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Líder do Equador aposta em militarização e populismo penal de olho em reeleição

Daniel Noboa leva população às urnas para plebiscito com 11 perguntas sobre mudanças na Constituição e no Código Penal

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Cidade do México

O jovem e bilionário Daniel Noboa, 36, tomou posse no Equador em meados de novembro passado com um desafio peculiar: provar-se um presidente popular em apenas um ano e meio.

Eleito em uma espécie de eleição tampão após Guillermo Lasso, o seu antecessor, convocar um pleito antecipado e às pressas, ele não dispõe dos quatro anos no Palácio de Carondelet, a sede do governo.

O presidente do Equado, Daniel Noboa (à dir.) escuta o hino nacional em Guayaquil usando roupas de proteção ao lado de militares
O presidente do Equado, Daniel Noboa (à dir.) escuta o hino nacional em Guayaquil usando roupas de proteção ao lado de militares - Santiago Arcos -26.mar.24/Reuters

Noboa assumiu a carruagem andando e em um sentido desolador, com seu país se tornando um dos mais inseguros da América Latina. Os exemplos dessa onda de violência não param de se acumular. Durante apenas três dias da última semana, dois prefeitos foram assassinados no sul do país andino.

Já de olho nas eleições de fevereiro de 2025, o líder equatoriano recorre às ferramentas que tem para se mostrar um homem forte. No último período, essas táticas incluíram a excepcional invasão da embaixada do México, um dos mais recentes rebuliços na política regional, e um plebiscito convocado por ele para este domingo (21).

O presidente mais jovem das Américas chamou a população às urnas para responder "sim" ou "não" a 11 perguntas, as principais delas sobre temas que envolvem uma desburocratização para militarizar a nação.

Há muito os analistas do país apontam que as forças militares são uma solução paliativa para os altos índices de violência, mas não definitiva.

No país onde o narcotráfico fincou raízes, estabeleceu uma máquina de lavagem de dinheiro e tem expulsado dezenas de milhares de pessoas que todos os meses buscam rotas perigosas de migração para fugir, especialistas apontam que é preciso fortalecer a Justiça e o Ministério Público para que investigações fiéis asfixiem a cúpula das principais organizações criminosas (além de seus vínculos com a política).

Noboa, por outro lado, tem defendido uma presença mais facilitada dos militares no patrulhamento que em teoria seria apenas civil. A pergunta 1 de seu plebiscito questiona se o cidadão está de acordo com a permissão a um "apoio complementário das Forças Armadas nas funções da Polícia Nacional para combater o crime organizado".

Ao significado prático: hoje a presença militar já é bastante presente e ocorre por meio de decretos de estado de exceção (muito comuns no país) e declarações de conflito armado interno (como a que o Equador vive hoje, contra as gangues). O plebiscito busca anular essas exigências e fazer com que a decisão para enviar os militares dependa somente de uma decisão do chefe da polícia local e do presidente.

Justamente nesta sexta-feira (19) Noboa voltou a decretar estado de exceção. Dessa vez pela crise de desabastecimento energético gerada pela grave seca que assola o país e a Colômbia, sua fornecedora. O presidente diz que é preciso evitar saques à infraestrutura pública neste período e, por isso, novamente acenou aos militares.

Renato Rivera, que dirige o Observatório Equatoriano sobre o Crime Organizado, aponta duas falhas principais no plano do plebiscito.

A primeira seria que os próprios militares não estariam tão contentes com a ideia. "Os militares manifestam que, neste caso, exigiriam alguma segurança jurídica para que pudessem ir às ruas. Isso antes se justificava com os estados de exceção. Se eles deixarem de existir, os militares terão de ter mais garantias para poder agir."

A segunda falha está na projeção das possíveis consequências futuras. "O envio dos militares às ruas pode ter um efeito imediato na redução da violência e incrementar a percepção de segurança dos cidadãos. Ainda assim, tem-se observado no Equador que as organizações criminais se adaptam ao contexto de militarização."

Martina Rapido Ragozzino, pesquisadora da Human Rights Watch em Quito, compartilha visão semelhante. "Os militares foram treinados para a guerra, não para questões de segurança dos cidadãos. Quando há equipes não treinadas sendo expostas a certas circunstância, o que se cria é um problema de capacidade que falta a essas pessoas para manejar a segurança pública e ter boa relação com a população."

O pacote com outras dez perguntas propõe ainda permitir a extradição de equatorianos (notadamente para os Estados Unidos) e aumentar as penas de prisão para os que cometam crimes como terrorismo, tráfico ilícito e "delinquência organizada". As pesquisas mais recentes indicam que o "sim" deve vencer na maioria.

Mais de 13 milhões de equatorianos estão convocados às urnas para preencher as fichas de papel com suas escolhas. O voto é obrigatório para aqueles maiores de 18 e menores de 64. Para adolescentes de 16 a 17 anos, é facultativo, assim como para os maiores de 65.

O número de homicídios no país cresceu mais de 500% nos últimos cinco anos, de acordo com cifras oficiais.

"Eu defendi inicialmente a militarização como uma etapa de contenção, quando as instituições já não mostram capacidade de responder ao problema da violência", diz Renato Rivera. "Mas não se pode depender de um Estado de exceção constante."

"Entramos em uma fase de soluções rápidas que na verdade não resolvem o problema de fundo", acrescenta Martina Ragozzino. "No Equador se investiga muito mal, em especial a lavagem de dinheiro. A polícia investiga esses casos, mas em alguns deles se sabe que também policiais estão envolvidos. O que o Equador precisa não é de militares nas ruas, mas de mais promotores que investiguem o crime."

Para esses analistas e outros especialistas locais consultados pela reportagem, ocorre um aceno de Noboa à militarização e ao populismo penal para cativar eleitores e aumentar a sensação de segurança pública, na expectativa de que em 2025 isso se traduza em votos.

A recente invasão da embaixada mexicana em Quito para prender o ex-vice-presidente Jorge Glas, acusado de corrupção, se soma aos acenos do presidente rumo às eleições. O próprio Noboa expressou esse desejo durante entrevista à australiana SBS News na última semana.

Questionado se estava arrependido da decisão, que levou a uma onda de condenações regionais —Brasil incluso— e ao rompimento das relações com o México, ele disse que não.

"Se Glas tivesse escapado, eu teria sido fraco demais para todos. Agora que peguei o cara, sou muito forte. É meio difícil agradar a todos, mas a grande maioria das pessoas está feliz com a minha decisão", disse ele.

"O presidente tem demonstrado que neste momento se importa muito pouco com leis ou obrigações internacionais, mas com ações e medidas que possam incrementar a popularidade de seu governo", analisa Martina Rapido Ragozzino, da Human Rights Watch. "Na ânsia de demonstrar resultados, ele atua de forma que não deveria."


Quais as principais perguntas do plebiscito deste domingo?

  • Concorda que se permita o apoio complementário das Forças Armadas nas funções da Polícia Nacional para combater o crime organizado?
  • Concorda em permitir a extradição de equatorianos?
  • Concorda que o Estado reconheça a arbitragem internacional como método para decidir sobre controvérsias domésticas sobre temas comerciais?
  • Concorda que as Forças Armadas realizem o controle de armas e explosivos nos centros de detenção?
  • Concorda que aqueles presos por crimes como os ligados ao narcotráfico cumpram toda a pena dentro da prisão (excluindo possibilidade de condicional)?
  • Concorda em aumentar as penas para delitos de terrorismo, tráfico de drogas, assassinato e sequestro para extorsão?
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