Presidente do Equador declara guerra a facções em meio a onda de violência que matou 10

Daniel Noboa aciona Forças Armadas contra criminosos, que fizeram sequestros, explodiram bombas e invadiram TV

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Boa Vista

Um dia depois de decretar estado de exceção no Equador e em meio a uma onda de criminalidade que deixou ao menos dez mortes, o presidente Daniel Noboa assinou novo decreto nesta terça-feira (9) em que reconhece que o país enfrenta um "conflito armado interno". O mesmo documento lista 22 organizações criminosas como terroristas e ordena que as Forças Amadas executem operações "para neutralizar" os grupos citados.

Entre essas facções estão os Choneros, cujo líder, Fito, fugiu da prisão no domingo (7). O incidente fez irromper uma crise de violência —a imprensa local descreveu a madrugada desta terça como uma "noite de terror", com explosões de carros-bomba e outros em atos aparentemente coordenados, além do sequestro de quatro policiais.

O presidente do Equador, Daniel Noboa, em vídeo em que anunciou o estado de exceção no país
O presidente do Equador, Daniel Noboa, em vídeo em que anunciou o estado de exceção no país - Presidência do Equador - 8.jan.2024/AFP

As ações ocorreram após Noboa, que enfrenta sua primeira crise desde que assumiu a Presidência em novembro, decretar um estado de exceção de 60 dias em todo o país. A medida inclui um toque de recolher de seis horas, de 23h às 5h.

O caos se manteve na tarde desta terça, quando homens encapuzados invadiram a sede da emissora TC na cidade portuária de Guayaquil, no sudoeste do território. Eles renderam apresentador e funcionários com armas e granadas em mãos durante uma transmissão ao vivo do telejornal El Noticiero, que em seguida saiu do ar.

Em vídeos da transmissão, é possível ver o grupo bradando contra a polícia. Profissionais da emissora aparecem deitados no chão e, ao fundo, soam o que parecem ser tiros.

Um dos funcionários que estava no local durante o ataque enviou a um repórter da agência de notícias AFP uma mensagem em que dizia: "Entraram aqui para nos matar". Passaram-se cerca de 30 minutos até que as forças de segurança entrassem no local e prendessem ao menos 13 criminosos envolvidos na ação.

Em paralelo a isso, diferentes ataques ocorridos em Pascuales e em outras regiões de Guayaquil deixaram oito mortos e dois feridos, informou o jornal local El Universo com base em um balanço da polícia divulgado às 18h30 do horário local (20h30 em Brasília).

Na Universidade de Guayaquil, alunos e professores correram assustados e se refugiaram em salas de aula. Relatos que circularam na terça diziam que homens armados haviam invadido o campus, mas a afirmação foi negada pela instituição. O Ministério da Educação suspendeu as atividades presenciais de escolas e faculdades de todo o país pelo menos até a sexta-feira (12).

Em Nobol, cidade próxima a Guayaquil, dois policiais foram mortos, de acordo com publicação das autoridades nas redes sociais.

Diante da crise, a Assembleia Nacional apoiou o Executivo, anunciando resoluções adotadas em conjunto por bancadas de diferentes colorações políticas. Uma das medidas anunciadas é a possibilidade de conceder indultos e anistias a policiais e militares envolvidos no combate ao narcotráfico.

O ex-presidente esquerdista Rafael Correa, que governou o país de 2007 a 2017 e apoiou no pleito do ano passado a candidata derrotada por Noboa, foi outro que declarou "total e irrestrito respaldo" ao presidente, pedindo a ele que não cedesse. Acrescentou ainda que "erros e discrepâncias políticas" seriam discutidos "no dia seguinte à vitória" do Estado sobre as organizações criminosas.

"O país vive um verdadeiro pesadelo, algo impensável há pouco tempo e fruto da destruição sistemática do Estado de direito, dos erros e do ódio acumulados nesses últimos sete anos. Agora é um momento de união nacional. O crime organizado declarou guerra ao Estado, e o Estado deve prevalecer", disse Correa, que vive fora do país sob risco de ser preso ao retornar devido a uma condenação por corrupção.

A crise também gerou repercussões no exterior. O Ministério do Interior do Peru ordenou o envio de forças para a fronteira de seu país com o Equador e decretou estado de emergência em todas as cidades que compõem a linha divisória. A medida foi anunciada na madrugada desta quarta-feira (10 ).

Já a China anunciou o fechamento de sua embaixada, também a partir desta quarta.

O Itamaraty afirmou em nota que acompanha com preocupação a escalada de violência no país. Também disse estar apurando uma denúncia de sequestro de um cidadão brasileiro, Thiago Allan Freitas, em Guayaquil.

Ao declarar o estado de exceção na segunda-feira, Noboa afirmou que a medida permitiria que as Forças Armadas interviessem no sistema prisional equatoriano. "Não negociaremos com terroristas nem descansaremos enquanto não devolvermos a paz", afirmou ele em vídeo publicado nas suas redes sociais.

Presídios equatorianos têm vivido conflitos frequentes nos últimos anos, com motins e confrontos que resultam em dezenas de mortes e sequestros de agentes de segurança.

No decreto desta segunda, anterior ao reconhecimento do conflito armado interno, as Forças Armadas já haviam sido acionadas para se somar às ações da polícia nacional. A novidade foi o reconhecimento do estado de "conflito armado interno", a listagem das facções reconhecidas como terroristas e a deliberação para que o Exército execute operações militares contra os grupos declarados.

O presidente anunciou na semana passada que construiria duas prisões de segurança máxima —semelhantes às que o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, mandou erguer em sua guerra contra as gangues— nas províncias de Pastaza (leste) e Santa Elena (sudoeste) para isolar os prisioneiros mais perigosos. Ele, que tomou posse em novembro, foi eleito sob a promessa de reduzir a violência em um país assombrado por seguidas crises de segurança.

A crise havia chegado a um ápice em agosto, após o assassinato a tiros do presidenciável Fernando Villavicencio após evento de campanha em Quito.

Fito, o prisioneiro que fugiu no fim de semana, foi, aliás, um dos principais nomes apontado nas investigações, ainda inconclusas, sobre o crime. Dias antes de ser morto a tiros durante um comício, o jornalista e deputado havia dito na rede X que estava sendo alvo de ameaças do criminoso, líder da Choneros —o cartel é o mais temido do Equador, e disputa rotas do tráfico de drogas com grupos com conexões com organizações do México e da Colômbia.

O crescimento da violência tem sido vertiginoso na nação. Em 2022, a taxa de homicídios para cada 100 mil habitantes foi de 25,9, índice que, cinco anos antes, em 2017, havia atingido o menor patamar em anos, com 5,8.

Espremido entre Peru e Colômbia, os maiores produtores de cocaína do mundo, o Equador funciona como entreposto de exportação para a droga por via marítima e viu facções internas se associarem ao crime transnacional enquanto dominaram os presídios locais.

Nos últimos anos, o cultivo e a demanda pela cocaína atingiram níveis recordes no mundo, segundo a ONU, o que impactou também a distribuição e abriu novas rotas para o narcotráfico. Em um ano, 210 toneladas de drogas foram apreendidas no Equador, também um recorde.

Com Reuters

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