Israel retira tropas de hospital, e Hamas diz ter encontrado dezenas de corpos no local

Tel Aviv conta morte de '200 terroristas' e deixa rastro de destruição no que era o principal centro médico de Gaza

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A retirada das tropas de Israel do Al-Shifa nesta segunda-feira (1º), após duas semanas de invasão, revelou um hospital em ruínas e, segundo o Ministério da Saúde do território palestino, controlado pelo Hamas, dezenas de corpos espalhados pelo chão —incluindo alguns em estado de decomposição.

A operação havia sido elogiada pelo primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, neste domingo (31), quando o político afirmou durante um discurso que as forças de segurança mataram "mais de 200 terroristas" no centro médico e suas adjacências. O Exército, que perdeu dois soldados ao longo da incursão, diz ter prendido 900 suspeitos durante esse período.

Palestinos veem danos ao Hospital Al-Shifa após forças de Israel se retirarem do centro médico - Dawoud Abu Alkas/Reuters

Após a invasão, funcionários deste que era o maior hospital de Gaza e um dos poucos ainda operantes no norte do território disseram que as vítimas incluíam pacientes do local e refugiados palestinos que se abrigavam em seu entorno.

Nenhuma das versões pôde ser verificada de forma independente. Imagens registradas por agências de notícias, porém, mostram um cenário de destruição no complexo e cadáveres em decomposição. Um médico disse à AFP que mais de 20 corpos foram recuperados e que alguns foram esmagados por veículos militares durante a retirada.

Nesta segunda, centenas de moradores correram até o local para verificar os danos. Ao jornal americano The New York Times o cirurgião vascular Taysir al-Tanna disse que muitos dos principais prédios do hospital, incluindo as alas de emergência, obstetrícia e cirurgia, foram gravemente danificados. "Agora parece um terreno baldio", disse ao veículo.

"Não parei de chorar desde que cheguei aqui, massacres horríveis foram cometidos pela ocupação", afirmou à agência de notícias Reuters Samir Basel, 43, por um aplicativo de mensagens. "O local está destruído, prédios foram queimados. Este lugar precisa ser reconstruído —não há mais Al-Shifa."

Um porta-voz do Serviço de Emergência Civil de Gaza disse à agência que as forças israelenses mataram duas pessoas cujos corpos foram encontrados algemados no complexo. A Reuters não pôde verificar a acusação, e o Exército de Israel não respondeu imediatamente a um pedido de comentário.

Tel Aviv ainda ocupa vários outros hospitais na faixa, sendo dois deles em Khan Yunis, no sul, e o Al-Aqsa, em Deir Al-Balah, no centro do território palestino. Neste domingo (31), quatro pessoas morreram em combates no Aqsa, e 17 ficaram feridas, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde). Ainda segundo a entidade, ao menos 21 pacientes morreram no Shifa —não está claro se esses óbitos estão contabilizados entre os que Netanyahu chamou de terroristas.

O próprio Al-Shifa havia sido invadido pela primeira vez em novembro, em uma operação que rendeu diversas críticas a Israel. Tel Aviv argumentou à época que o Hamas havia construído um centro de comando em túneis sob o prédio, o que o grupo terrorista e o diretor do hospital negam —segundo eles, a instalação era apenas um refúgio para civis.

Desde o início da guerra, 32.845 palestinos morreram, e 75.392 ficaram feridos, de acordo com autoridades do território. O conflito foi deflagrado em outubro, após um ataque do Hamas ao sul de Israel deixar cerca de 1.200 mortos, segundo Tel Aviv.

No último dia 25, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou uma resolução que demanda um cessar-fogo imediato e a libertação dos reféns em poder do Hamas. O texto estabelece uma cessação de hostilidades durante o Ramadã, período sagrado para os muçulmanos, que começou em 11 de março e termina em 9 de abril. No entanto, nenhuma das partes parece disposta a chegar a um acordo e cumprir a determinação.

Os EUA, aliados históricos de Israel, abstiveram-se na votação da resolução, o que levou Netanyahu a cancelar uma reunião entre representantes dos dois países para discutir o cenário em Rafah.

A cidade no sul de Gaza, na fronteira com o Egito, abriga mais um milhão de palestinos forçados a se deslocar pelo conflito. É também o próximo alvo de Israel, que promete conduzir uma operação terrestre para, em suas palavras, "aniquilar" o Hamas —a despeito das reiteradas manifestações, inclusive dos EUA, acerca dos riscos de que a invasão leve a ainda mais mortes de civis.

Netanyahu permanece irredutível em relação a Rafah, mas aceitou retomar a reunião com os americanos. Segundo o site Axios, o encontro estava previsto para esta segunda, a ser realizado de forma remota.

Sem perspectiva concreta para uma trégua, os combates prosseguiam em Gaza nesta segunda (1º). Autoridades locais afirmaram nesta segunda (1º) que ao menos 60 pessoas morreram nas últimas 24 horas.

Cinco delas eram funcionárias da ONG World Central Kitchen (WCK) atingidas por um bombardeio a Deir al-Balah. No grupo havia cidadãos da Polônia, do Reino Unido e da Austrália —o primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese, confirmou o óbito de seu conterrâneo Zomi Frankcom e disse que contatou a embaixada israelense em Canberra e pediu que os culpados pelo ataque fossem devidamente responsabilizados.

Antes, Tel Aviv, que em geral não comenta ataques ao território palestino, disse estar analisando o caso para entender as circunstâncias por trás do que chamou de um "incidente trágico". "As Forças de Defesa de Israel tentam possibilitar a entrega segura de ajuda humanitária e têm trabalhado em estreita colaboração com o WCK e seus esforços cruciais para fornecer comida [...] ao povo de Gaza", disse em comunicado.

A ONG fundada em 2010 pelo chef espanhol José Andrés já declarou ter servido mais de 40 milhões de refeições na região em guerra desde o seu início.

Também na segunda, o Hamas pediu "desculpas" à população de Gaza pelas dificuldades provocadas pelo conflito, mas reiterou sua vontade de prosseguir com a luta para alcançar "a vitória e a liberdade" dos palestinos. Netanyahu, por sua vez, reafirmou seu objetivo de seguir com a guerra.

A coalizão do premiê, a mais à direita da história israelense, está cada vez mais pressionada a flexibilizar a negociação com o Hamas para trazer de volta os cerca de 130 israelenses que permanecem reféns em Gaza.

No domingo, milhares se manifestaram diante do Knesset, o Parlamento israelense, sediado em Jerusalém. Durante a mobilização, os participantes conseguiram bloquear uma das principais avenidas da cidade e acenderam fogueiras nas ruas enquanto agitavam bandeiras de Israel.

Qatar, Egito e Estados Unidos atuam como mediadores nas negociações para uma trégua, mas um dirigente do Hamas questionou a possibilidade de progresso nas conversações devido às grandes divergências entre as partes. Netanyahu acusa o Hamas de "endurecer" suas posições.

Com Reuters, AFP e NYT

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.