Descrição de chapéu Financial Times

Oposição da Turquia vence em grandes cidades e causa duro revés a Erdogan

Vitória do Partido Republicano do Povo é reflexo da crise inflacionária e das críticas ao estilo autoritário do líder turco

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Adam Samson Ayla Jean Yackley Funja Güler
Istambul e Ancara | Financial Times

O Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, sofreu uma grande derrota nas eleições municipais, causando ao líder turco seu mais grave revés eleitoral desde sua ascensão ao poder há duas décadas.

A oposição turca obteve vitórias decisivas nas prefeituras contra o AKP de Erdogan em corridas eleitorais por todo o país, inclusive em grandes cidades como Istambul, Ancara, Esmirna, Bursa e Antalya. O partido não tinha um desempenho tão ruim nas eleições locais desde que Erdogan o fundou na virada do milênio.

Mansur Yavaş, prefeito de Ancara e membro do partido de oposição, declara vitória após garantir 60% dos votos - Adem Altan - 31.mar.24/AFP

O bom desempenho de Ekrem Imamoglu pelo Partido Republicano do Povo (CHP), da oposição, em Istambul, foi um golpe doloroso para Erdogan, que apoiou totalmente o candidato do AKP em uma tentativa de derrotar seu arquirrival e o político mais proeminente da oposição.

"Istambul transmitiu sua mensagem", disse Imamoglu a uma grande multidão de apoiadores que se reuniram no centro da cidade na manhã de segunda-feira (1º). "A era da tutela de uma pessoa acabou."

Os moradores da maior cidade do país saíram às ruas para comemorar o resultado, agitando bandeiras turcas, buzinando, acendendo sinalizadores coloridos, cantando e dançando até altas horas da madrugada.

O forte desempenho do CHP ocorreu à medida que os eleitores atacavam Erdogan em razão de uma longa crise inflacionária, que fez com que o preço de tudo, desde mantimentos até veículos e eletrodomésticos, aumentasse nos últimos anos.

"O principal partido de oposição da Turquia conseguiu derrotar a aliança governista, obtendo a maior derrota eleitoral da carreira de Erdogan", disse Berk Esen, professor da Universidade Sabanci de Istambul, que acrescentou que foi o melhor resultado do CHP desde a eleição geral de 1977.

No geral, o CHP obteve 38% dos votos nacionais, enquanto o apoio ao AKP caiu para 35%, segundo números iniciais da agência de notícias estatal Anadolu. O AKP havia obtido 44% dos votos na disputa local anterior, em 2019.

Em tom conciliador, Erdogan disse a seus apoiadores em Ancara que, com o fim das eleições locais, o governo poderia se concentrar em consertar a economia. Ele prometeu que seus esforços para controlar a inflação seriam recompensados neste ano e que ele daria prioridade à política externa, especialmente para conter as aspirações curdas de autogoverno do outro lado da fronteira, na Síria.

"Infelizmente, não conseguimos obter o resultado que queríamos, que esperávamos, nas eleições locais", disse o presidente. "Em nenhuma circunstância desrespeitaremos a decisão de nosso povo. O fato de esse capítulo eleitoral, que cansou nossa nação, nosso povo e nossa economia no último ano, estar encerrado a partir de hoje é, por si só, uma vitória."

Mas muitos viram a votação como um referendo sobre o estilo autoritário de governo de Erdogan, que incluiu intervenções na política monetária, limites à liberdade de expressão e influência política no Judiciário.

"Foi um voto 'não' a Erdogan, especialmente em Istambul e em muitos outros lugares", disse Selim Koru, analista do think-tank Tepav, com sede em Ancara.

A derrota marca uma mudança radical em relação à eleição presidencial de maio de 2023, na qual Erdogan lutou contra uma aliança de oposição de seis partidos que tentava destituí-lo. Isso também reforça a posição de Imamoglu como o único político na Turquia que tem sido capaz de enfrentar Erdogan, o qual é considerado o líder mais importante da Turquia desde Mustafa Kemal Atatürk, que fundou a república há um século.

Asli Aydintasbas, membro da Brookings Institution, com sede em Washington, disse que Erdogan "não pode mais contar com uma oposição que está em desordem".

Imamoglu, 53, venceu o candidato do AKP, Murat Kurum, por 12 pontos percentuais na disputa em Istambul, obtendo 51% dos votos, segundo a Anadolu. Essa é a maior margem de vitória de um prefeito de Istambul em 40 anos.

A vitória de Imamoglu reflete a eleição municipal de 2019, quando ele assumiu o controle de Istambul em uma campanha altamente disputada, na qual o partido de Erdogan forçou –e depois perdeu– uma repetição da votação.

Em Ancara, o apoio à oposição foi ainda mais dramático, com o prefeito em exercício Mansur Yavaş declarando vitória após garantir 60% dos votos, muito à frente do oponente do AKP, Turgut Altinok, que obteve 32%.

Os mercados turcos avançaram na segunda-feira, na esperança de que o programa de reforma econômica iniciado em junho de 2023 permaneça intacto, apesar do revés eleitoral de Erdogan. A lira subiu cerca de 1% em relação ao dólar, e o índice de ações Bist 100 de Istambul subiu levemente.

Além das maiores cidades do país, o AKP enfrentou a perda de províncias que dominou durante a última década ou mais, principalmente no oeste da Turquia. O CHP obteve o controle da cidade de Adiyaman, ao sul, uma das áreas mais atingidas pelo terremoto de 2023, e de Kilis, uma província conservadora que faz fronteira com a Síria.

No sudeste predominantemente curdo, o partido Igualdade e Democracia dos Povos ganhou dez capitais de província, em comparação com oito em 2019. O partido enfrentou uma longa repressão por parte de Erdogan, que incluiu a prisão de vários de seus prefeitos e de seu ex-presidente, Selahattin Demirtaş.

O partido islâmico New Welfare conquistou as cidades religiosamente conservadoras de Şanliurfa e Yozgat. O partido havia apoiado Erdogan nas eleições gerais de 2023, mas rompeu com o AKP nessa votação devido a discordâncias sobre o comércio com Israel e as políticas econômicas.

"Já chega de AKP. Estamos cansados do AKP por causa da situação econômica. Tudo é muito caro", disse Ramazan Çimen, 59, morador de Şanliurfa, que normalmente votava no AKP, mas disse que agora estava apoiando o New Welfare. "Precisamos de uma mudança neste país."

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