parlamento, na mesma hora em que o petista estará no local discursando para os deputados. André Ventura, líder do partido, prometeu mobilizar sua militância, além de imigrantes brasileiros e fiéis de igrejas evangélicas, para realizar a "maior manifestação de repúdio à visita de um chefe de Estado estrangeiro" que Portugal já viu.

Com 12 parlamentares, a terceira maior bancada na Casa, o Chega não descarta também tumultuar a sessão solene em que Lula vai discursar.

O presidente Lula (à esq) ao lado do homólogo português, Marcelo Rebelo de Sousa, em Lisboa
O presidente Lula (à esq) ao lado do homólogo português, Marcelo Rebelo de Sousa, em Lisboa - Rodrigo Antunes - 22.abr.23/Reuters

Na avaliação do cientista político António Costa Pinto, ex-coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, o objetivo principal da iniciativa é usar os ataques a Lula como plataforma para cavar capital político junto ao eleitorado luso sensível ao tema da corrupção. "Há uma intenção clara, que é relembrar os portugueses sobre as investigações de corrupção contra José Sócrates e associar isso de alguma forma ao atual governo socialista", avalia o professor.

Investigado por corrução e lavagem de dinheiro na operação Marquês, espécie de Lava Jato lusitana, José Sócrates foi primeiro-ministro de Portugal pelo Partido Socialista entre 2005 e 2011 e é amigo do presidente Lula. Em janeiro, o ex-governante português esteve em Brasília para prestigiar a posse do petista que, em 2013, assinou o prefácio de um livro escrito pelo antigo premiê.

Sócrates foi detido em 2014 e ficou mais de um ano preso sem acusação, que só foi formalizada em 2021. Na ocasião, o juiz responsável considerou o material apresentado pelo Ministério Público frágil e derrubou todas as acusações de corrupção, mas manteve as de lavagem de dinheiro —ligados a um imóvel em Paris—, e de falsificação de documento, envolvendo pagamento por uma dissertação de mestrado.

Ao contrário do que aconteceu com Lula, que manteve o apoio dentro do Partido dos Trabalhadores mesmo em meio às denúncias da Lava Jato e o período na prisão, José Sócrates foi, em suas próprias palavras, abandonado pelo Partido Socialista. Ele acabaria por se desfiliar da legenda em 2018.

Embora Sócrates já não faça parte dos quadros do partido, diversos membros do atual governo socialista estiveram de alguma forma ligados a ele. É esse o caso do atual premiê, António Costa, que comandou a pasta da Administração Interna, um dos ministérios de maior visibilidade, durante o governo Sócrates.

O esforço da ultradireita portuguesa, portanto, aproveita a visibilidade dos atos contra Lula —visto que as eleições brasileiras tiveram grande repercussão na opinião pública local— para associar os atuais adversários no poder à corrupção em um momento de fragilidade do governo. Embora governe com maioria absoluta, a administração de António Costa vem dando sinais de fragilidade política após polêmicas com ministros secretários de Estado e a companhia aérea TAP.

Uma pesquisa de intenções de voto divulgada nesta semana mostrou pela primeira vez o maior partido da oposição, o PSD (Partido Social-Democrata), de centro-direita, à frente dos socialistas. O Chega também aparece com crescimento expressivo entre os eleitores. Nesse cenário, o partido da ultradireita poderia ser bastante beneficiado com a antecipação das eleições legislativas, previstas apenas para 2026.

Na avaliação de Costa Pinto, o crescimento da imigração brasileira em Portugal também contribui para o interesse do Chega em organizar uma manifestação contra Lula. O especialista sublinha ainda a intensificação das relações entre o líder do partido e as igrejas evangélicas no país.

Embora Lula tenha levado a melhor entre os eleitores que vivem em Portugal, o segundo maior colégio eleitoral brasileiro no exterior, atrás apenas dos Estados Unidos, existe uma grande presença de pessoas simpáticas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Isso significa que atacar publicamente o petista também pode render dividendos políticos entre os bolsonaristas brasileiros com direito a voto em Portugal. Além de ter gravado um vídeo de apoio a Bolsonaro durante a campanha presidencial de 2022, Ventura convidou o aliado para uma espécie de cúpula da ultradireira internacional, em Lisboa, em maio.

Impulsionada pela recente concessão de autorização de residência automática para cidadãos da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), a comunidade ultrapassou os 300 mil residentes, o que representa mais do que o dobro dos 85.426 moradores de 2016.

Essas cifras não incluem aqueles que têm dupla cidadania de Portugal –que pode ser requerida após três anos de residência legal– ou de outro Estado-membro da União Europeia, o que significa que a dimensão real dos brasileiros que vivem e votam no país é ainda maior.

Para completar a intrincada equação eleitoral, os cidadãos do Brasil podem votar para as eleições legislativas em Portugal mesmo sem ter a nacionalidade do país europeu. Após três anos de residência legal, é possível obter a chamada igualdade de direitos políticos, que garante o benefício. Nesse caso, porém, é preciso abrir mão de participar no pleito brasileiro.

Apesar da convocação para os protestos contra Lula, as agendas do petista em Portugal transcorreram em clima de tranquilidade, com presença frequente de apoiadores nas imediações dos eventos. Para contrapor a ação do Chega, coletivos de esquerda formados por portugueses e brasileiros convocaram atos pró-Lula para a região da Assembleia da República. A polícia reforçou o policiamento nos arredores.

Último compromisso de Lula na visita a Portugal, o discurso no Parlamento foi também cercado de polêmicas. O dia 25 de abril é um feriado nacional que assinala a Revolução dos Cravos, movimento que pôs fim à ditadura no país, e é uma das principais datas do calendário político local.

Ainda que seja praxe que líderes estrangeiros se dirijam aos parlamentares quando visitam o país, a intervenção de Lula durante a sessão do 25 de abril foi anunciada por um ministro, sem acordo prévio com os deputados. Insatisfeitos com o que consideraram quebra do princípio de separação de Poderes, os líderes partidários não concordaram com a participação do petista na sessão comemorativa. A solução encontrada foi criar uma sessão separada, antes da que celebra oficialmente o aniversário da revolução.

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