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Novo premiê de Portugal toma posse com discurso visto como aceno a ultradireita

Luís Montenegro, que afirma que Chega não participará de governo, defende regular imigração e combater corrupção

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Lisboa

Com um discurso em que defendeu a regulação da imigração e propôs uma agenda nacional de combate à corrupção, Luís Montenegro, líder da Aliança Democrática (AD), coligação dos partidos da direita tradicional lusa, tomou posse como primeiro-ministro de Portugal na tarde desta terça-feira (2).

Embora o novo premiê tenha dito desde a campanha que não pretende governar com o apoio da legenda de ultradireita Chega, o teor do discurso foi interpretado por alguns analistas como um aceno à bancada do partido populista, que é a terceira maior do Parlamento.

Luís Montenegro discursa após tomar posse como primeiro-ministro de Portugal no Palácio da Ajuda, em Lisboa - Patricia de Melo Moreira/AFP

Depois de enumerar propostas para incentivar as famílias portuguesas a terem mais filhos, Montenegro, que é também presidente do PSD (Partido Social Democrata), expôs sua visão para a imigração.

"A imigração é outro vetor importante. Tem de ser regulada. Atrativa para profissionais qualificados, proativa para jovens estudantes e capaz de reunir famílias, melhorando a sua integração na nossa comunidade", afirmou. "Queremos um país humanista e acolhedor, que não está nem de portas fechadas nem de portas escancaradas."

Nos mais de oito anos em que o Partido Socialista esteve no poder, houve uma série de políticas que favoreceram a imigração. Em 2023, Portugal, que tem cerca de 10,3 milhões de habitantes, ultrapassou a marca de mais de 1 milhão de residentes estrangeiros legais —destes, mais de 400 mil são brasileiros.

A imigração foi um dos principais alvos do Chega, o que acabou trazendo o tema para o centro da última campanha eleitoral. O partido populista propõe o estabelecimento de cotas para estrangeiros, a criação do "crime de residência ilegal em solo português" e a revogação do acordo de mobilidade entre os países da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), ao abrigo do qual há mais 100 mil brasileiros vivendo em Portugal.

Presidente do Chega, o deputado André Ventura esteve presente na posse e descreveu o discurso como positivo, "tocando em vários aspectos que interessam à sociedade portuguesa, desde a juventude à luta contra a corrupção". "A imigração, que foi tocada pelo primeiro-ministro também, e eu não poderia deixar de sublinhar isso como positivo", acrescentou.

Embora diga que seu partido não será uma força de bloqueio no Parlamento, Ventura reafirmou que o Chega fará oposição ao governo. A decisão foi tomada após a ultradireita ser excluída das conversas que buscavam formar uma coalizão.

Sem os 50 deputados da sigla, os demais partidos de direita ficam com 3 deputados a menos do que a esquerda.

A cientista política Ana Paula Costa, pesquisadora do Instituto Português de Relações Internacionais, destaca que o PSD defendia medidas migratórias mais restritivas mesmo antes da ascensão da ultradireita.

"Nos governos do PSD as políticas de imigração ficaram com viés mais securitário, com mais narrativa de segurança e de controle de fronteiras. Isso foi até alvo de questões diplomáticas entre Brasil e Portugal, por exemplo, em governos passados", afirmou.

"Até agora, temos a palavra de Luís Montenegro de que não haverá acordo com o Chega para governar. Mas não sabemos se, caso seja preciso apoio para votar uma lei específica, haverá um entendimento. E aí vem a nossa preocupação com as políticas para os imigrantes", completou.

Sem o apoio da legenda populista, o novo governo teve dificuldades já na primeira sessão oficial da legislatura, quando não conseguiu eleger o presidente do Parlamento, o terceiro cargo mais importante do Estado.

O impasse, que se arrastou por mais de 24 horas e empurrou a votação para o dia seguinte, só foi resolvido depois que a Aliança Democrática fechou um acordo com os socialistas. O PS, que agora se tornou a maior força da oposição afirmou, contudo, que a direita não deve contar com ele para governar.

Embora todos os líderes partidários tenham sido convidados para a cerimônia de posse, realizada no Palácio da Ajuda, em Lisboa, as lideranças das legendas de esquerda –além do PS, Bloco de Esquerda, Livre e Partido Comunista Português– não compareceram. Em 2022, o então líder do PSD, Rui Rio, participou da posse do socialista António Costa.

No evento, Montenegro cobrou responsabilidade da oposição, sobretudo do PS, "que governou durante 22 dos últimos 28 anos". O novo premiê afirmou que a legenda precisa decidir se vai "ser oposição democrática ou bloqueio democrático".

A legislatura dura oficialmente até 2028 mas, diante da estreita margem parlamentar no novo governo, muitos analistas consideram provável a convocação de eleições antecipadas.

Montenegro rebateu as previsões negativas sobre a longevidade de sua gestão, dizendo que ele pretende governar nos "quatro anos e meio da legislatura" para "encetar uma transformação estrutural da economia e do Estado, porque esse é o único caminho para criarmos mais riqueza, pagarmos melhores salários e retermos os nossos jovens e o nosso talento".

Além de defender cortes nos impostos e melhores remunerações para os portugueses, o novo premiê desafiou os partidos a criarem uma agenda nacional de combate à corrupção. "Irei propor a todos os partidos com assento parlamentar a abertura de um diálogo com vista a fixar uma agenda ambiciosa, eficaz e consensual de combate à corrupção. O objetivo é no prazo de dois meses ter uma síntese de propostas, medidas e iniciativas com que seja possível acordar e consensualizar", afirmou.

As eleições que levaram Montenegro ao poder foram convocadas de forma antecipada, após o socialista António Costa renunciar em meio a uma operação do Ministério Público que investiga suspeitas de corrupção atingir o núcleo de seu governo.

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